Desta vez não aceito o silêncio do
Governo, do Presidente e da Assembleia do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num
Presidente Pepsodente, todo sorrisos e afetos, estou à espera de ser
surpreendido.
Sou daqueles que consideram dever evitar-se a todo custo qualquer ingerência num sistema que, apesar de ter defeitos, funcione. Ainda recentemente
tivemos o resultado da adesão dos governantes europeus à tempestade Árabe, tão apressadamente
apelidada de “Primavera”. No caso da Líbia, a loucura atingiu limites dignos de hospício,
com a agravante de que os loucos tinham capacidade para bombardear e destruíram
uma administração cheia de defeitos, sim, mas criando em troca uma ausência de regime que abriu caminho a
um Daesh que agora nos rebenta, se não nas mãos, nos aeroportos e nos metropolitanos.
O nosso modelo de democracia dita representativa é suficientemente
defeituoso para que não dedique o meu tempo a criticar os outros e, além do
mais, desculpem o egocentrismo, mas é o meu e é onde vivo.
Se não tenho a soberba universalista, tampouco sou relativista. Nisto, como
em muitas outras coisas, julgo que a resposta está nas antípodas de qualquer
solução radical ou, se quiserem, fundamentalista. Acompanho Bimal Matilal
(1935-1991) quando procurava uma resposta intermédia entre os dois extremos,
distinguindo um padrão moral mínimo, universal, e um código ético, ambiental.
Se este é o eixo que conduz a minha visão de relações inter-culturais,
tenho outra guia que é aceitar que Roma e Pavia não se fizeram num dia e há processos que são muito complexos; uma constatação que deve levar à aceitação intelectual de certas idiossincrasias, desde que a direção geral da caminhada vá no bom sentido.
Era nesta perspetiva que, para mim, Angola estava no bom caminho. O sistema
era cleptocrático, mas, lá está, se quero dedicar-me a esse tema não me falta
matéria no meu próprio país, continente e hemisfério. Havia corrupção, mas
continuo a considerar que o país mais corrupto do mundo é aquele onde as
campanhas eleitorais são mais dispendiosas, convicção que está relacionada com
o mesmo desgosto que tive quando soube que afinal não era o menino Jesus quem, benemerente, punha as prendas no sapatinho, que lá em casa éramos tradicionalistas e o
velhote gordo e barbudo foi personagem que nunca entrou no nosso imaginário. Por último, Angola é um país rico onde a população não tem acesso a cuidados básicos, mas
então que dizer da assistência médica em algumas das nações deste hemisfério
norte em que nascemos?
Duma guerra civil, este país avançou para a paz; duma ditadura, para uma
democracia ainda que imperfeita (como todas); duma economia de guerra para uma
economia de circulação. Eram passos positivos, era uma caminhada na direção
certa, e isso fazia-me compreender a precaução dos governos portugueses quando
o tema era Angola. Além de que havia interesses nacionais que, bem vistas as
duas faces da moeda, justificavam vista grossa sem que o pecado fosse grande, até porque telhados de vidro também não nos faltam.
Nesta caminhada que era positiva, acabamos de assistir a um grande recuo: O regime (não nos enganemos, não foi a Justiça)
condenou hoje 17 jovens que, nas palavras de Pedro santos Guerreiro no Expresso
Diário, “não mataram nem matariam, não eram terroristas nem bombistas nem
letais anarquistas nem raptores nem corruptores nem violadores. Eram ativistas.
Eram idealistas.” Um deles, Luaty Beirão, é também português e levou uma pena
superior a 5 anos.
Desta vez não aceito o silêncio do Governo, do Presidente e da Assembleia
do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de
oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num Presidente Pepsodente, todo
sorrisos e afetos, estou genuinamente à espera de ser surpreendido.
Luís Novais
Foto: É tão ilustrativa que não resisti à tentação de
roubar esta gravura do Expresso
Diário. Espero que me perdoe o seu autor, Mário Henriques
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