domingo, 31 de janeiro de 2016

A FALÁCIA



António Costa ainda não conseguiu explicar como vai cumprir essa tripla promessa que fez aos portugueses, à sua base de apoio parlamentar e a Bruxelas. Imagino quem vai ser enganado, mas pelo menos que não seja com areia aos olhos.

Referindo-se às políticas de austeridade impostas pelo anterior governo, António Costa acusou Passos Coelho de prometer uma coisa à europa e outra a Portugal. À primeira, os cortes salariais e a sobretaxa de IRS seriam permanentes, aos portugueses, todas as medidas eram provisórias.
 
Estava dado o mote para a construção duma narrativa, e a resposta foi rápida. Enquanto o diabo esfregava um olho, Nicolau Santos escreveu artigo de sugestivo título: “Ou mentiu em Bruxelas, ou mentiu em Portugal”. De pronto, as redes sociais se puseram prolixas de argumentos e contra-argumentos, naquela perda de tempo que sempre ocorre quando as esgrimas se praticam em base da falsidade.

Primeiro, não é credível que um país debaixo de estrita avaliação possa ocultar tamanha dualidade. Não é preciso lembrar que os senhores da troica não nos desamparavam a loja, que temos os representantes da união europeia em Lisboa, que temos os embaixadores dos países membros, e em cima há os ecos da imprensa internacional. Quem acredite que a Sra Merkel e os restantes líderes europeus não recebem telegramas das suas embaixadas, ou é inocente ou se faz de ignorante.

E nem sequer é isto que transforma tudo numa falácia. Todos sabemos que Bruxelas pede metas e deixa as receitas ao cuidado de cada país, desde que estas não colidam com os princípios basilares da União. Quando os eurocratas analisam estratégias orçamentais, avaliam apenas se têm credibilidade para o objetivo em causa; neste caso para balizar o pretendido défice. 

Esta inusitada versão de António Costa, se fosse verdadeira, suscitaria uma pergunta muito simples e direta: E daí? Onde é que isso limita a ação do governo português? Em absolutamente nada, desde que apresente fórmula alternativa para diminuir despesas ou aumentar receitas. Se assim for, ninguém em Bruxelas responde que não, e que "tratem mas é de manter a sobretaxazinha do IRS e o corte dos salários".

António Costa ainda não conseguiu explicar como vai cumprir essa tripla promessa que fez aos portugueses, à sua base de apoio parlamentar e a Bruxelas. Imagino quem vai ser enganado, mas pelo menos que não seja com areia aos olhos.

No que me toca, só tenho uma certeza: Não votamos em Bruxelas.


Luis Novais




segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

AONDE VAIS, PORTUGAL?



Teríamos de recuperar asas, voar. E é nestas alturas que aparecem os que vendem ilusões de sonho travestidas. São perigosos, quase tanto quanto os outros, os que preferem a segurança do mal que estão, à incerteza do caminho a explorar. Talvez assim fiquemos: uma vez mais passando aos seguintes um país que queimou toda a energia que tinha para imobilizar-se onde deveria ter saído.

Há no ar um sentimento de fim de ciclo que se confunde com descrença no sistema. Talvez este denso nevoeiro que Sebastião teima em não cortar, nos impeça de ver mais além, nos oculte Juno confundindo-o com a nuvem que nos envolve, talvez nos imobilize penetrando carne e tutano.

Confundidos nesse nevoeiro, perdemos rumo e perspetiva. Ficamos onde estamos, ou caminhamos em incerta busca por sinais difíceis de entender: aquela mancha amarelada que pode ser farol ou veículo que nos embata, essa buzina que será  um vem por aqui, ou quem sabe se um foge daí.

Caminhamos há duzentos anos de ciclo em ciclo, sem que o anterior passe ao seguinte a energia que lhe consumiram serôdias tentativas de sobrevivência. As luzes e uma revolução Francesa à nossa moda instalaram-se em 1834, quando há muito o liberalismo ocidental não passava de burguês gordo. O comboio, quando já a Europa não tinha por onde estender linhas. Havia 40 anos da comuna de Paris, quando nos chega uma república que não sabe se é carbonaria ou maçónica, pequeno-burguesa ou sindicalista. Do Portugal nacionalista e imperial, grande no discurso e pequeno no ser, o mesmo que sobreviveu 30 anos ao fascio e à suástica, desse nem falemos. Em Abril, socialismo foi utopia de alguns e não resistiu, nem ao canto de sereia do capital, nem ao que aquém do muro do além já se sabia. À europa chegamos tarde, caindo numa União que resiste para resolver guerras de séculos e que nunca foram nossas.

