Para salvar uma determinada visão de um determinado modelo económico, matou-se o Estado de Direito Democrático e, por muito que procure outras definições, só encontro uma expressão para o que se passou: Golpe de Estado, os três poderes juntaram-se para dar um Golpe de Estado, acabando com a emanação popular do poder.
Quando os primeiros iluministas começaram a desenvolver a teoria de Contrato Social, ainda que sem contestar o poder do monarca, abriram as portas à ideia de que a fonte da soberania não era divina e intermediada pelo rei, mas popular e, na interpretação mais corrente, intermediada pelos representantes do povo. Numa palavra, prepararam a vinda da Democracia Representativa, dando origem ao Estado de Direito Democrático que aparentemente é o modelo que nos rege.
Na tese do Contrato Social, tal como o definiram Hobbes e Rousseau, aceitamos abdicar de parte do nosso poder individual em troca dum controle do poder individual dos outros. O que se corta a cada um é assumido pelo Estado e as garantias de equilíbrio são-nos dadas pela lei.
Proclamando a base da pirâmide como fonte do poder legítimo, não admira que o pensamento destes “iluministas” desembocasse na Democracia e que, perante a possibilidade de, mesmo em democracia, poder surgir a autocracia, se respondesse com diversos contrapesos institucionais, o mais elementar dos quais é o da separação de poderes. Foi por esta ideia de soberania social que se lutou no século XVIII, foi isto que se foi consolidando no XIX e foi isto que resultou aparentemente consolidado no século XX.
É nesse regime que nos dizem que estamos a viver.
Vem esta contextualização a propósito de que li as recentes declarações do Presidente do Tribunal Constitucional e não pude acreditar no que estava a ver. Rui Moura Ramos falava ao “Público” sobre a declaração de inconstitucionalidade do corte de subsídios aos funcionários públicos: "No entanto, e atendendo a que a execução orçamental de 2012 já se encontra em curso avançado, o Tribunal reconhece que as consequências desta declaração de inconstitucionalidade poderiam colocar em risco o cumprimento da meta do défice público. Por essa razão, o TC restringiu os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não os aplicando à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012”.
Ou seja, um objetivo discutível e meramente conjuntural sobrepôs-se à constituição, sobrepôs-se ao instrumento base da soberania nacional, à materialização do nosso “Contrato Social”. E quem assim decide são precisamente os guardiões máximos do templo.
Que consequências podemos extrair? Que para salvar uma determinada visão de um determinado modelo económico, se matou o Estado de Direito Democrático e, por muito que procure outras definições, só encontro uma expressão para o que se passou: Golpe de Estado, os três poderes juntaram-se para dar um Golpe de Estado, acabando com a emanação popular do poder.
Já não é o regime que se procura salvar mas os seus titulares, nem que para isso tenham de acabar com o próprio titulado. Chegamos a um ponto em que a farsa é assumida e, perante isto, só há uma conclusão para os que continuam a acreditar na Democracia: Resistir é legítimo.
Luís Novais
Ligações:
Mais do que resistir: recusar, lutar, sabotar. A democracia acaba e é substituída por uma ditadura mundial do capital (agora diz-se "mercados", é menos ofensivo, parece que é uma coisa do acaso, como as flutuações dos preços da tangerina e do carapau). E feito como se nada se passasse, com um controlo absoluto de tudo: meios de comunicação, políticos, tribunais. A tua recente abordagem do problema da Monsanto é um bom exemplo deste capitalismo que nos vai apertando o garganete.
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