Numa entrevista ao
Expresso desta semana, afirmou que o grande falhanço do país começa em não aceitarmos a iniciativa privada.
Concordo, mas ressalvando.
Portugal tem
muito setor privado, tem até de mais. O que nos falta é iniciativa privada e,
se nos falta, é precisamente porque quem está verdadeiramente dependente do
Estado é esse setor, que não consegue viver sem as as ligações priveligiadas
que mantém com a política.
Hoje, mais do que nunca,
sabemos da quantidade de contratos e negócios milionários feitos à sombra dessa
relação público-privado. Acredito que, sem ela, poucas das nossas grandes
empresas (estejam ou não fiscalmente sediadas no país) seriam capazes de ter uma
estratégia de sobreviência.
São contratos e negócios que estão
agora a ser pagos por todos os portugueses; os tais que, também segundo o Sr. Soares dos
Santos, têm aversão ao privado.
Nunca se fez tanta
propaganda aos jovens: que devem ser empreendedores, que devem competir, que
devem ter capacidade de risco. No entanto, a prática denuncia o discurso: quando se sabe de mais um negócio garantido pela relação entre uma empresa e um político, em que vão acreditar os candidatos a empreendedores? Que
o sucesso está no mérito empresarial, ou no tráfico de influências? No risco,
ou na relação obscura com o Estado?
Este não é um problema
apenas português, ainda que se sinta particularmente no nosso país. Todo o
capitalismo ocidental o vive: desde que a economia se financiarizou, o que
interessa já não é o que se produz, mas o que se especula. E a especulação, é
sabido, vive da corrupção e gera muitos ricos mas não gera riqueza. Antes pelo contrário, produz
bolhas que, quando rebentam, destroem valor e obrigam os inocentes a pagar
pelos culpados; precisamente aquilo a que hoje assistimos.
Pedem anunciações ao FMI
que mais não são do que verdades auto-proclamadas Querem destruir a escola
pública para a entregar ao setor privado. Querem destruir a saúde pública,
arrasar o Estado redistribuídor… Olhemos para os exemplos: por que razão não
têm os Estados Unidos uma saúde pública? Porque lá, como cá, há setor privado a
mais e este não permite um verdadeiro serviço nacional. Com que resultado? O
país que mais gasta per capita em saúde tem indicadores piores do que Portugal,
ou Cuba: mais mortalidade infantil, menos esperança média de vida… trata-se,
enfim, do país melhor e mais sofisticado a matar, mas dos piores a curar. É que, matar, curiosamente, continua a ser uma função do Estado.
Enfim, eu sou também um fervoroso
adepto da iniciativa privada. Precisamos de mais? Sim. É urgente que ela
vingue? Sim. Mas para isso precisamos de coragem para acabar com este "setor" privado,
temos de perceber que a diminuição do Estado não pode ser uma via para engordar
o setor à custa da iniciativa.
Luís Novais
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