domingo, 31 de maio de 2015

NADABSOLUTO














Nada a descobrir:
de mundo nada,
d’universo nem mapa,
o corpo sabido, todo.
Nada!
Nada tido nad’achado.
Ser imenso.

“Come do fruto que te faz saber”,
a sereia cantante.

“Anuncio-te”,
o arcanjo flamante.

Parto que parte.

Tu és tu,
passaste-me.
Eu, eu.
Já não eu-tu,
sequer tu-eu, nós.
Perdidos em mar d’eus:
Somos, já o sabemos.

Mundo Desencanto,
letras sem palavra.
Desconecto!
Corpo sem matéria:
Eu.
Bojadores, tormentas
sentidas, não vistas.
Lançados a mar nada.

Não cremos ideia, não.

Queremos eu,
sem que sejamos.
Somos “eu”,
sem que queiramos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

ser sem Ser



























Vi-te:
Sorridente disseste:
Sou tu, que escreves.
Pó voltarei:
quando não escrevas.
Outro:
Mim escreverá.
Pó, eterno pó serei.
Nada tu,
eterno Mim.
Nada ele
quando m’escreva.
Todos eu.
Vazios vos dou,
ser? Sou Ser
Vós? ser sois
Tu?
nada.
Sou Aquele que É,
sendo nada, pó.
És o que não é,
sendo tudo, gente.
E ele também.:
quando M'escreva
e tu já não;

quarta-feira, 20 de maio de 2015

DUM SUBOFICIAL E DUM ATAQUE À CIDADANIA




A desvalorização do cidadão que ficou patente, para mais representado naquele arquétipo de pai de família, foi um símbolo e uma consequência: um símbolo de que a cidadania já pouco vale enquanto fonte de legitimidade, uma consequência da aposta política na erosão dessa mesma legitimidade, para entregar o processo decisório a forças obscuras e não sufragados.

A questão do subcomissário de Guimarães já está mais do que explorada e atingiu níveis de voyeurismo típicos de reality show. Volto a ele, não por si, mas pelo que revela. Não para fazer um julgamento público do agente em questão, mas sim das linhas políticas com que nos estamos a cozer (é mesmo assim, cozer com “Z”).

No processo histórico de substituição do escravo pelo servo, do servo pelo súbdito e do súbdito pelo cidadão, há todo um progresso em que a humanidade conquista a sua humanidade. Como diria Charles Tayler, somos tão mais humanos quanto mais detentores de marcos de referência, e tão mais livres quanto capazes de auto definirmos esses marcos, ainda que em função da comunidade em que vivemos ou fomos criados.

Mais do que a utopia de ser completamente livre, o cidadão é fonte de soberania: é dele que emana o poder e é nele que assenta a legalidade para o exercício da violência legítima.

Quando são os agentes dessa violência que se viram contra a fonte da sua legitimidade, alguma reflexão se impõe. Primeiro, porque não penso que este seja uma caso isolado; segundo, porque noutras circunstâncias de violência não física, comprovadamente que não é. 

Diariamente há milhares de intervenções policiais e apenas uma ínfima parte está sujeita ao escrutínio videográfico. Não é preciso entender muito de probabilidade estatística para concluir que teremos anualmente umas boas centenas de abusos. A própria forma como o subcomissário procurou justificar a situação com uma claramente inexistente cuspidela, demonstra qual é o modus operandi em circunstâncias análogas.

Como chegamos a esta situação do protetor agressor? Acredito que tudo isto está fortemente relacionada com a forma como na política se têm vindo a impor políticas.

Ao largo das últimas décadas, o modelo económico e social vigente foi implementado, não com base numa confrontação aberta entre diferentes visões, mas antes recorrendo a um processo de desvalorização comunicacional do adversário; por outras palavras, construindo a célebre narrativa que, de tão sistematicamente narrada, se transforma em imagem mental da verdade. 

Todos somos testemunhas destes processos. Pretende-se impor regras aos professores? Inicia-se uma campanha de ataque à profissão, que a descredibilize. É para privatizar um setor? Diabolizam-se os seus profissionais. Diminuir os serviços públicos? Propagandeiam-se vícios dos funcionários…. e por aí adiante.

A novidade dos últimos tempos é que o alvo já não é um apenas um grupo: Queremos ditar modelos económicos sem apoio popular? Usemos poderes não sufragados para os impor e diabolizemos o cidadão, esse mesmo que tem de se submeter porque terá vivido acima das suas possibilidades.

É com base na construção desta ideia, que o Estado-do-cidadão se transforma em seu inimigo e se torna politicamente exequível dar rédea solta aos organismos de repressão fiscal, policial e administrativa. Não surpreende que, mais cedo ou mais tarde, essa  desvalorização tivesse consequências muito visíveis como esta.

Creio que um dos motivos que fez com que este caso gerasse uma tão grande unanimidade, foi o facto da vítima ser quem foi: "chefe de família", empresário, acompanhado dos filhos e do pai… este homem tem tudo para ser um símbolo do cidadão seguidor dos princípios da ordem, democracia e progresso; numa palavra, ele representa o sustentáculo social da democracia representativa. E foi precisamente essa metáfora que um agente do Estado atacou em vez de defender. 

Naquela demonstração de força (para não dizer de raiva), ficou clara uma inversão dos valores sociais com que se construiu o nosso Estado de Direito Democrático.

A desvalorização do cidadão que ficou patente, para mais representado naquele arquétipo de pai de família, foi um símbolo e uma consequência: um símbolo de que a cidadania já pouco vale enquanto fonte de legitimidade, uma consequência da aposta política na erosão dessa mesma legitimidade, com o objetivo de entregar o processo decisório a forças obscuras e não sufragados.

Perante isto, o sucedido em Guimarães deve indignar-nos mas não  surpreender-nos. 


Luis Novais

domingo, 17 de maio de 2015

QUANDO O HOOLIGAN USA FARDA

Às imagens todos as vimos: o exterior do estádio, um pai, dois filhos e um avô. Enquanto o primeiro dá água ao mais novo e, aparentemente, o sossega, o RobotCop aproxima-se. Ao mesmo tempo, dentro e fora do dito Estádio, alguns adeptos destroem o que lhes aparece à frente. O pai continua a dar água ao mais novo, o avô assiste e o filho mais velho também. Fora desta cena, os vândalos continuam a fazer o que sabem fazer: vandalizam. E o pai a dar água ao filho. O polícia insiste com uma ordem qualquer, que o seu papel é dar ordens a quem dá de beber aos filhos, coisa bem menos arriscada do que pôr os vândalos na ordem. O pai parece alterar-se e argumenta ou insulta, não sabemos. O herói fardado não tem mais que enfiar-lhe um murro direto na cara. O avô revolta-se e leva com mais dois ou três. Seguem-se os guarda-costas do fardado, outros RobotCops, que isto não basta ter arma e cacete, é preciso quem o proteja, principalmente se destarte podem afastar-se da bem mais árdua tarefa de controlar vândalos.


Não gosto de futebol, não tenho clube, nem me emociono por ver 11 tipos a lutar por uma esfera. Para mais, tenho na memória péssimas imagens de selvajaria e hooliganismo ligadas ao desporto dito rei, que até parece ser republica o país mas reinado a bola. Sempre pensei que um estádio era um lugar perigoso e impróprio para levar um filho. Perigoso, ainda que, felizmente, bem policiado… até ver estas imagens, e perceber que afinal o hooligan usa farda, está armado e tem treino pago por todos nós.