quinta-feira, 7 de março de 2013

Na Morte de Hugo Chavez



Não podemos dizer que em Portugal se tira aos pequenos para dar aos grandes e depois criticar Chavez por fazer o inverso. Esperava-se que esses grandes não reagissem? Não, não se esperava e reagiram de forma brutal. Mas a paráfrase impõe-se: “Aguentam? Ai aguentam aguentam”.

Morreu Hugo Chavez. Alvo de controvérsias em vida, a morte não o poupa.

Nesta sociedade pós-moderna, em que se constrói a verdade a partir da palavra infinitamente repetida, convém talvez analisar a História como ela foi.

Eleito Presidente pela primeira vez em 1999, Chavez foi um homem com coragem para inverter toda a lógica do sistema económico em que vivemos: em vez de utilizar os recursos do país para garantir ganhos a uma classe de grandes empresários parasitários da riqueza nacional, distribuiu essa mesma riqueza por uma população que vivia miseravelmente. Em resultado, ao mesmo tempo que os ganhos dos 10% mais ricos diminuíam, baixava a taxa de pobreza de todo o país. "Judas foi o primeiro capitalista", ouvi-lhe uma vez.

Há quem o critique por esta opção. Há quem diga que os pobres estão a ser subsidiados e que assim não querem trabalhar. Muitos dos que o dizem, são os mesmos que deixaram de ter negócios facilitados pelo Estado e, subsidiado por subsidiado, prefiro os mais necessitados do que esses outros: os que iam de jato privado depositar em Miami um dinheiro extraído da Venezuela com a facilidade dos que traficam influência. Esses mesmos que, ainda por cima, são os primeiros a bater no peito contra o Estado, pelo liberalismo e pela concorrência.

Não podemos dizer que em Portugal se tira aos pequenos para dar aos grandes e depois criticar Chavez por fazer o inverso. Esperava-se que esses grandes não reagissem? Não, não se esperava e reagiram de forma brutal. Mas a paráfrase impõe-se: “Aguentam? Ai aguentam aguentam”.

No rol de controvérsias, outros reconhecem a Chavez o alcance social, mas criticam-no por ditador.

Esquecem-se de que foi eleito quatro vezes em escrutínios cuja veracidade democrática não é contestada (o último dos quais bastante renhido). Que alterou uma constituição anacrónica, mas pela via mais democrática possível: um referendo em que teve 71% de votos favoráveis. Que teve de enfrentar contestação na rua e não a reprimiu. Que sofreu um golpe de Estado (esse sim anti-democrático), apoiado pela CIA e provavelmente por Aznar. Quem não tem memória do famoso porqué no te callas, com que o monarca espanhol procurou calar-lhe esta denúncia? Um golpe que, diga-se também, foi fortemente apoiado pelas televisões privadas venezuelanas que ele, em resposta, silenciou. As mesmíssimas televisões, dos mesmíssimos grupos económicos, que depois tentaram aparecer como vítimas.

No plano internacional, ao mesmo tempo que alguns líderes europeus andavam de beijos e abraços a George Bush e apoiavam a maior mentira do século, Chavez denunciava a morte de civis no Afeganistão e no Iraque, por responsabilidade criminal desse outro presidente que, agora sim, fora eleito de forma mais do que suspeitosa. Picarescamente, chegou a chamar-lhe diabo e a denunciar-lhe um alegado odor a enxofre que não sei se é ou não verídico, porque tenho a felicidade de nunca ter estado perto do sinistro personagem.

O homem que acaba de morrer teve coragem para enfrentar alguns dos poderes internos que são responsáveis pelo que a Venezuela teve e tem de pior. E sobrou-lhe coragem também para enfrentar alguns dos poderes externos que são responsáveis pelo que o mundo teve e tem de pior. Impediu que uns poucos ganhassem o que era e é de um povo; impediu que, em Washington, umas tantas cabeças tratassem a Venezuela como se haviam habituado a tratar a América Latina no seu todo.

Não teve falhas? Caramba, claro que sim. Desconfio que se considerava providencial, ainda que estejamos a falar duma região em que o caudilhismo tem fortes raízes históricas. E falhou, isso sim, na vertente da segurança interna: a Venezuela é, hoje, um país com mais insegurança civil do que aquela que tinha antes da sua chegada ao poder.

Isto não lhe retira um saldo que vejo claramente positivo. A Venezuela que Hugo Chavez nos deixou é um país com mais justiça social e, nos dias que correm, esse é um grande feito.

Por tudo isto, não tenho qualquer dúvida de que o homem que acaba de morrer conquistou a pulso um lugar na imortalidade dos que, ao contrário dele próprio, são agnósticos: a História.


Luís Novais

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