Subitamente ganhamos consciência de que esse sonho europeu e de mercado não passava afinal de pesadelo. Assustados e sem saber aonde ir, dedicamo-nos mais à pequena culpa do que às responsabilidades históricas, mais aos bodes que expiam do que à reflexão. "É o sistema", como se o sistema fosse ilha distante de cada um, "É a partidocracia", como se os partidos não fossem o reflexo daquilo que somos enquanto povo, "É a corrupção", como se não fosse a moral, "É a crise financeira", como se não fosse a cultural. 

Estamos sem sonhos, essa é que é essa; e sem sonho nada mais É. Mas mandam os que se dizem pragmáticos, os que se contrapõem aos utópicos, sem entenderem que são os mais de  entre estes. São de fazer e não de questionar, não alcançam que sonho é cultura.

Teríamos de recuperar asas, voar. E é nestas alturas que aparecem os que vendem ilusões de ideais travestidas. São perigosos, quase tanto quanto os outros: os que preferem a segurança do mal que estão, à incerteza do caminho a percorrer. 

Talvez assim fiquemos: uma vez mais passando aos seguintes um país que queimou toda a energia que tinha para imobilizar-se aí, nesse sítio de onde deveria ter saído.

Aonde vais, Portugal?


quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

UMA CAMPANHA NADA ALEGRE




De tudo o que vi e ouvi neste debate, somado a outro tanto que durante a campanha fui ouvindo e vendo, ficou-me a ideia de que apenas um dos candidatos tem aquele perfil que imagino num Presidente da República.

Ontem foi dia de debate e, ainda que no Peru, consegui acompanhá-lo através da RTP internacional. O resultado foi um nim quase generalizado, com o candidato da direita a lançar a cana de pesca à esquerda, e o preferido da esquerda algum engodo à direita. 

Marcelo como Nóvoa, fugiram ao compromisso como o diabo da Cruz. Um cínico professor a dizer que confia no Primeiro-ministro quando este se afirma capaz de dar quadratura ao círculo em que se meteu. Um patético ex-reitor querendo fazer-nos acreditar que não garante que aprove o Orçamento de Estado porque ainda não o conhece.

Valeram as tiradas de Tino o de Rãs, que desanuviou pela via do riso, mas que pelo menos uma vez teve capacidade de avistar a Taprobana, quando deu o exemplo do sem-abrigo com quem tinha passado a noite anterior.  
  
Certeiro também Paulo Morais, pelo menos em duas ocasiões. Primeiro quando relacionou o cumprimento da constituição com a gratuitidade dos livros escolares, denunciando a relação entre o lobby editorial e a inexistência de um banco de manuais em cada escola. Marcou igualmente pontos quando respondeu às críticas de que as suas denúncias eram genéricas: Apontou casos concretos que entregou à procuradoria e, depois, denunciou os políticos honestos que, em vez de atacarem os desonestos, o atacam a ele. 

Os restantes candidatos e a candidata não marcaram nem desmarcaram e Marisa fez até um autogolo, quando acusou os restantes de não terem denunciado a tão questionada decisão do Tribunal Constitucional que implica devolver as subvenções vitalícias aos ex-políticos. No contexto dum debate destes, ninguém lhe lembraria de quem foi a decisão e que ao Presidente lhe compete, em primeiro lugar, cumprir e fazer cumprir a constituição, concorde-se ou não. O grande erro foi, contudo, ter aberto a porta para que quase todos a contradissessem, lembrando um momento específico em que também eles se manifestaram contra esta deliberação.

De tudo o que vi e ouvi neste debate, somado a outro tudo que durante esta campanha fui ouvindo e vendo, ficou-me a ideia de que apenas um dos candidatos tem aquele perfil que imagino num Presidente da República. Trata-se de alguém que esteve na política sem dela beneficiar, que nunca calou a denúncia a algumas das páginas mais negras da história do seu próprio partido, que tem sobriedade e perfil ético.

Desde Setembro estava decidido a votar em Sampaio da Nóvoa se o PAF formasse governo, ou em Marcelo Rebelo de Sousa, se essa tarefa caísse sobre António Costa. Num caso como no outro, não era um voto de convicção, mas antes uma forma de contrariar a deriva neoliberal de uns, ou o excesso de devaneio dos outros. Considerava que esta era uma eleição desinteressante e que a falta comparência de Guterres e Barroso tinha aberto a porta a candidatos de segunda divisão.

Henrique Neto poderia dar-me a possibilidade de votar, pelo menos com alguma convicção.


Luís Novais 


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