No que me toca, como português que
sou, espero que o meu país encontre o seu rumo e o seu espaço. Longe das
imposições, longe dos medos, longe daqueles que querem que tudo se mantenha
porque estão no grupo dos que ganham com isso.
O resultado do referendo no reino Unido criou uma onda de choque e pavor
que é natural. Somos humanos, temos medo do desconhecido e, segundo algumas
correntes da psicanálise que subscrevo filosoficamente, temos até medo da
responsabilidade inerente à liberdade. Por muito que critiquemos a imposição,
no momento crucial em que nos poderíamos libertar, convertemo-nos em defensores
da imposição, por medo da necessidade de optar, por horror à alternativa de
diluvianos vazios que nos são transmitidos por campanhas de comunicação bem
orquestradas.
Desde há anos que tenho uma posição crítica da União Europeia e da nossa
permanência, o primeiro artigo que sobre isso escrevi data de 2009. Não vai ser
agora, que os pilares foram abalados, que vou mudar uma posição que é
filosófica, antropológica e económica.
Aqueles que se horrorizaram com o Brexit usam vários argumentos, que tenho
procurado elencar. Este texto é o meu contributo para sossegar os mais agitados
e para responder a esses considerandos. Faço-o abordando oito mitos: três sobre
a situação do Reino Unido, quatro sobre Portugal e um sobre a
institucionalidade da UE
Primeiro mito: “Foram extremistas de
ultradireita que votaram pela saída”
Este argumento é bem típico da postura sobranceira que as cabeças da UE têm
adotado. Equivale àqueles fantasmas de que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço,
ou que os apoiantes dos partidos da direita democrática são um bando de fascistas. Trata-se de rótulos fáceis de propagar, mas que não resistem a uma análise minimamente
séria.
Foram 52% os britânicos que decidiram que é melhor estarem fora da UE. Pode
ter havido uma convergência com bolsas de radicalismo, mas não posso aceitar
que um número tão elevado da população britânica seja radical de ultra-direita.
Ainda assim, mesmo que fosse, paciência, é a Democracia.
Segundo mito: Os ingleses estão
convencidos de que ainda são um império
É curioso que os mesmos que tal afirmam, acham que o povo não tem o direito
de decidir e pretenderiam, talvez, impor-lhe uma permanência que ele mesmo não
quer. Atitude mais imperialista e colonial não poderia haver.
Terceiro mito: O Reino Unido vai
desintegrar-se
Para começar, tenho dúvidas de que isso suceda. Quando passe a paixão
inicial, escoceses e irlandeses irão pensar duas vezes antes de se meterem numa
União que é cada vez mais frágil. De qualquer forma, se assim decidirem, será a
decisão soberana dum povo. Mais uma vez, é a Democracia. Não percebo por que
motivo há em Portugal tanta gente preocupada com a coesão do reino de
Sua Majestade. Não há que sofrer dores de parto alheias, para dores bastam as
nossas.
Entrando agora nos mitos que se referem a Portugal, também há várias posições,
que tenho vindo a colecionar e que em seguida tratarei de comentar.
Quarto mito: Se não estivéssemos na UE seriamos
um país atrasado.
Este argumento é um valor quase seguro para quem o apresenta: como essa foi
a via, não podemos comparar com o contrário. De qualquer forma não acredito que
assim seja. Primeiro porque estamos na UE e longe de ser um país sustentável. O
mundo está cheio de exemplos de pequenas nações, sem recursos naturais e que
são casos de sucesso económico. Para não falar do estafado exemplo da Suiça,
temos a Islândia, a Suécia, a Dinamarca, Áustria, Mónaco, Finlandia, Nova Zelândia, Irlanda…
Portugal é um país com potencialidades culturais, económicas e geográficas
que estão por explorar. Fizemo-nos atlânticos e das três vezes que a nossa
soberania esteve em causa, foi porque nos voltamos para o continente e não para
o mar. Teremos que esquecer a muleta europeia, que tem um custo elevadíssimo, e
avançar num caminho, que pode ser duro, mas é nosso.
Quinto mito: É graças à Europa que
temos infraestruturas.
Este argumento tem a mesma falácia do anterior: é difícil comparar uma via
que se seguiu, com outra que é hipotética. Primeiro, as infraestruturas são
resultado do desenvolvimento económico, e isso conduz-nos ao ponto anterior.
Segundo, estamos hoje muito infraestruturados, eu diria que excessivamente
infraestruturados, e para quê? O excesso de recursos é inimigo da sua boa
aplicação e isso foi o que nos aconteceu. E é bom lembrar que grande parte da
excessiva dívida pública se deve à necessidade de colocar uma contrapartida
nacional em todos os projetos financiados. Sabemos bem quem se beneficiou
realmente com isso.
Sabemos também da corrupção que andou em torno de todo este dinheiro. Sabemos
casos de empresas que receberam apoios que foram aparentemente para um fim, mas
que na realidade foram parar a outros bolsos. Sabemos de equipamentos que, da
indústria à agricultura, foram adquiridos sem que fossem realmente necessário.
Quem anda pelos campos, conhece dezenas de histórias de tratores comprados com
projetos feitos pelos próprios vendedores e que nunca tiveram sequer 10% de
utilização.
E toda esta parafernália de máquinas foi comprado onde? Elace… procure-se o
rastro ao dinheiro e descobre-se facilmente que ele é como o bom filho: à casa
retornou.
Sexto mito: Graças à Europa temos o
euro e uma economia desenvolvida
Esta é outra mentira, primeiro porque a nossa economia não está
desenvolvida, segundo porque aquilo que conseguimos avançar não foi graças à
Europa, mas apesar da Europa. A Europa antes tratou de destruir o nosso setor
produtivo para vender tecnologia à China.
