O processo de industrialização maciça que foi ocorrendo ao longo do Sec. XIX trouxe consigo novos problemas sociais. O êxodo para as cidades industriais e, consequentemente, o crescimento brusco de novas mega metrópoles, foi feito à custa do caos urbanístico e duma generalizada insalubridade, que obras de autores como Charles Dickens ou Mark Twain bem ilustram.
Perdidas que estavam as ligações familiares e de proximidade típicas das sociedades rurais, muito se tem falado da perda de laços de solidariedade entre as multidões dos ex-aldeões que, por via de grandes movimentos migratório, engrossaram as fileiras do operariado.
Esta ideia, contudo, é desmentida pela auto-organização de que os membros destas classes deram provas, associando-se em instituições mutualistas de apoio à doença e velhice. Em Inglaterra, por exemplo, as Friendly Societies contavam com 1 milhão de sócios em 1850 e 4 milhões em 1872. Em 1913, na Alemanha, 16 milhões de operários estavam associados em diversas caixas de invalidez e velhice (Y. Lequin).
O modelo era simples: através da quotização de todos os seus membros, uma determinada associação assistencialista apoiava aqueles que, de entre eles, se encontravam em dificuldades, de saúde, nuns casos e até financeiras, noutros.
Igualmente fruto da auto-organização daquilo a que hoje chamaríamos “sociedade civil”, foram surgindo inúmeras cooperativas de consumo que pretendiam salvaguardar produtores e consumidores dos ataques especulativos e garantir, assim, um controlo sobre o preço dos bens de consumo. Por volta de 1860, esta tendência alargou-se ao crédito com o aparecimento de associações de crédito mútuo, com origem na Alemanha.
O mais interessante deste modelo é a sua espontaneidade e o fato do seu aparecimento e expansão não ter dependido de qualquer orientação estratégica de cima para baixo. Pelo contrário, ele aparece e frutifica a partir da base; a partir das diversas comunidades que são as suas beneficiárias. Associações por vezes muito pequenas, mas com uma ligação muito grande aos seus utentes e, portanto, geridas e controladas graças a essa proximidade, o que lhes permitiu funcionar com uma estrutura burocrática bastante leve.
É deste movimento que o Estado se vai aproveitar para começar a criar aquilo que é, hoje, a mastodôntica burocracia do Estado Social. O melhor exemplo disso mesmo está em Inglaterra. No sul de Gales, a associação de socorros mútuos Tredegar Medical Society, fundada em 1870, garantia assistência médica aos seus associados, essencialmente mineiros, com um corpo permanente de cinco médicos, um dentista e um fisioterapeuta. Aneurin Bevan, o fundador do National Health Service em 1948, conhecia bem esta organização já que era deputado eleito precisamente pelo círculo de Tredegar. E terá sido na Tredegar Medical Society que se inspirou para criar o serviço de saúde pública do Reino Unido (C. Ward).
É óbvio que, apercebendo-se das verbas que estariam implícitas numa escala nacional, os adeptos da centralização acabaram por fazer tudo o que puderam para acabar com as associações de socorros mútuos, nacionalizando indiretamente o rendimento disponível da população que, até aí, era entregue sob a forma de quotas a estas organizações de tipo comunitário. Tudo isto, claro, à custa duma gigantesca máquina burocrática e de emprego político que, como sabemos, está hoje à beira do colapso mas que, antes de colapsar, conseguiu acabar com o mutualismo. Simbolicamente, a Tredegar Medical Society acabaria por encerrar em 1995.
Feito este caminho, o que temos hoje é um Estado Social fundado na apropriação coerciva do rendimento disponível das populações. Um rendimento que, se as coisas tivessem seguido o seu rumo natural, estaria agora a ser gerido por pequenas e médias organizações comunitárias de âmbito territorial ou social, com uma profunda ligação aos seus utentes, porque por eles criadas, geridas e controladas. Organizações que, tanto pela sua dimensão como pela proximidade ao utilizador, teriam, como tinham, uma estrutura burocrática muito leve.
Ora, esta leveza de estrutura o Estado não consegue nem quer assegurar e, não podendo já suportar o peso de tamanho gigantismo, está hoje e cada vez mais a servir de mero suporte a grandes grupos financeiros que encontram justificação política em alguma optimização organizativa que os governos não alcançam, claro que, muitas vezes ou sempre, à custa da qualidade do serviço prestado ao utente. Um utente que, do ponto de vista do poder de reivindicação, lhes é distante e, como tal, pode ser desprezado. Um utente que no Sec. XIX começara a criar a sua própria organização com uma autonomia que teve de ser destruída para que o serviço que lhe é prestado deixasse de ser seu e comunitário e para que acabasse, afinal, naquilo em que está a acabar: num grande negócio para poucos, num mau serviço para todos.
