terça-feira, 19 de março de 2013

Hoje sou cipriota, orgulhosamente


Sábado, 16 de Março, o Eurogrupo encosta o Governo do Chipre à parede. Perante a falta de liquidez da economia nacional, promete-lhe um resgate em troca do confisco de parte dos depósitos existentes nos bancos do país. 

A manobra é perigosa pelo que significa de abalo à confiança no sistema bancário (e esse intangível, a confiança, é um dos principais produtos que a banca vende), mas também pelo formato: a medida não se aplicaria através dum imposto, mas pela obrigatoriedade dos depositantes transformarem esse valor em ações dos respetivos bancos, ou seja, de os resgatarem forçadamente.

Nem faltaram as campanhas mistificadoras do costume. Desta vez, o dinheiro depositado nessas contas seria, na sua maioria, proveniente de negócios obscuros concretizados por máfias russas. O intuito é óbvio: criar a ideia de que tudo isto seria uma forma de fazer justiça.

Esta estratégia, de um populismo aterrador, chega a ser racista e equivaleria a prender todas os membros duma etnia porque, putativamente, a maioria dos seus elementos se dedicaria ao crime. Assim, sem mais nem menos, considerando todos culpados e, mesmo nos casos em que houvesse justa suspeita, sem investigar, sem considerar cada caso e, sobretudo, sem julgar.

Numa clara tentativa de manipular a opinião pública, foi o que se pretendeu fazer. Maior deturpação dos princípios de qualquer estado de Direito, não poderia haver. E o mais grave, é não ter acontecido em qualquer república das bananas, é não ter sido obra de um qualquer ditador militar acabado de chegar ao poder. Isto, acaba de acontecer na União Europeia.

Felizmente, a dimensão dos países não se mede aos palmos, menos ainda a dos seus estadistas, quando têm a sorte de os ter. Aparentemente entre a espada e a parede, os líderes cipriotas deixaram que a Europa se visse, ela mesma, encurralada. Hoje, o confisco foi a votação parlamentar e não obteve um único voto a favor.

O povo cipriota, que terá depositado as suas esperanças na adesão à União, estará agora pronto para apoiar o próximo lance: uma dramatização da posição geoestratégica do país, balanceando entre as potências que, historicamente, se confrontam por aqueles lados. Se qualquer ligação à Turquia é impossível na circunstância histórica atual, a Rússia ali está, como representante desse velho conflito entre as Europas Central e Oriental; um conflito que a História consubstanciou na divisão entre católicos romanos e ortodoxos, entre Constantinopla e Roma, entre Berlim e Moscovo, entre Kutuzov e Napoleão.  

Quarta feira, o ministro das finanças do Chipre, voa para Moscovo e Moscovo já prometeu assistência financeira ao país. Encurralada por um efeito dominó que pretende evitar a qualquer custo, tudo indica que a chanceler alemã irá perder esta partida e, com ela, uma União Europeia que se está a transformar num espaço político cada vez menos recomendável.

O pequeno Chipre acaba de dar uma lição a Portugal.

Um dos principais produtos que um país tem para oferecer ao mundo, é a sua posição geoestratégica. Enquanto o Chipre recusa a rendição e faz valer essa posição, os nossos governos insistem em não perceber que Portugal é um Chipre entre duas costas do mesmo mar. Preferem a agonia desta morte lenta e humilhante em que nos encontramos, a dar um passo que talvez seja a única garantia de que o país repetirá a façanha de fazer mais oitocentos anos.

Hoje, sim. Hoje sou cipriota; não por solidariedade, mas orgulhosamente cipriota.


Luis Novais

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