domingo, 14 de outubro de 2012

Portugal entre o exemplo do tráfico e o apregoado mercado.

Que caminho se está a indicar a esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
 
Muito se tem falado de negócios e negociatas protegidos à sombra do Estado. Negócios que são feitos, não porque acrescentem valor ao país, mas simplesmente porque a disponibilidade orçamental existia ou foi criada numa qualquer alínea, quase secreta, transformada num segredo bem guardado e com um destino bem orientado.
 
Muito se tem falado também de entradas e saídas da política para as grandes empresas e das grandes empresas para a política, numa dança em que o decisor e contratador público de hoje é o contratado privado de amanhã.
Regra geral, abordam-se estas questões do ponto de vista da moralização, da justiça, do caso de polícia.
Completamente de acordo, mas faço um esforço para ser pragmático, para perceber os reais prejuízos que daqui advêm para o país.
Alguns, como Paulo Morais, conseguiram demonstrar que não teríamos a excessiva dívida pública, não fossem tais relações promíscuas entre os mundos da finança e da política.
Não tenho dúvidas de que assim seja.
Contudo, o impacto mais grave parece-me estar no exemplo. Não há jovem que hoje não seja bombardeado com conceitos e modelos de empreendedorismo. Na escola, na Universidade, em ações de formação: dizem-lhes que têm de ser empreendedores para terem sucesso, que têm de ser empreendedores para contribuírem para um país melhor, que têm de ser empreendedores para estarem ao nível dos melhores. “O empreendedor tem o futuro do seu lado”, garantem-lhes, para logo lhes dizerem que para isso têm de ser inovadores, têm de criar ideias, produtos, coisas que sejam necessários e que ninguém tenha imaginado… enfim, chega a ser quase uma lavagem ao cérebro.
E no entanto, neste sistema em que a medida do sucesso é a do ganho financeiro, que exemplo lhes dão os mais graúdos? Que não é importante serem inovadores, que não é importante pensarem nas reais necessidades do mercado. Que se foda o cliente, o importante é estar bem relacionado. Que se foda o produto, o importante é entrar num partido e trepar por aí acima. Viva a economia de tráfico que a de mercado é para os tolos!
Os jovens de hoje olham para um lado e para o outro. Dum lado, vêem muitos do que correram o risco empreendedor fecharem portas acossados por uma máquina fiscal que inverteu os mais elementares princípios do Estado de Direito, acossados pela concorrência desleal dos que, sendo protegidos pelo sistema, invertem as regras do jogo. Do outro lado, vêem os traficantes de influências prosperarem duma prosperidade cada vez mais imoral e descarada.
Que caminho se está a indicar a esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
Há exceções? Há. Hás bons casos de sucesso? Também. Mas uma economia, uma sociedade, não se fazem de exceções, fazem-se da média.
Este exemplo asqueroso é talvez a pior consequência que tudo isto terá no futuro de Portugal. Mostra-se o contrário daquilo que se ensina. Propaga-se um estilo de sucesso que foi o que nos arrastou para este precipício. Condena-se o país a prosseguir numa economia de circuito fechado que, ao invés de criar valor, o destrói.
Recentemente, estive numa prisão peruana a entrevistar jovens correios de droga portugueses. Um deles, falando-me dos guardas prisionais, dizia-me o seguinte: “os que dizem que vão fazer de nós bons cidadãos, são os que vemos serem mais corruptos”. Por fim desabafava: “é irónico mas é assim”.
Parece Portugal, “é irónico mas é assim”  
 
Luís Novais
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Jornalismo e Desmistificação


Vai um grande debate sobre a profissão do jornalista. Um pouco por todo o lado as edições em papel perdem leitores, as redações diminuem de tamanho e os despedimentos coletivos são uma constante, seja na Europa, seja nos Estados Unidos; seja no “El País”, seja no “Público” que duma assentada vai despedir 50 jornalistas.


Podemos analisar esta questão do ponto de vista da barbárie capitalista, que é um facto. Mas também do ponto de vista da análise das causas e da perspetivação das alternativas que se colocam.
A sociedade está hiper-informada. Quantos de nós não usamos o Facebook para sabermos pela nossa rede o que se está a passar? Quantos não vamos depois ao Google para aprofundarmos aquilo que nos interessa?
Nesta sociedade já não vale a pena pensar no jornal como meio de veicular a notícia em toda a sua etimologia. O jornalismo noticioso tenderá a perder cada vez mais público e, por via disso, estará cada vez mais entregue a jovens estagiários de custo reduzido e grande rotatividade.
Todavia, se a sociedade beneficia duma hiper-informação, padece também desse mesmo mal. O objeto da notícia aprendeu rápido e aproveitou os novos meios ao seu dispor para se transformar em criador e veículo da notícia. O atual Presidente da República justificou o investimento que fez no site da presidência com a necessidade de ultrapassar os critérios jornalísticos e comunicar diretamente com os portugueses. E quem esqueceu o recente episódio em que Miguel Relvas ameaçou uma jornalista de veicular uma determinada informação pessoal através da… internet?
Acontece que o objeto da notícia não é isento. Ou antes, aceitando que a isenção não existe, o objeto da notícia é parte da mesma, tem por isso um interesse muito diferentes do de informar. A sociedade hiper-informada em que vivemos estará mais ou menos consciente disso e a crença generalizada de que “já não sabemos em quem confiar” é uma hipertrofia da crise da pós-modernidade: a transformação da verdade helénica na mera palavra tantas vezes repetida quantas as necessárias para que o precedente se transmute em transcendente, o dito em verdade.
Esse papel de ir mais além da notícia transformada em verdade auto-construída, esse julgo ser o papel que hoje está reservado ao jornalista. É um caminho difícil: por segurança psicológica e preguiça mental, o ser humano tem a tendência de acreditar em mitos; gosta que lhos criem e a eles adere de forma irracional. Para mais, os mitos protegem-se mutuamente: o medo gerado pelo do anticristo serve para proteger o seu contrário. Não é tarefa fácil, a do destruidor de mitos, é ser uma espécie de anticristo, é certo. Mas é tarefa necessária e os vazios são espaços à espera de preenchimento.
 
Luís Novais


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Pourquoi ne mangent-ils pas de la brioche?"
Acabo de ler “Os Pobres”. Raul Brandão escreveu-o na ressaca da primeira bancarrota de Portugal, a de 1891. Arrepia a profundidade daquelas personagens que nos desfilam numa atualidade latente, o Gebo, o Gabiru, as prostitutas… até deprime, ler agora o que então se escreveu . Ver essa mesma passadeira negra que nos estendem...