Deixem-me colocar as coisas em
pratos limpos: quem me lê, ouve, ou está minimamente atento ao que vou pondo nas
redes ditas sociais, sabe que sou adepto de que Portugal deveria abandonar o euro
e a União Europeia e fazer um trabalho de equipa, no sentido da criação duma
comunidade atlântica de língua portuguesa, à qual gosto de chamar Atlântida.
O futuro da economia mundial
passa muito pela ligação entre Índico, Atlântico e Pacífico, o que assegura ao
mar que nos banha a manutenção duma posição charneira na ordem planetária que se
adivinha.
Neste panorama, não é preciso
fazer muitos cálculos para perceber o que representam as águas territoriais
conjuntas de Portugal (não esquecer as ilhas), Cabo Verde, Guiné-bissau, São
Tomé e Príncipe Angola e Brasil. Quem quiser que olhe para o mapa; as conclusões
resultam óbvias.
Acresce que estes países somam um
total de 230 milhões de cidadãos, que falam a mesma língua e que todos (uns
mais que outros) têm Democracias consolidadas e na generalidade com rotação
partidária. A única exceção é a Guiné-Bissau, que poderia até encontrar nesta
comunidade uma fórmula para o reencontro entre os seus cidadãos e a política.
Além das águas territoriais, este
Atlântico soma um território de 10 milhões de Km2 e um PIB de 2.613.000 milhares de milhões
de dólares. Numa segunda fase (ou já na primeira), poderiam juntar-se-lhe
Moçambique e Timor, o que elevaria a população a cerca de 250 milhões e a área
a 10,8 milhões de Km2, descontando as águas territoriais, que seriam talvez a
componente mais importante deste espaço cultural, económico e político. Ou
seja, mais do que o dobro da União Europeia e praticamente o mesmo que os
Estados Unidos.
Os que discordam de mim, costumam
contrapor dois argumentos. Primeiro, dizem, a debilidade económica deste espaço tira-lhe o interesse. Segundo, o facto de ser um conjunto de países onde abunda a corrupção,
por suposta comparação a outros do hemisfério Norte, nomeadamente da Europa.
O primeiro argumento parte dum
pressuposto real, para uma conclusão em meu entender falsa.
É certo que o PIB
per capita desta Atlântida é baixo, quando comparado com os da União Europeia
ou dos Estados Unidos. Cientes disso, não nos devemos
esquecer que o espaço europeu e americano estão em óbvio declínio económico, ao
mesmo tempo que os países do sul estão em franca expansão.
O último Relatório Sobre Desenvolvimento Humano das
Nações Unidas deixa bem claro que a dinâmica económica mundial se está a
deslocar do norte para o sul. Para citar apenas um indicador, no período entre
1980 e 2011, as trocas comerciais entre países enquadrados no conceito de sul,
cresceram de 8% para 27%, ao mesmo tempo que esse valor para os do norte,
passava e 46% para 27%. A óbvia conclusão é que o norte está dependente do sul
para crescer, enquanto o sul está cada vez mais dependente de si mesmo.
Os números da economia, também
não deixam margens para dúvidas. Enquanto as economias europeias se debatem com
excesso de dívida e com uma profunda crise que está a provocar um dominó
recessivo, o Brasil cresce cerca de 5% e Angola 7%. É verdade que uma parte substancial
deste crescimento se deve à extração de recursos naturais. So what? Não é melhor financiar o desenvolvimento com isso do que
com endividamento?
Acrescente-se que o Brasil tem
hoje uma dívida externa inferior às suas reservas e que em 2011 não
ultrapassava 13% do PIB (97% no caso dos Estados Unidos). O mesmo para Angola, cuja dívida é superada pelas reservas cambiais e não
ultrapassa 20% do PIB (120% em Portugal) .
Olhando também para o Índico, Moçambique cresce a uma média de 7,6% e o
endividamento não chega a 13% .
Neste panorama, o patinho feio é
mesmo Portugal, onde a cegueira europeísta nos conduziu a uma dívida equivalente a 120% e a uma recessão que já
vai quase nos 4 pontos.
A conclusão a tirar é óbvia. Além
da posição geoestratégica de primeira importância, além da dimensão
populacional e territorial, além de partilhar o mesmo idioma, o Atlântico de língua
portuguesa (ou, numa perspetiva mais alargada, o espaço de língua portuguesa),
é um todo em crescimento económico e com finanças mais do que desanuviadas. É
claramente uma área de crescimento económico e social, onde muito está por
fazer e que dispõe de condições materiais para fazê-lo. Se hoje, aquilo que estes
países têm para dar a Portugal parece óbvio, o que Portugal tem para lhes dar é
a sua ligação ao hemisfério Norte, é uma soberania marítima de grande dimensão que complementa a dos países equatoriais, são recursos humanos qualificados e
é uma visão internacionalista que talvez ainda falte aos demais, historicamente
mais voltados para a colonização interna.
Vamos agora ao segundo argumento
daqueles que não concordam com esta via: trata-se-ia dum conjunto de países onde
abunda a corrupção, por putativa comparação a outros do hemisfério Norte,
nomeadamente da Europa.
Sem negar a corrupção que por aí
há, revolta-me essa ideia feita de que no norte é tudo gente honesta e incorruptível,
enquanto no sul são um bando de malfeitores corruptos. Todos conhecemos os escândalos
que grassam por essa Europa. Os alemães têm vários casos de corrupção átiva e
passiva de que o episódio dos submarinos é uma ponta do iceberg. Nos Estados
Unidos, basta estar atento ao custo duma campanha eleitoral para somar dois
mais dois… ou então acreditar-se no pai natal. E para dar apenas mais um
exemplo, o último, quando eu já estava farto de ouvir que em Angola e Brasil é
só corrupção. Quando eu chamava a atenção para a condenação por corrupção do
ex-presidente Jacques Chirac. Quando eu, enfim, estava rouco de contra-argumentar
com os maus exemplos do norte dito desenvolvido e impoluto… ficamos hoje sabedores de que a polícia acaba de entrar pela casa de Christine Lagarde,a
presidente do FMI, por suspeitas de envolvimento num escândalo relacionado com favorecimentos a Bernarde Tapie.
Decididamente, tirem-me deste
filme, quero outro barco.
Luís Novais
PS: a foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau