terça-feira, 12 de novembro de 2013

Sombras

Numa borda da parede recolho fósforos. Estão gastos e carbonizados. Ficam feios, ali onde estão. Antigamente era assim: o fogão acendia-se a fósforos. Depois vieram os isqueiros. Já ninguém os usa, aos fósforos. Nem para cozinhar, nem para fumar, mas fumar é agora coisa feia, não convém referir. Era assim, em casa da minha avó: havia uma caixinha de madeira onde eles se acumulavam e donde se reutilizavam quando o lume já ardia. Recolho-os desta borda desta parede e recordo-a, a essa cozinha. E cheira-me ao cheiro que era o seu. Muito nitidamente, sinto-o. A que era? Não sei. Talvez um pouco de boroa de milho, com couves e vida que vinha do quintal. Não sei descrevê-lo, sei senti-lo. Percebo que descrever é matar. Triste ofício escolhi.

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