O último alentejo que eu lera fora o de Saramago. Esse alentejo das lutas de um povo, narradas ora com rudeza realista, ora com traços mitológicos, em “Levantado do Chão”.
Saramago, falava-nos do Alentejo que nos legou a ditadura. Terra de tragédias mil e fomes tantas. Mas também terra de ideais grandes, de feitos, de heróica resistência.
E de repente, Fernando Évora pôs-me à frente um outro Alentejo. Este nosso, o de agora e que é o legado, já não da ditadura, mas de quase 40 anos duma democracia que, porque centrípeta, é talvez apenas uma aparente democracia, disfarce de oligarcas.
Um Alentejo onde o desespero deu e dá lugar à fuga, onde a luta foi substituída pela anestesia social e o sublime da ideia, pela concorrência entre rimadoras para mais aparecerem num qualquer despertino ou vespertino programa da TV ou da Rádio.
É este Alentejo aparentemente domesticado pelos donos do poder político-económico que Fernando Évora despe, numa linguagem sabiamente popular, sabiamente simples; um estilo regional, aqui e ali a lembrar esse escritor maior da nossa língua que foi Guimarães Rosa, o mesmo que, curiosamente, também desponta em algumas passagens de “Levantado do Chão”.
Mas, Fernando não nos lega apenas o desespero sem saída. A esperança ali está, bem à frente dos nossos olhos, incubando naquela menina que colecciona porcas saras. Essa menina que é uma promessa de despontares, de futuros ressurgimentos. Quiçá, um ressurgir que será ressurgir do próprio Portugal, ou não tenha sempre o Alentejo sido a ponte que Portugal estende a Portugal.
Se a importância duma obra também está no devir que nos apresenta, atrever-me-ia a dizer que ninguém deveria ler “Levantado do Chão”, sem partir em seguida para a terra onde vivem as personagens que Fernando Évora criou: “No País das Porcas Saras”.