quarta-feira, 25 de julho de 2012

EXISTÊNCIAL CABIDE

Eu queria um cabide
onde pendurar-me.
E quando pendurado
perder pensamento,
perder memória.

Um cabide
onde esquecer
o tempo mim,
esse que não sou.
Todo tempo todo,
existência perder.
Não ser sendo,
em sossegado instante.
Coragem me desse
tal pausa de mim.
Força para ser
o que não sou.
Coragem para seguir
sendo e não ser

domingo, 22 de julho de 2012

Confesso: no que diz respeito à escola sou economicista.


José Manuel Fernandes acaba de colocar uma nota no seu Facebook, onde interroga por que razão todos apontam e contestam a diminuição do número de professores prevista para o próximo ano letivo e ninguém se lembra de que tudo se deve à diminuição dos nacimentos, com o consequente impacto na quantidade de estudantes. A culpa será, portanto, dos portugueses que não fazem filhos e não do Governo, muito menos de Nuno Crato.

No que diz respeito à educação, tenho de confessar que professo uma doutrina politicamente incorreta: sou um empedernido economicista.

Ressalvo que o conceito pode ter vários ângulos. Um desses ângulos é o que tinha aquele espanhol em relação a seu asno; quando o animal já estava quase habituado a não comer, azar: morreu. Gostava de cortar nos custos, este compatriota e antecessor de Rajoy, o Mariano.

Na visão dos economicistas desta tendência, um dia a educação será possível a custo zero… assim não lhe aconteça o azar da castelhana cavalgadura.

Depois, temos os economicistas como eu: os que veem a coisa pelo prisma da relação custo-benefício. Esses olham para a diminuição demográfica como uma oportunidade para que a escola faça muito mais e, eis a boa notícia, pelo mesmo custo. Turmas mais pequenas e portanto melhor acompanhadas, apoio personalizado, reforço aos estudantes com mais dificuldades de aprendizagem, melhor integração da relação entre a escola e as famílias, entre a escola e o meio… tudo pelo mesmo preço!

Quando os países diminuem demograficamente só têm uma hipótese: aumentar a produtividade dos seus cidadãos, conseguir que menos sejam capazes de produzir mais valor. E isso só se faz de uma forma: com investimento na educação.

A redução do número de estudantes não é, assim, um motivo válido para que o Estado invista menos, mas antes para que invista mais. A boa notícia é que, havendo menos alunos, se pode fazer isso pelo mesmo custo..

Mas isto, é claro, é o pensamento dum economicista. Peço perdão.

Luís Novais

Palavras chave: horários zero, turmas de 30 alunos, ano letivo

domingo, 15 de julho de 2012

Resistir é Legítimo

Para salvar uma determinada visão de um determinado modelo económico, matou-se o Estado de Direito Democrático e, por muito que procure outras definições, só encontro uma expressão para o que se passou: Golpe de Estado, os três poderes juntaram-se para dar um Golpe de Estado, acabando com a emanação popular do poder.

Quando os primeiros iluministas começaram a desenvolver a teoria de Contrato Social, ainda que sem contestar o poder do monarca, abriram as portas à ideia de que a fonte da soberania não era divina e intermediada pelo rei, mas popular e, na interpretação mais corrente, intermediada pelos representantes do povo. Numa palavra, prepararam a vinda da Democracia Representativa, dando origem ao Estado de Direito Democrático que aparentemente é o modelo que nos rege.

Na tese do Contrato Social, tal como o definiram Hobbes e Rousseau, aceitamos abdicar de parte do nosso poder individual em troca dum controle do poder individual dos outros. O que se corta a cada um é assumido pelo Estado e as garantias de equilíbrio são-nos dadas pela lei.

Proclamando a base da pirâmide como fonte do poder legítimo, não admira que o pensamento destes “iluministas” desembocasse na Democracia e que, perante a possibilidade de, mesmo em democracia, poder surgir a autocracia, se respondesse com diversos contrapesos institucionais, o mais elementar dos quais é o da separação de poderes. Foi por esta ideia de soberania social que se lutou no século XVIII, foi isto que se foi consolidando no XIX e foi isto que resultou aparentemente consolidado no século XX.

É nesse regime que nos dizem que estamos a viver.

Vem esta contextualização a propósito de que li as recentes declarações do Presidente do Tribunal Constitucional e não pude acreditar no que estava a ver. Rui Moura Ramos falava ao “Público” sobre a declaração de inconstitucionalidade do corte de subsídios aos funcionários públicos: "No entanto, e atendendo a que a execução orçamental de 2012 já se encontra em curso avançado, o Tribunal reconhece que as consequências desta declaração de inconstitucionalidade poderiam colocar em risco o cumprimento da meta do défice público. Por essa razão, o TC restringiu os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não os aplicando à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012”.

Ou seja, um objetivo discutível e meramente conjuntural sobrepôs-se à constituição, sobrepôs-se ao instrumento base da soberania nacional, à materialização do nosso “Contrato Social”. E quem assim decide são precisamente os guardiões máximos do templo.

Que consequências podemos extrair? Que para salvar uma determinada visão de um determinado modelo económico, se matou o Estado de Direito Democrático e, por muito que procure outras definições, só encontro uma expressão para o que se passou: Golpe de Estado, os três poderes juntaram-se para dar um Golpe de Estado, acabando com a emanação popular do poder.

Já não é o regime que se procura salvar mas os seus titulares, nem que para isso tenham de acabar com o próprio titulado. Chegamos a um ponto em que a farsa é assumida e, perante isto, só há uma conclusão para os que continuam a acreditar na Democracia: Resistir é legítimo.

Luís Novais

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