O cerne da questão não está em tributar os robots, mas em deixar de taxar o trabalho, incidindo a contribuição no produto final, para o qual contribuíram todos os fatores de produção, incluindo trabalhadores, máquinas, fornecedores, capital e envolvente.
Há dias, João Gabriel Silva, reitor da Universidade de
Coimbra, surpreendeu com a proposta de que as máquinas deveriam pagar segurança
social. Segundo ele, a automação está a eliminar postos de trabalho a um ritmo
superior aos que cria e o facto de não pagar contribuição social cria um
incentivo à destruição do emprego (ver
aqui).
Trata-se duma daquelas ideias que primeiro se estranham e
depois se entranham. Obviamente que cobrar uma taxa social única por cada
máquina não é viável. Qual seria o conceito de máquina? Quantos trabalhadores
dispensou o multibanco? São definições e contas tão difíceis de consensualizar que
abririam porta a uma discussão que os inimigos do conceito aproveitariam para
tornar interminável. Não me parece que o contributo do reitor de Coimbra
esteja na forma como concretiza a ideia, mas na ideia em si mesma.
O cerne da questão não está em taxar os robots, mas em
deixar de tributar socialmente o trabalho, incidindo a contribuição no produto final, para o
qual contribuíram todos os fatores de produção, incluindo trabalhadores,
máquinas, fornecedores, capital e envolvente. Enquanto empregador, o próprio
Estado contribuiria para o sistema de acordo à média do setor privado.
A Segurança Social arrecada hoje 33% do preço do
trabalho, dando em troca uma proteção, que inclui subsídio de desemprego e
reforma a partir dos 66 anos. Uma como o outro refletem a desigualdade da
contribuição: Até um determinado limite, os que descontaram mais recebem mais.
Evitar este custo é um dos principais incentivos que as
empresas têm para substituir os trabalhadores humanos por robots e deslocar a
produção para países de baixo encargo social. Este mesmo incentivo reflete-se
no consumidor, que tem tendência a comprar produtos mais baratos provenientes
de mercados onde os trabalhadores são socialmente desprotegidos, as condições de trabalho deficientes e, até, onde se pratica o trabalho infantil.
Pelo meio, gera-se um mega negócio tecnológico que, em
vez de produzir equipamentos para o bem-estar humano, os produz para a
substituição do homem pela máquina, o que não é liminarmente indesejável, mas a um
ritmo que sejamos capazes de absorver.
Está certo que é o mercado e nem sequer quero entrar
nessa discussão, que nos levaria a uma interminável viagem por outras águas.
Mas não é só o mercado, é também o incentivo que o Estado dá quando taxa
socialmente o trabalho e não o produto final.
É por isso que um imposto social sobre a produção,
nacional ou importada, seria muito mais equilibrado do que a taxa social sobre
o trabalho que agora é cobrada, além de que seria nivelador e solidário: a
partir do momento em que deixa de cobrar por cada um, o Estado pode considerar
um benefício plano, dividindo de forma igual e entre todos o monto destinado às
pensões. A isto poderia acrescentar-se um aumento salarial generalizado de
5% (compensado pelo desaparecimento da taxa social), cativos em títulos de
dívida pública que, integral ou parcialmente, seriam entregues a cada aforrador
quando se aposentasse, não abolindo assim e de todo uma diferenciação social, mas
com equilíbrio.
Vivemos novos tempos que exigem novas respostas e um
modelo que serviu no passado pode, não só deixar de funcionar, como ter até um
efeito contrário. Numa economia tão desregulada como aquela em que vivemos, a fiscalidade
é um dos últimos redutos que o Estado tem para fazer política, e este é um
domínio onde a política precisa urgentemente de entrar em cena.
Luís Novais
Foto:Tubarelli