Teríamos de recuperar asas, voar.
E é nestas alturas que aparecem os que vendem ilusões de sonho travestidas.
São perigosos, quase tanto quanto os outros, os que preferem a segurança do mal
que estão, à incerteza do caminho a explorar. Talvez assim fiquemos: uma vez
mais passando aos seguintes um país que queimou toda a energia que tinha para
imobilizar-se onde deveria ter saído.
Há no ar um sentimento de fim de ciclo que se confunde com descrença no
sistema. Talvez este denso nevoeiro que Sebastião teima em não cortar, nos
impeça de ver mais além, nos oculte Juno confundindo-o com a nuvem que nos
envolve, talvez nos imobilize penetrando carne e tutano.
Confundidos nesse nevoeiro, perdemos rumo e perspetiva. Ficamos onde estamos,
ou caminhamos em incerta busca por sinais difíceis de entender: aquela mancha
amarelada que pode ser farol ou veículo que nos embata, essa buzina que será um vem por aqui, ou quem sabe se um foge
daí.
Caminhamos há duzentos anos de ciclo em ciclo, sem que o anterior passe ao
seguinte a energia que lhe consumiram serôdias tentativas de sobrevivência.
As luzes e uma revolução Francesa à nossa moda instalaram-se em 1834, quando há
muito o liberalismo ocidental não passava de burguês gordo. O comboio, quando
já a Europa não tinha por onde estender linhas. Havia 40 anos da comuna de
Paris, quando nos chega uma república que não sabe se é carbonaria ou maçónica,
pequeno-burguesa ou sindicalista. Do Portugal nacionalista e imperial, grande
no discurso e pequeno no ser, o mesmo que sobreviveu 30 anos ao fascio e à
suástica, desse nem falemos. Em Abril, socialismo foi utopia de alguns e não
resistiu, nem ao canto de sereia do capital, nem ao que aquém do muro do além
já se sabia. À europa chegamos tarde, caindo numa União que resiste para resolver guerras de séculos e que nunca foram nossas.
Subitamente ganhamos consciência de que esse sonho europeu e de mercado não
passava afinal de pesadelo. Assustados e sem saber aonde ir, dedicamo-nos mais
à pequena culpa do que às responsabilidades históricas, mais aos bodes que
expiam do que à reflexão. "É o sistema", como se o sistema fosse ilha
distante de cada um, "É a partidocracia", como se os partidos não fossem o
reflexo daquilo que somos enquanto povo, "É a corrupção", como se não fosse a
moral, "É a crise financeira", como se não fosse a cultural.
Estamos sem sonhos, essa é que é essa; e sem sonho nada mais É. Mas mandam
os que se dizem pragmáticos, os que se contrapõem aos utópicos, sem entenderem
que são os mais de entre estes. São de fazer
e não de questionar, não alcançam que sonho é cultura.
Teríamos de recuperar asas, voar. E é nestas alturas que aparecem os que
vendem ilusões de ideais travestidas. São perigosos, quase tanto quanto os
outros: os que preferem a segurança do mal que estão, à incerteza do caminho a
percorrer.
Talvez assim fiquemos: uma vez mais passando aos seguintes um país
que queimou toda a energia que tinha para imobilizar-se aí, nesse sítio de onde deveria ter saído.
Aonde vais, Portugal?
Sem comentários:
Enviar um comentário