Tão zangados andamos nos dias de hoje. Compreende-se: primeiro o sonho de uma grandeza; a de ontem. Depois o embate com uma pequenez; a de hoje. E assim destilamos tudo: destilamos em remorsos e destila cada português achando que é melhor do que Portugal.
Aquilo que nos deixam, em confronto com aquilo que nos sonhamos, enfim.
E o que nos deixam é que nos amarremos à fatalidade da Europa instituição, não da Europa espaço cultural, que dessa também somos, mas a esta centrípeta Europa dita União. Desta nunca fomos, desta sempre fugimos para que continuássemos a existir.
Estamos na Europa-instituição por fatais razões quantitativas. E estamos nessa Europa sem que essa Europa esteja em nós. Porque a Europa dita União foi criada para resolver problemas que nunca foram os nossos: problemas com raízes que são históricas, problemas com raízes que são geográficas. Problemas que começam no século VI. Problemas que vão de Espanha à Hungria. Enfim: as questões históricas dos Impérios continentais e de seus eternos confrontos. Problemas dessa mesma Europa que tão metaforizada está na opção napoleónica: vender a Louisiana para combater no continente. Desistir do além para fincar pé no aquém.
Foi para resolver as questões desta Europa continental que a Europa-União surgiu.
Acontece, porém, que Portugal sempre fugiu a ser ator desse palco. É certo que momentos houve em que nos forçaram a participar da tragédia. Mas sempre que tal nos aconteceu: afundamo-nos em armadas que se diziam invencíveis.
Se continentais fôssemos, já portugueses não seriamos. Se continentais fôssemos: de nós só reminiscência restaria, tal qual um desses reinos que hoje mais não são do que heráldica no escudo Bourbon.
Talvez seja essa a razão do nosso desconforto. Estamos desconfortáveis porque intuímos esta desadequação. Para um lado: aquilo que sentimos que somos. Para o outro lado: aquilo para onde nos obrigam a caminhar. E obrigam-nos sem que aqueles que nos obrigam se emocionem com a causa: “tem de ser”, dizem-nos, “tem de ser porque não temos dimensão”, “tem de ser porque a economia é global”, “tem de ser porque não temos viabilidade”, “tem de ser por causa da dívida que está em euros”, “tem de ser para que não nos fustiguem os mercados”… Não há quem aguente tanto “ter de ser”!
Esforçamo-nos para tentar vestir esta pele que nos espartilha. E assim espartilhados: ficamos entre a impossível dimensão dum passado que foi nosso e a realidade duma Europa criada para resolver problemas dum passado que foi o de outros.
E espartilhados que estamos: o discurso fica desolador. Perdemos toda a nossa energia a tentar dimensão épica no comezinho: mais um ponto ou menos um ponto num deficit e Aquiles matou Heitor. Sim ou não a um comboio e Ulisses fugiu à terrível Calipso. Uma tranche conseguida à Troika e o herói chegou a Ítaca. “Não somos a Grécia” e o cavalo entrou em Tróia… E enfim: quando ficamos com uma terrível sensação de vazio: temos os recorrentes debates: tão estéreis quanto serôdios: a bendita regionalização e outros que tais. Acrescente-se uma mão cheia de estrangeirados de pendor anglo-saxónico. São estrangeirados como convém aos estrangeirados : uma minoria: uma elite que adora a sua pequena expressão quantitativa compensada pela desproporcionada vénia institucional. Dizem benchmark em vez de exemplo e dizem goals em vez de objetivos.
Eu tenho uma razão para não me apegar a estrangeirados. Num país em crise é muito fácil sair e depois chegar debitando receitas. Claro que o problema é sempre o mesmo: não funcionam, as receitas dum doente aplicadas a outro. O pombalismo terminou na viradeira e a viradeira terminou em guerra civil. Valesse-nos o que não deixamos que nos tivesse valido: D João VI e o seu sonho de um reino Atlântico; sonho tão ingloriamente destruído por esses “iluminados” de 1820 que queriam fazer de Portugal uma nova França.
E no entanto, há caminhos para trilhar, novas velas a desfraldar. Façam-se duas viagens. A primeira que comece em Madrid e acabe na mais recôndita vila da Europa central. Feita esta, parta-se para Cabo Verde, passe-se por Luanda e termine-se no mais recôndito lugarejo de Mato Grosso ou da Rondónia.
Imaginemo-nos de regresso. Reflicta-se. Onde nos sentimos em casa? Onde deveríamos estar? Qual a União por que deveríamos estar a trabalhar? Qual a que faz mais sentido? E o que faz sentido em Lisboa não fará também sentido em Luanda e em Brasília? Na Praia e em Bissau?
E não é uma questão de não gostar dos outros: dos europeus. Claro que sim. Há muito, há imenso, de Europa em todos nós. É tão só uma questão de nos descobrirmos, de sermos por nós, de deixarmos de ter os olhos num chão chamado deficit para os colocarmos num horizonte chamado “cumprirmo-nos”. Cumprirmo-nos num espaço onde estamos com naturalidade, um espaço a que por sonho chamo Atlântida, que talvez a Atlântida mais não tenha sido do que um sonho. E a mim agrada-me: dar o nome dum sonho a um sonho. Mas isto sou eu que sou diletante. Que não consigo viver sem a minha utopia.
