A pressão socialista que se acentuou na segunda metade de oitocentos e o
terror à revolução bolchevique de 1918, com a consequente criação da poderosa União
Soviética, fizeram com que o capitalismo se autorreformasse, em variantes social-democratizantes
na Europa, ou de ascensão económica individualista nos Estados Unidos. No fim
do século XX, a queda do muro de Berlim e a globalização financeira aliviaram esse pânico e fizeram com que a
promessa de ascensão se limite hoje a um vago culto do empreendedorismo;
estratégia individual que putativamente estaria ao alcance de todos e que a
todos permitiria uma plena realização económica e, supõe-se, também humana.
Nos dias que correm, isto é tudo o que o sistema tem para oferecer a um
grupo social que é naturalmente efervescente. Enquanto se acumulam os escândalos
financeiros e de corrupção, resulta claro que vivemos numa estagnação proletarizadora
dos escalões intermédios da pirâmide social: A anteriormente forte classe média,
pouco mais futuro pode antever do que uma luta diária pela mera sobrevivência,
à espera duma reforma incerta e recortada.
Cada vez mais novos sabemos aquilo que vamos ser em velhos, e isso matou a
esperança, essa grande dinamizadora do progresso e da paz social.
Atravessamos tempos muito parecidos com os de Rodión Raskólnikov, esse
anti-herói que Dostoievski retratou em “Crime e Castigo”, e que a custo
conseguia manter as aparências duma classe média cuja ascensão estava vedada pela
aristocracia rentista, a mesma que açambarcava zelosamente cada migalha dum
regime já então em plena decadência.
Esta reflexão é-me suscitada porque comecei agora a ver essa série que
adivinho excepcional: “Fargo”, de Noah Hawley. Uma opção que se segue a ter
devorado todos os capítulos de “Breaking Bad” de Vince Gilligan. As duas séries revelam como dois homens, ambos de meia-idade, ambos de classe média e ambos
falhos de sonhos, rompem a barreira da inevitável decadência, através do poder
psicológico que lhes é dado pela prática quase casual dum primeiro crime, que suscitará
uma cascata incontrolável.
São personagens que têm tudo a ver com Raskólnikov, um pobre-diabo que se
engrandece pelo materialmente desnecessário e cruel assassinato de Ivánovna, a desprezível
usurária.
Tal como em “Crime e Castigo”, a generalidade do público vai gradualmente empatizando
com os dois criminosos, e o êxito destas séries deveria fazer-nos refletir
sobre o abismo para que se dirige o nosso modelo social. Apesar dos devaneios libertários
e maçónicos de Pedro, o personagem que Tolstoi tão bem desenvolveu em “Guerra e
Paz”, sabemos o fim para que caminhava a sociedade Czarista. E nós?
Luís Novais
Uma nota a 2 de Agosto de 2016: Depois da vaga de atentados que estão a varar a Europa e os Estados Unidos, pergunto-me se o êxito destas séries não seria anunciador do que aí vinha. Teremos de retornar ao velho Dostoievski e a "Crime e Castigo" para perceber as intrincadas motivações de tudo isto?...
Luís Novais
Uma nota a 2 de Agosto de 2016: Depois da vaga de atentados que estão a varar a Europa e os Estados Unidos, pergunto-me se o êxito destas séries não seria anunciador do que aí vinha. Teremos de retornar ao velho Dostoievski e a "Crime e Castigo" para perceber as intrincadas motivações de tudo isto?...
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