O acesso ao mercado Europeu estaria garantido de qualquer forma e sem as
consequências nefastas das imposições feitas sobre uma economia que não estava
preparada para um embate tão brusco. Hoje em dia qualquer país em vias de
desenvolvimento tem um tratado comercial com a União Europeia que lhe garante
um acesso praticamente livre a este mercado. Por maioria de razão, há muito
tempo que nós estaríamos nesta situação, com a vantagem de que poderíamos ter
uma evolução gradual, em vez da terapia de choque que destruiu empresas, criou
desemprego e obrigou a um endividamento tão grande que se tornou insustentável.
No setor privado, a necessidade de competir subitamente num mercado que
estava mais adiantado, implicou um esforço de endividamento brutal num setor
empresarial que tinha pouca capitalização. Numa edição de 2014 The Economist denunciou isto mesmo: “Em Portugal um quatro das empresas cotadas tem dívidas superiores
a cinco vezes os seus resultados antes de juros, impostos, amortizações e
depreciações (EBITDA)” (
ver
artigo). Esta situação está bem documentada nos dados referentes a Abril
recentemente divulgados pelo Banco de Portugal: O endividamento do setor não
financeiro (Estado, famílias e empresas não financeiras) é de 709 mil milhões de
euros, ou seja, quase quatro vezes o PIB. Se calcularmos uma taxa de juro média
de 5%, isso significa que a nossa economia tem de pagar por este financiamento
35.5 mil milhões de euros, ou seja, 20% do PIB só para juros! Há economia capaz
de acrescentar esse valor? A nossa de certeza que não.
Quem beneficiou com tudo isto? Vale a pena ler um artigo de Pedro Tadeus no
Diário de Notícias de 14 de Junho: Entre 2008 e 2010 a banca nacional acumulava
imparidades de 30 a 40 mil milhões de euros, ao mesmo tempo que distribuiu 2 mi
milhões de dividendos aos acionistas… e assim se encontra o rasto aos 70.000
milhões que saíram do país diretamente para paraísos fiscais (
ver
artigo).
Foi a este endividamento que a terapia de choque da União Europeia,
primeiro, e o euro, depois, nos conduziram: fomos obrigados a competir mais e
mais rapidamente do que a nossa capacidade.
Se hoje estamos nesta situação, à União Europeia o devemos. Euro, tu és euro e sobre ti destruiremos a
tua economia, mais bem deveria ter dito António Guterres naquele Conselho
da Europa de 1995.
Sétimo mito: Não poderemos emigrar
Mais do que podemos, a situação a que nos trouxeram obrigou-nos. É
absolutamente falso que, estando fora da União Europeia, os portugueses fossem impedidos
de emigrar para países comunitários. Primeiro porque sempre o fizeram, mesmo
quando o Estado português combatia esse fenómeno com todos os aparelhos
repressivos que possuía. Depois, porque a emigração não é uma dádiva mas uma
necessidade de quem recebe. Seja pela via política, seja pela incapacidade do
mercado de trabalho, nenhum país aceita emigrantes se não lhe fazem falta,.
Por último, há argumentos que tratam de defender a própria União Europeia,
respondendo às críticas que são feitas ao modelo institucional europeu. Isso
leva-no ao último mito.
Oitavo mito: A União Europeia é
democrática
Os que assim o dizem, refugiam-se no argumento da democracia indireta: nós
elegemos parlamentos, que elegem governos, que elegem ou constituem os órgãos comunitários.
No meio disto tudo, temos um Parlamento Europeu, esse sim diretamente eleito e com
legitimidade democrática, mas que pouco mais é do que uma figura de retórica
sem poder real.
Pelo caminho estes órgãos, distantes do soberano, definem diretivas que têm
mais força do que as leis nacionais. Ou seja: o menos (ou nada) democrático obriga ao mais democrático.
Para cúmulo, as verdadeiras decisões não são tomadas nos órgãos institucionais,
mas em organizações informais que não têm cabimento nos tratados. Todos estamos
lembrados das recentes declarações de Junkers, que afirmou ser o Eurogrupo um órgão
informal e que pode incluir e excluir quem entenda. Apenas para dar um exemplo,
este é o mesmo Junkers que em Setembro de 2012 afirmava que “O Eurogrupo imporá
exigências realmente duras a Espanha em matéria de ajustes orçamentais e
reformas” (
ver
aqui). Conclusão: É num organismo que nem existe que se tomam decisões de
primeira importância e se pretende impor medidas aos povos da Europa.
E temos, assim, oito mitos com que nos pretendem convencer a aceitar o
status quo burocratico-europeu. São argumentos frágeis e nada honestos. No que me
toca, como português que sou, espero que o meu país encontre o seu rumo e o seu
espaço. Longe das imposições, longe dos medos, longe daqueles que querem que
tudo se mantenha porque estão no grupo dos que ganham com isso. Portugal tem
quase 900 anos de história e esse é o nosso principal ativo. Há anos que
defendo um país Atlântico, integrado num espaço linguístico, que possa ser
ponte entre essa zona e a Europa continental. Nada me move contra uma União
Europeia que seja democrática e que respeite os povos. O que não posso aceitar é um modelo imposto e que tem uma agenda ultra-liberal que não é
sufragada e que se rege por interesses nacionais distintos dos nossos. Uma
União Europeia livre até nos convém e é um fator de estabilização da
câmara de horrores que foi a história da Europa central. Defendo que Portugal
deveria estar fora dela, mas com ela estabelecendo pontes.
Luís Novais