Perdidas que estavam as ligações familiares e de proximidade típicas das sociedades rurais, muito se tem falado da perda de laços de solidariedade entre as multidões dos ex-aldeões que, por via de grandes movimentos migratório, engrossaram as fileiras do operariado.
Esta ideia, contudo, é desmentida pela auto-organização de que os membros destas classes deram provas, associando-se em instituições mutualistas de apoio à doença e velhice. Em Inglaterra, por exemplo, as Friendly Societies contavam com 1 milhão de sócios em 1850 e 4 milhões em 1872. Em 1913, na Alemanha, 16 milhões de operários estavam associados em diversas caixas de invalidez e velhice (Y. Lequin).
O modelo era simples: através da quotização de todos os seus membros, uma determinada associação assistencialista apoiava aqueles que, de entre eles, se encontravam em dificuldades, de saúde, nuns casos e até financeiras, noutros.
Igualmente fruto da auto-organização daquilo a que hoje chamaríamos “sociedade civil”, foram surgindo inúmeras cooperativas de consumo que pretendiam salvaguardar produtores e consumidores dos ataques especulativos e garantir, assim, um controlo sobre o preço dos bens de consumo. Por volta de 1860, esta tendência alargou-se ao crédito com o aparecimento de associações de crédito mútuo, com origem na Alemanha.
O mais interessante deste modelo é a sua espontaneidade e o fato do seu aparecimento e expansão não ter dependido de qualquer orientação estratégica de cima para baixo. Pelo contrário, ele aparece e frutifica a partir da base; a partir das diversas comunidades que são as suas beneficiárias. Associações por vezes muito pequenas, mas com uma ligação muito grande aos seus utentes e, portanto, geridas e controladas graças a essa proximidade, o que lhes permitiu funcionar com uma estrutura burocrática bastante leve.
É deste movimento que o Estado se vai aproveitar para começar a criar aquilo que é, hoje, a mastodôntica burocracia do Estado Social. O melhor exemplo disso mesmo está em Inglaterra. No sul de Gales, a associação de socorros mútuos Tredegar Medical Society, fundada em 1870, garantia assistência médica aos seus associados, essencialmente mineiros, com um corpo permanente de cinco médicos, um dentista e um fisioterapeuta. Aneurin Bevan, o fundador do National Health Service em 1948, conhecia bem esta organização já que era deputado eleito precisamente pelo círculo de Tredegar. E terá sido na Tredegar Medical Society que se inspirou para criar o serviço de saúde pública do Reino Unido (C. Ward).
É óbvio que, apercebendo-se das verbas que estariam implícitas numa escala nacional, os adeptos da centralização acabaram por fazer tudo o que puderam para acabar com as associações de socorros mútuos, nacionalizando indiretamente o rendimento disponível da população que, até aí, era entregue sob a forma de quotas a estas organizações de tipo comunitário. Tudo isto, claro, à custa duma gigantesca máquina burocrática e de emprego político que, como sabemos, está hoje à beira do colapso mas que, antes de colapsar, conseguiu acabar com o mutualismo. Simbolicamente, a Tredegar Medical Society acabaria por encerrar em 1995.
Feito este caminho, o que temos hoje é um Estado Social fundado na apropriação coerciva do rendimento disponível das populações. Um rendimento que, se as coisas tivessem seguido o seu rumo natural, estaria agora a ser gerido por pequenas e médias organizações comunitárias de âmbito territorial ou social, com uma profunda ligação aos seus utentes, porque por eles criadas, geridas e controladas. Organizações que, tanto pela sua dimensão como pela proximidade ao utilizador, teriam, como tinham, uma estrutura burocrática muito leve.
Ora, esta leveza de estrutura o Estado não consegue nem quer assegurar e, não podendo já suportar o peso de tamanho gigantismo, está hoje e cada vez mais a servir de mero suporte a grandes grupos financeiros que encontram justificação política em alguma optimização organizativa que os governos não alcançam, claro que, muitas vezes ou sempre, à custa da qualidade do serviço prestado ao utente. Um utente que, do ponto de vista do poder de reivindicação, lhes é distante e, como tal, pode ser desprezado. Um utente que no Sec. XIX começara a criar a sua própria organização com uma autonomia que teve de ser destruída para que o serviço que lhe é prestado deixasse de ser seu e comunitário e para que acabasse, afinal, naquilo em que está a acabar: num grande negócio para poucos, num mau serviço para todos.