sexta-feira, 23 de outubro de 2015

DEVANEIOS PRESIDENCIAIS?



A esquerda portuguesa tem agora a sua oportunidade de fazer história e António Costa de provar que não andou a brincar connosco: Um candidato presidencial único e uma coligação eleitoral em Abril.

Começo por fazer uma declaração tão breve quanto clara: Sou contra a adopção da moeda única em Portugal e defendo que deveríamos sair da União Europeia. Acredito que o nosso contexto geoestratégico é atlântico e a nossa União natural é com o Brasil, Angola, São Tomé, Cabo Verde e Guiné. Numa palavra, defendo o sonho atlantista de D João VI, tão estupidamente interrompido pela burguesia portuguesa de 1820.

Como aparte que não conta para a substância do que aqui pretendo defender, digo também que sou contra a deriva neoliberal deste governo. Defendo o primado da política sobre a economia, a função distributiva do Estado e a existência clara dum setor público em áreas estratégicas. Sou contra a privatização da TAP.

Quem se der ao trabalho de ler o que já aqui escrevi no passado, percebe que o meu pensamento é claro neste dois grupos de matérias.

Feitas estas declarações, compreendo que uma coisa é o que eu defendo, outra muito distinta é que haja o direito de querer mudar radicalmente o rumo dum país, sem que haja um consenso muitíssimo alargado. Por agora, sei que estou no domínio da utopia, mas também sei que esse é o mesmo domínio em que estaria m aqueles que na Europa de 1940 defendessem a União que agora existe e que, afinal, começou a ser construída poucos anos depois, mas só depois que se foi gerando esse consenso.

É para isso que servem os utópicos: preparar o futuro quando ele chegue. Há dois modelos de mudança: um pela imposição ditatorial, que normalmente termina em tragédia, outro pelo reformismo, aquele que defendo.

Depois da recente declaração do Presidente da República, não faltaram vozes acusadoras: as mais brandas denunciaram-no como chefe de fação, as mais duras como ditador.

Creio que estas acusações significam uma deficiente compreensão daquilo que é a essência do regime democrático. O nosso modelo de Estado surge com o pensamento dos iluministas, esses “utópicos” do dealbar das monarquias absolutas. O seu modelo de soberania cidadã aprofundou-se, ao ponto de perceberem que há uma clara distinção entre Democracia e ditadura da maioria, e foi por isso que conceberam um sistema de divisão de poderes, de acordo ao qual uns controlam e limitam os outros.

Depois de Montesquieu este princípio foi aprofundado. Nuns casos criou-se mais do que uma câmara, noutros uma desproporcionalidade da representação, noutros ainda um poder intermédio, que não é executivo nem legislativo. Este é o nosso caso e não foi por acaso que se decidiu que o Presidente da República fosse eleito por voto universal, o que lhe dá uma legitimidade clara para, dentro dos limites constitucionais, entrar no jogo dos pesos e contrapesos da Democracia.

A decisão de Cavaco Silva está no estrito âmbito dos seus poderes constitucionais e esses poderes foram concebidos desta forma para que, em momentos como o atual, alguém os possa usar para criar peso e medida. Foi isso que o Presidente fez, concordemos ou não.

Ultrapassada esta questão, fica-nos a de chefe de fação.

Nas palavras do Presidente não está claramente dito que jamais empossaria um governo de que fizessem parte forças antieuropeias e anti Nato (repito: eu sou antieuropeu e por mim até podíamos sair da Nato), mas infere-se que dificilmente o fará e, sobretudo, nas condições pretendidas pela dupla Costa/César.

Mais uma vez, dentro do limitado campo de ação que tem o Presidente da República, há momentos chave em que lhe compete interpretar o sentido do país. Aconteceu noutras circunstâncias. Aconteceu com Soares quando dissolveu a Assembleia da República em 1987, apesar de lhe ter sido apresentada uma solução de governo maioritária à esquerda. Há dias João Cravinho explicou na televisão que, nesse momento, Mário Soares interpretou a representatividade do PRD como já não sendo real e decidiu convocar o soberano; tinha razão. Aconteceu em 2004 quando Jorge Sampaio fez cair um governo com suporte parlamentar. Sampaio interpretou que o sentimento dos portugueses não era favorável àquele figurino governativo e convocou eleições; tinha razão. Aconteceu agora com Cavaco Silva: competiu-lhe julgar se a aliança pós-eleitoral das esquerdas correspondia ou não à vontade dos eleitores. Concluiu que não e indigitou Passos Coelho. E a meu ver também tem razão; julgo que, de facto, tal aliança não corresponde sequer à vontade da maioria dos eleitores dos três partidos.

Tudo isto é normal e constitucional. Curiosamente, muitos dos que defenderam Sampaio em 2004, atacam agora Cavaco por alegadamente extravasar funções… conforme a conveniência, não podemos ser à vez, ora muito presidencialistas, ora muito parlamentaristas.

Devo dizer que tinha algumas esperanças de que a esquerda se entendesse. Achava, como acho, que no momento atual há poderes económicos que têm de ser refreados e que uma força como o Partido Comunista é capaz de impor respeito. Mas uma novidade destas tem de ser feita de forma clara e não nos corredores. No mínimo, que houvesse o tal acordo que foi tão falado como nunca visto, na melhor das hipóteses que houvesse uma coligação eleitoral, ou que na campanha se assumisse a possibilidade de entendimentos parlamentares. Em vez de fazer isso, António Costa fez o contrário. Porquê? Porque sente que o Presidente tem razão: a maioria do seu eleitorado não quer esse acordo e uma parte iria indubitavelmente votar na coligação de direita.

Graças à compreensível cautela presidencial, a esquerda portuguesa tem agora a sua oportunidade de fazer história e António Costa de provar que não andou a brincar connosco: Um candidato presidencial único e uma coligação eleitoral em Abril. Acreditam nisso? Eu também não. Então Cavaco estava certo.



Luís Novais

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