O doutorado Paulo Pereira de Almeida acaba de escrever uma das suas colunas
no Diário de Notícias: “Criminosos que merecem morrer”, um título que é toda
uma declaração.
A sua opinião assenta em três linhas de força: há um lóbi de defensores dos
direitos de quem cometeu crimes, a justiça em Portugal funciona muito mal, há
pessoas que cometem crimes que as tornam merecedoras de morte.
Não se limitando a levantar problemas, o Almeida doutorado oferece
soluções: que se faça a famigerada base de dados de condenados por crimes de pedofilia,
que se introduza a pena de morte.
Tudo isto com uma investigação “científica” à mistura, como convém a douta personagem.
Para tal propósito, presenteia-nos com um “estudo incontroverso (sic) do professor de
Economia Nacu Mocan da Universidade do Colorado, Denver, Estados Unidos da
América”. Depois desta tão absolutamente rigorosa localização geográfica, deixa-nos
de cara à banda com a eficiência da pena capital: “por cada criminoso condenado
a uma pena de morte e executado resulta a prática de menos cinco homicídios”. O
realce vai para o facto de estas conclusões serem, no seu dizer, “irrefutáveis”.
Obviamente que este é um tema que vai muito além da simples aritmética de
salsicheiro, que parece ser a do notável articulista: quantos porcos mortos
vale uma centena de apetecíveis salsichas? É de vidas humanas e não porcinas
que falamos, e aí valores mais altos se alevantam, que a transformação da vida
numa aritmética da eficiência, já sabemos ao que nos levou nessa era que
aparentemente terminou em 1945, para já não referir exemplos mais recuados.
Queria, por isso, evitar pôr o assunto nesse mesmo nível, mais rasteiro que
rés-do-chão. Querer queria, mas não consigo, porque a desonestidade intelectual
é um manancial em si mesma. É que me chamou, e mesmo muito, a atenção, essa fantástica
alegoria de que, para conclusões destas, pudesse alguma vez haver incontroverso
estudo, como alegadamente seria o caso do mencionado pelo autor das linhas aqui
comentadas.
E é que se está mesmo a ver que não, e é que o Almeida doutor nem sequer a ignorância
pode dar em testemunho de indulgência, porque para quem quer que seja sofrível
leitor de inglês, como acredito que seja, salta controvérsia a olho desarmado
no mesmíssimo artigo do Washington Post que refere vagamente sem citar: "To explore the question, they
look at executions and homicides, by year and by state or county, trying
to tease out the impact of the death penalty on homicides by accounting for
other factors, such as unemployment data and per capita income, the
probabilities of arrest and conviction, and more".
Com tamanha arquitetura, não haveria algoritmo de cálculo que incontroverso
se aguentasse. E como não haveria, não há. E como, ao contrário de certos
articulistas que a referem, há imprensa séria que não bota bojarda sem seu
contraditório, é no mesmo Washington Post que se pode ler: "We
just don't have enough data to say anything," said Justin Wolfers, an
economist at the Wharton School of Business who last year co-authored a
sweeping critique of several studies, and said they were "flimsy" and
appeared in "second-tier journals".
Resta a base de dados, a tal que anunciaria urbi et orbis os condenados por pedofilia. Neste caso ficamos sem
saber de outros fundamentos, fora da tal retórica generalista e nada profunda,
de que há uns tipos excêntricos que se preocupam com os direitos humanos de
todos os seres humanos, tenham ou não cometido crimes. Compreende-se o pudor, depois
dos pés pelas mãos e das mãos pelos pés, que ainda há pouco meteu a ministra da
justiça, a propósito do mesmo tema, quando ela mesma foi citadora de estudos
alegadamente incontroversos que se revelariam, afinal, outras tantas deturpações.
Tudo isto seria apenas triste se, pelo tema, não fosse asqueroso.
Luis Novais
Para o douto artigo, clicar aqui
Para o artigo do Washington Post, clicar aqui
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