Aquilo que nos deixam, em confronto com aquilo que nos sonhamos, enfim.
E o que nos deixam é que nos amarremos à fatalidade da Europa instituição, não da Europa espaço cultural, que dessa também somos, mas a esta centrípeta Europa dita União. Desta nunca fomos, desta sempre fugimos para que continuássemos a existir.
Estamos na Europa-instituição por fatais razões quantitativas. E estamos nessa Europa sem que essa Europa esteja em nós. Porque a Europa dita União foi criada para resolver problemas que nunca foram os nossos: problemas com raízes que são históricas, problemas com raízes que são geográficas. Problemas que começam no século VI. Problemas que vão de Espanha à Hungria. Enfim: as questões históricas dos Impérios continentais e de seus eternos confrontos. Problemas dessa mesma Europa que tão metaforizada está na opção napoleónica: vender a Louisiana para combater no continente. Desistir do além para fincar pé no aquém.
Foi para resolver as questões desta Europa continental que a Europa-União surgiu.
Acontece, porém, que Portugal sempre fugiu a ser ator desse palco. É certo que momentos houve em que nos forçaram a participar da tragédia. Mas sempre que tal nos aconteceu: afundamo-nos em armadas que se diziam invencíveis.
Se continentais fôssemos, já portugueses não seriamos. Se continentais fôssemos: de nós só reminiscência restaria, tal qual um desses reinos que hoje mais não são do que heráldica no escudo Bourbon.
Talvez seja essa a razão do nosso desconforto. Estamos desconfortáveis porque intuímos esta desadequação. Para um lado: aquilo que sentimos que somos. Para o outro lado: aquilo para onde nos obrigam a caminhar. E obrigam-nos sem que aqueles que nos obrigam se emocionem com a causa: “tem de ser”, dizem-nos, “tem de ser porque não temos dimensão”, “tem de ser porque a economia é global”, “tem de ser porque não temos viabilidade”, “tem de ser por causa da dívida que está em euros”, “tem de ser para que não nos fustiguem os mercados”… Não há quem aguente tanto “ter de ser”!
Esforçamo-nos para tentar vestir esta pele que nos espartilha. E assim espartilhados: ficamos entre a impossível dimensão dum passado que foi nosso e a realidade duma Europa criada para resolver problemas dum passado que foi o de outros.
E espartilhados que estamos: o discurso fica desolador. Perdemos toda a nossa energia a tentar dimensão épica no comezinho: mais um ponto ou menos um ponto num deficit e Aquiles matou Heitor. Sim ou não a um comboio e Ulisses fugiu à terrível Calipso. Uma tranche conseguida à Troika e o herói chegou a Ítaca. “Não somos a Grécia” e o cavalo entrou em Tróia… E enfim: quando ficamos com uma terrível sensação de vazio: temos os recorrentes debates: tão estéreis quanto serôdios: a bendita regionalização e outros que tais. Acrescente-se uma mão cheia de estrangeirados de pendor anglo-saxónico. São estrangeirados como convém aos estrangeirados : uma minoria: uma elite que adora a sua pequena expressão quantitativa compensada pela desproporcionada vénia institucional. Dizem benchmark em vez de exemplo e dizem goals em vez de objetivos.
Eu tenho uma razão para não me apegar a estrangeirados. Num país em crise é muito fácil sair e depois chegar debitando receitas. Claro que o problema é sempre o mesmo: não funcionam, as receitas dum doente aplicadas a outro. O pombalismo terminou na viradeira e a viradeira terminou em guerra civil. Valesse-nos o que não deixamos que nos tivesse valido: D João VI e o seu sonho de um reino Atlântico; sonho tão ingloriamente destruído por esses “iluminados” de 1820 que queriam fazer de Portugal uma nova França.
E no entanto, há caminhos para trilhar, novas velas a desfraldar. Façam-se duas viagens. A primeira que comece em Madrid e acabe na mais recôndita vila da Europa central. Feita esta, parta-se para Cabo Verde, passe-se por Luanda e termine-se no mais recôndito lugarejo de Mato Grosso ou da Rondónia.
Imaginemo-nos de regresso. Reflicta-se. Onde nos sentimos em casa? Onde deveríamos estar? Qual a União por que deveríamos estar a trabalhar? Qual a que faz mais sentido? E o que faz sentido em Lisboa não fará também sentido em Luanda e em Brasília? Na Praia e em Bissau?
E não é uma questão de não gostar dos outros: dos europeus. Claro que sim. Há muito, há imenso, de Europa em todos nós. É tão só uma questão de nos descobrirmos, de sermos por nós, de deixarmos de ter os olhos num chão chamado deficit para os colocarmos num horizonte chamado “cumprirmo-nos”. Cumprirmo-nos num espaço onde estamos com naturalidade, um espaço a que por sonho chamo Atlântida, que talvez a Atlântida mais não tenha sido do que um sonho. E a mim agrada-me: dar o nome dum sonho a um sonho. Mas isto sou eu que sou diletante. Que não consigo viver sem a minha utopia.