domingo, 10 de abril de 2016

A CORTINA DE FERRO LIBERAL




Depois de tudo isto compreendo mas tenho pena dos meus amigos liberais, esses que recusam aceitar que estão do lado errado duma nova cortina de ferro que eles mesmo armaram, esses que não compreendem o óbvio: Também o seu muro já caiu. 
 
As causas da crise mundial que enfrentamos estão mais do que analisadas e já não há quem delas duvide. Empresas que deixaram de ter dono e passaram a ser de especuladores; gestores gananciosos que respondem aos impulso que esses donos lhes dão, comportando-se como toxicodependente, centrados na dose imediata não na sobrevivência; um modelo de capitalismo financeiro que caiu como uma avalanche sobre o produtivo; a promiscuidade entre os centros de saber e os de ganância; a desregulação que vem dos tempos de Reagen e Tatcher; a corrupção; as transferências alucinantes da política para as empresas e das empresas para a política; o divórcio entre o legislador e o filosofo; a separação entre legalidade e moralidade;  a impunidade com que se transferem capitais de origem duvidosa entre paraísos fiscais… 

Tudo isto alimentado por um princípio que nunca na História tinha sido hegemónico: O altar individualista, essa ideia adamsmithiana de que o egoísmo é a fonte bem comum. A moral sempre serviu para amansar o confronto entre o individuo e a sociedade; pela primeira vez dava-se rédea solta àquele e, ainda por cima, em nome do bem desta última.

Se alguns dos enunciados que acabo de fazer são discutíveis, aqueles que se prendem com os fatores diretos da crise económica mundial são consensuais: sabemos como chegamos aqui e sabemos por que chegamos.

Em 1989 acabava de cair o muro de Berlim e a União Soviética tinha um presidente que procurava fazer a Perestroika (reestruturação) e a Glanost (transparência); aos olhos do mundo revelava-se aquilo que antes se podia ocultar ou ignorar. 

Nesse tempo, eu era um jovem universitário e não entendia a posição de alguns amigos comunistas, que se negavam a ver a realidade e continuavam a insistir nos mesmos axiomas de sempre. A falência de um sistema que tinha confrontado a outra metade do mundo, deixava claras as suas debilidades, as suas injustiças e a sua incapacidade para alcançar a promessa com que surgira. 

Nessa época, tive a sorte de viajar à que ainda era a União Soviética, apenas um ano depois da queda do muro. Fiz muitos amigos, falei com muita gente e ainda estive a tempo de ser testemunha da disfuncionalidade daquele modelo. Nessa mesma viagem passei em Berlim e a sensação foi a mesma. Regressei com a firme convicção que já antes tinha: Aquele sistema era profundamente perverso, injusto e corrupto. 

Regressei com a forte convicção de que os meus amigos comunistas estavam errados e se recusavam a ver uma realidade que agora se revelava abertamente aos nossos olhos: O comunismo na versão centralista marxista tinha falhado; era um mau sistema. De certa forma compreendia-os e tive alguma empatia: Deve ser difícil passar uma vida bem intencionado na defendesa algo que finalmente se revela um fracasso.

Hoje, volto a ter o mesmo sentimento. Depois da crise financeira mundial, depois de tudo o que sabemos sobre as respetivas causas e efeitos, depois da revelação do funcionamento das offshores… depois de tudo isto compreendo mas tenho pena dos meus amigos liberais, esses que recusam aceitar que estão do lado errado duma nova cortina de ferro que eles mesmo armaram, esses que não compreendem o óbvio: Também o seu muro já caiu.


Luís Novais

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