quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

BRASIL, VITÓRIA DO ESPIRITO SANTO, DITADURAS E BALÕES DE ENSAIO



De entre esta classe política, uns passariam facilmente para o lado dos militares e, em ditadura, com censura e magistrados manietados, ser-lhes-ia fácil que, à lavagem de dinheiro, se siga a lavagem de imagem. Outros seriam as "vítimas", obtendo facilmente asilo político num país ocidental, com as contas recheadas e livres de qualquer fiscalização.

Cerca de 260.000 habitantes, localizada na região mais rica do Brasil, boas praias, um aprazível balneário para a classe média e apenas a uma hora de avião das megapolis Rio de Janeiro e São Paulo. Senhores passageiros, bem-vindos a Vitória do Espírito Santo… uma cidade que, pelo outro lado, tem a violência contida de qualquer cidade média com grandes diferenças sociais. Numa palavra, eis o balão de ensaio perfeito para quem queira fazer uma experiência sobre o resultado político duma explosão da violência.

A história é conhecida. No fim-de-semana passado alguns familiares de polícias colocaram-se frente às comissarias, impedindo os agentes de sair para as ruas. Exigem um aumento salarial de 100% e, com esta estratégia, contornaram a ordem constitucional que nega às forças da ordem o direito à greve.

Com os agentes fora de combate, instalou-se o caos e a violência: Tiroteios constantes, saqueio de lojas, de residências e perto de cem mortos em apenas quatro dias.

Falei com alguns moradores locais que desde domingo já reclamavam a presença imediata do exército nas ruas, um pedido que foi secundado pelo governador em exercício. Segunda-feira chegaram os primeiros mil soldados, mas as autoridades locais já estão a reclamar por mais.

Os adeptos da teoria do caos dirão que tudo foi uma sequência de acontecimentos não previstos e não previsíveiss. Por seu lado, os cultores da conspiração tendem a procurar a mão por detrás do boneco.

Casualidade ou planeamento maquiavélico, as consequências poderão ser as mesmas, e o que se está a passar em Vitória pode facilmente provocar-se em São Paulo ou no Rio. Se, destas duas metrópoles, tudo se estendesse a duas ou três cidades de dimensão média-grande, como são Belo Horizonte, salvador ou Porto Alegre, criar-se-ia um caos nacional, ou seja, o ambiente para que os cidadãos peçam ao exército que tome conta da situação. Nestas condições, facilmente um general-salvador-da-pátria quebra a espinha dorsal duma democracia minada pela corrupção.

Todos os crimes precisam dum motivo, e motivos não faltam. Em primeiro lugar, uma ditadura militar poderia interessar aos donos do país, uma aristocracia empresarial assente na finança, na indústria e na construção, que sempre viveu dum protecionismo que, em aliança com políticos corruptos, lhe garante ganhos fáceis. Para eles, a Democracia é descartável e, inclusive, incomoda-os ter de discutir na rua os seus projetos de “desenvolvimento”, as suas contaminações ambientais, os seus crimes contra os direitos das populações nativas. Como se começa a ver, um regime com liberdade de expressão e independência do poder judicial, já não lhes oferece mais do que a prisão.

E o que dizer duma classe de políticos que se enquistaram no sistema? Os escândalos de corrupção corroem o edifício institucional de que vivem, e tudo lhe está a correr mal desde que não funcionou essa manobra de diversão que foi destituir Dilma Roussef, uma das poucas que tem as mãos limpas. De entre esta classe política, uns passariam facilmente para o lado dos militares e, em ditadura, com censura e magistrados manietados, ser-lhes-ia fácil que, à lavagem de dinheiro, se siga a lavagem de imagem. Outros seriam as "vítimas", obtendo facilmente asilo político num país ocidental, com as contas recheadas e livres de qualquer fiscalização.

Falo com alguns amigos brasileiros e sinto esse ambiente, essa ideia de que a Democracia que têm não se consegue reformar a si mesma. Muitos vivem a ilusão de que uma ditadura seria menos corrupta, esquecendo-se que é graças à liberdade de expressão e à independência do poder judicial que a corrupção está a ser atacada. Entre perder o coração com anestesia, ou o dedo a sangue frio, alguns parecem inclinados para a primeira opção.

É por isso que estou muito atento e preocupado com o que se passa na cidade de Vitória. A situação em que está o  Brasil não é muito diferente da de outros países, não só da América latina. E aí, em vez dum balão de ensaio, teríamos um efeito dominó…



Luís Novais



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