Um artigo escrito na antiga ortografia, que o cidadão Marcelo publicou recentemente no Expresso, veio reavivar a polémica entre acordistas e não-acordistas. Pouco depois, o Presidente Marcelo viria a fazer o mesmo no web site da Presidência, mas aí apressou-se a corrigir os erros.
Tenho o hábito de ler os nossos clássicos tal qual escreveram. É uma mania
que os livros eletrónicos vieram facilitar, já que a maioria das edições
gratuitas disponíveis na Amazon são do século XIX ou inícios do XX.
Estranho a forma como escreveram e encaro este interesse como uma espécie
de arqueologia. Muitas vezes imagino o que pensariam Herculano, Camilo, Eça ou
Antero, se se lessem na forma como os escrevemos. Talvez não sentissem
diferença entre o pré e o pós-acordo ortográfico, mas certamente que estranhariam
qualquer comparação, seja com a ortografia anterior, seja com a atual.
Não posso imaginar o que diriam, mas, por muito que pudesse custar a Eça, a
língua é um ser vivo em constante mutação, com novos vocábulos, estrangeirismos,
calões, códigos e regras.
Um artigo escrito na antiga ortografia, publicado recentemente pelo cidadão Marcelo no Expresso, veio reavivar a polémica entre acordistas e não-acordistas. Pouco
depois, o Presidente Marcelo viria a fazer o mesmo no web site (e lá vai estrangeirismo) da
Presidência, mas aí apressou-se a corrigir os erros.
Já diversas vezes manifestei a minha opinião a favor da progressiva
sintonia entre as diferentes formas de escrever português. Defendo o aprofundamento da relação entre os países que falamos a mesma língua, mormente na bacia
atlântica. Acredito que é aqui e não na Europa que devemos criar um espaço de cultura
e de liberdade de circulação. A ortografia comum é
um passo nesse sentido, que pode facilitar o aparecimento de veículos difusores,
como seria uma televisão em língua portuguesa ao estilo CNN ou Al-jazeera.
Defendo o que acabo de dizer, ainda que não seja nisto mas nas novas
gerações que penso, quando oiço discussões serôdias e saudosistas da ortografia
perdida.
O novo Acordo Ortográfico começou a ser usado de forma gradual a partir de
2008, até que em 2011 se aplicou oficialmente na totalidade do sistema educativo. Os que têm 11
anos aprenderam a escrever dentro desta regra e desconhecem qualquer outra. Foi
também assim que tiveram metade da escolaridade os que hoje se encontram às portas do ensino superior. Por último, todos os que terminaram recentemente as suas licenciaturas, fizeram-nas integralmente segundo a nova ortografia.
Isto significa que a população estudantil já entranhou o Acordo Ortográfico.
De entre estes, os frequentadores do segundo ciclo do ensino básico, nem
entendem que há uma ortografia antiga e outra nova. Preocupam-me
muito mais, do que grisalhas vontades de regresso ao passado, por muito
que o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa goste de passear pelo jardim das Pandoras.
Luís Novais