A esquerda portuguesa tem agora a sua oportunidade de fazer história e
António Costa de provar que não andou a brincar connosco: Um candidato
presidencial único e uma coligação eleitoral em Abril.
Começo por fazer uma declaração
tão breve quanto clara: Sou contra a adopção da moeda única em Portugal e
defendo que deveríamos sair da União Europeia. Acredito que o nosso contexto
geoestratégico é atlântico e a nossa União natural é com o Brasil, Angola, São
Tomé, Cabo Verde e Guiné. Numa palavra, defendo o sonho atlantista de D João
VI, tão estupidamente interrompido pela burguesia portuguesa de 1820.
Como aparte que não conta para a
substância do que aqui pretendo defender, digo também que sou contra a deriva
neoliberal deste governo. Defendo o primado da política sobre a economia, a
função distributiva do Estado e a existência clara dum setor público em áreas
estratégicas. Sou contra a privatização da TAP.
Quem se der ao trabalho de ler o
que já aqui escrevi no passado, percebe que o meu pensamento é claro neste dois
grupos de matérias.
Feitas estas declarações,
compreendo que uma coisa é o que eu defendo, outra muito distinta é que haja o
direito de querer mudar radicalmente o rumo dum país, sem que haja um consenso
muitíssimo alargado. Por agora, sei que estou no domínio da utopia, mas também
sei que esse é o mesmo domínio em que estaria m aqueles que na Europa de 1940 defendessem a União que agora existe e que, afinal, começou a ser construída poucos anos
depois, mas só depois que se foi gerando esse consenso.
É para isso que servem os
utópicos: preparar o futuro quando ele chegue. Há dois modelos de mudança: um pela
imposição ditatorial, que normalmente termina em tragédia, outro pelo
reformismo, aquele que defendo.
Depois da recente declaração do
Presidente da República, não faltaram vozes acusadoras: as mais brandas denunciaram-no
como chefe de fação, as mais duras como ditador.
Creio que estas acusações significam
uma deficiente compreensão daquilo que é a essência do regime democrático. O
nosso modelo de Estado surge com o pensamento dos iluministas, esses “utópicos”
do dealbar das monarquias absolutas. O seu modelo de soberania cidadã
aprofundou-se, ao ponto de perceberem que há uma clara distinção entre
Democracia e ditadura da maioria, e foi por isso que conceberam um sistema de
divisão de poderes, de acordo ao qual uns controlam e limitam os outros.
Depois de Montesquieu este
princípio foi aprofundado. Nuns casos criou-se mais do que uma câmara, noutros
uma desproporcionalidade da representação, noutros ainda um poder intermédio,
que não é executivo nem legislativo. Este é o nosso caso e não foi por acaso
que se decidiu que o Presidente da República fosse eleito por voto universal, o
que lhe dá uma legitimidade clara para, dentro dos limites constitucionais,
entrar no jogo dos pesos e contrapesos da Democracia.
A decisão de Cavaco Silva está no
estrito âmbito dos seus poderes constitucionais e esses poderes foram concebidos
desta forma para que, em momentos como o atual, alguém os possa usar para criar
peso e medida. Foi isso que o Presidente fez, concordemos ou não.
Ultrapassada esta questão,
fica-nos a de chefe de fação.
Nas palavras do Presidente não
está claramente dito que jamais empossaria um governo de que fizessem parte forças
antieuropeias e anti Nato (repito: eu sou antieuropeu e por mim até podíamos sair
da Nato), mas infere-se que dificilmente o fará e, sobretudo, nas condições pretendidas
pela dupla Costa/César.
Mais uma vez, dentro do limitado
campo de ação que tem o Presidente da República, há momentos chave em que lhe
compete interpretar o sentido do país. Aconteceu noutras circunstâncias.
Aconteceu com Soares quando dissolveu a Assembleia da República em 1987, apesar
de lhe ter sido apresentada uma solução de governo maioritária à esquerda. Há
dias João Cravinho explicou na televisão que, nesse momento, Mário Soares
interpretou a representatividade do PRD como já não sendo real e decidiu convocar
o soberano; tinha razão. Aconteceu em 2004 quando Jorge Sampaio fez cair um
governo com suporte parlamentar. Sampaio interpretou que o sentimento dos
portugueses não era favorável àquele figurino governativo e convocou eleições;
tinha razão. Aconteceu agora com Cavaco Silva: competiu-lhe julgar se a aliança
pós-eleitoral das esquerdas correspondia ou não à vontade dos eleitores.
Concluiu que não e indigitou Passos Coelho. E a meu ver também tem razão; julgo
que, de facto, tal aliança não corresponde sequer à vontade da maioria dos
eleitores dos três partidos.
Tudo isto é normal e constitucional.
Curiosamente, muitos dos que defenderam Sampaio em 2004, atacam agora Cavaco
por alegadamente extravasar funções… conforme a conveniência, não podemos ser à
vez, ora muito presidencialistas, ora muito parlamentaristas.
Devo dizer que tinha algumas
esperanças de que a esquerda se entendesse. Achava, como acho, que no momento
atual há poderes económicos que têm de ser refreados e que uma força como o
Partido Comunista é capaz de impor respeito. Mas uma novidade destas tem de ser
feita de forma clara e não nos corredores. No mínimo, que houvesse o tal acordo
que foi tão falado como nunca visto, na melhor das hipóteses que houvesse uma
coligação eleitoral, ou que na campanha se assumisse a possibilidade de
entendimentos parlamentares. Em vez de fazer isso, António Costa fez o
contrário. Porquê? Porque sente que o Presidente tem razão: a maioria do seu eleitorado
não quer esse acordo e uma parte iria indubitavelmente votar na coligação de
direita.
Graças à compreensível cautela
presidencial, a esquerda portuguesa tem agora a sua oportunidade de fazer
história e António Costa de provar que não andou a brincar connosco: Um
candidato presidencial único e uma coligação eleitoral em Abril. Acreditam
nisso? Eu também não. Então Cavaco estava certo.
Luís Novais
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