sábado, 18 de agosto de 2012

ENTRE O PESADELO EUROPEU E O SONHO ATLÂNTICO

Em entrevista ao Le Monde noticiada pelo PÚBLICO, Francisco José Viegas não fugiu ao tema europeu. Num acesso de coragem assumiu que o rei vai nu no que respeita à nossa presença na União Europeia. “Perdemos a nossa agricultura, a nossa pesca e a nossa indústria já pouco conta. Só nos resta a nossa cultura e o mar como oferta turística”, diz. É um governante quem o afirma, o que lhe poderá custar caro num Governo que se tem mostrado completamente submisso aos ditames de Berlim, mas os portugueses reconhecerão a coragem, assim não venham os habituais desmentidos e desdizeres.

Há muito que me interrogo sobre a nossa opção europeia, uma interrogação que era difícil no tempo em que ainda choviam os euros e o crédito fácil com que ajudamos a engordar o orçamento alemão. Portugal está no extremo do continente e deve a sua existência enquanto país e a sua construção enquanto nação, ao facto de ter teimado em não ser Europa. Ao contrário de Espanha, nunca tivemos ambições europeístas e, no único momento em que nos arrastaram para esse cenário, afundamo-nos em armadas que se diziam invencíveis e fomos atacados além-mar por essa mesma Europa, cuja História é uma câmara de horrores e de conflitualidade permanente.

O mar nos fez e o mar aí está como salvaguarda de muito mais do que praias e turismo. Para onde vão hoje os nossos quadros mais qualificados, se não para Angola e Brasil? Não há ilações a tirar desse movimento?
Subitamente, volta a fazer sentido esse velho sonho que teve D João VI: criar uma união ultramarina que se sobrepusesse ao modelo colonial. Portugal, Angola e Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé, têm hoje nas suas mãos a possibilidade de criar um dos fenómenos políticos do Sec. XXI: uma União Atlântica, a Atlântida.

O mundo mudou. O aparecimento de potências emergentes faz com que a questão do desenvolvimento já não se processe nessa relação entre um Norte rico e um Sul pobre. A ligação longitudinal entre o Atlântico e o Pacífico emerge, como o Brasil bem sabe, em razão do que está a aprofundar a sua integração rodoviária e portuária com o Peru. E lembro isto, ainda que para mim a questão não seja económica mas cultural, que eu sou daqueles que pensam que a economia deve ser submetida a outros valores.

O Portugal de 1820 não esteve à altura do que se estava a preparar e, com isso, os portugueses puseram-se a jeito para todas as humilhações que se seguiram, incluindo terem vivido em ditadura quase metade do século XX, incluindo a teimosia colonialista dessa mesma ditadura e incluindo a mão estendida à Europa com que temos vivido.

Em 1820 desperdiçamos a oportunidade de, em pé de igualdade com o Brasil, impedirmos um século XIX unipolar inglês. Em vez disso, preferimos voltar a impor uma economia colonialista a que, obviamente, a colónia não se submeteu.

Termino com palavras de Viegas na citada entrevista. “Acredito que a nossa relação com a Europa não é feliz porque uma parte essencial das nossas raízes continua em África e no Brasil... Com a crise, muitos regressaram para lá”. Touché.

 
Ligação: http://www.publico.pt/Cultura/francisco-jose-viegas-diz-que-os-portugueses-tem-medo-do-futuro-1559429#

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