Quem tem idade e memória lembra-se de sucessivas vitórias olímpicas obtidas pelas equipas femininas da ex-Alemanha de leste. Todas as atletas se caracterizavam por um
porte físico imponente e, as poucas vezes que falavam, saia-lhes uma entoação denunciadora
do cocktail hormonal com que se transformavam em máquinas de competir. Em
boa verdade, eram quase homens a concorrer com mulheres. “Não viemos aqui para
cantar”, terá respondido em Montreal uma treinadora, quando um jornalista mais
atrevido lhe perguntou por que tinham a voz tão grossa.
Habituados que já estamos a viver com uma Alemanha unificada, esquecemo-nos
que houve uma geração educada nesta metáfora: o sublime sacrifício
individual, a suprema disciplina, a tenacidade de quem tem de alcançar uma meta
custe o que custar.
Acresce que esses mesmos alemães não desenvolveram a tolerância e o
respeito pelo outro que são exigidos pela convivência democrática.
Simplesmente, não conheceram a Democracia.
Se a tudo isto juntarmos que não receberam do conquistador soviético a
mesma complacência e flexibilidade que tiveram os de ocidente, temos o
ingrediente que faltava para entendermos o que de outra forma seria difícil: a criação dum sentimento de ajuste de contas com a História. Alguns terão mesmo desenvolvido um novo síndrome de Versalhes.
É fruto da tenacidade com que os criaram, que alguns de entre eles estão a chegar
democraticamente a um modelo de poder que não conseguem entender.
Disciplina, falta de formação democrática, supremo sacrifício, tenacidade e
ajuste de contas. Talvez isto nos ajude a explicar o momento atual, transfigurado
em Angela Merkel.
Nem tudo está perdido. Aparentemente, continua a ser o mesmo país que
ofereceu à Europa e ao mundo a bonomia do saudoso Khol.
Luís Novais