Foram precisos 153 anos para que a
cidadania não se comprasse com impostos. Pedir que se pergunte ao
contribuinte para legitimar decisões soberanas, é um retrocesso histórico de
que os reclamantes não terão, talvez, consciência.
A garantia dada por António Costa de que o Estado controlaria 51% da TAP a
bem ou a mal, reavivou um tema que o anterior
executivo fechou de forma desastrosa. Não é nada transparente que um governo de gestão, a dias de sair,
feche um negócio que se relaciona com a maior exportadora de Portugal, sobretudo
sabendo qual era a opinião dos partidos que, com ou sem “geringonça”, formavam
uma maioria no parlamento. Se alego apenas falta de transparência, é para não
ir mais longe.
Uma empresa com a importância estratégica da TAP, para um país que é turístico
e periférico, não pode ser tratada com uma leviandade destas. Estava visto que semeavam ventos e a tempestade aí está (a minha opinião sobre este tema já aqui a dei na devida altura).
O pior é que os defensores da privatização selvagem,
usam argumentos que não vão além de estafadas considerações liberais que a realidade está farta de
deitar por terra. Já era tempo para moderar o diapasão, depois do que nos aconteceu
com a PT, o BPN, BPP, BES, BANIF e outros que para aí vêm; e isto para referir apenas exemplos nacionais. A utopia liberal é como as
demais, quando são geridas apenas com emoção e sem um pingo de racionalidade: Causam cegueira, em vez de
indicarem caminhos.
Um dos argumentos em voga é arvorarem-se em donos do dinheiro dos
contribuintes. As redes sociais andam
cheias de frases do tipo “não quero que
os meus impostos sejam usados assim”, ou “já alguém perguntou aos contribuintes se querem continuar a financiar esta empresa?”
Não vou discutir a inverdade da
última afirmação, porque a realidade é que não há dinheiro do Estado no balanço
da transportadora aérea. O mais chocante nem sequer é esta falácia, se não a deturpada
visão do sistema democrático revelada por tais argumentos.
Há décadas que andamos a privilegiar a formação técnica sobre a humanista,
e a consequência é uma geração de tecnocratas que sabem fazer, sem perceberem
porquê e para quê. Um dos resultados é esta ideia peregrina de ver o
país como se fosse uma sociedade anónima em que, aí sim, o dinheiro é dos
acionistas.
Os impostos não são de quem os paga mas do Estado, e quem
legitima as decisões políticas relativas ao seu uso não é o contribuinte, mas o cidadão, através dos órgãos
próprios.
Nem sempre foi assim, e tivemos um longo percurso até atingir uma
democracia de voto universal. Durante muito tempo, os regimes liberais
condicionaram o sufrágio, sobretudo em função de critérios fiscais, mas também de propriedade, de grau
académico, de género, de raça e até de situação familiar. Portugal não fugiu a este modelo: A
discriminação eleitoral no nosso país começou em 1822 e só terminou com a
eleição da primeira assembleia constituinte em 1975, que foi a primeira a ser escolhida por voto universal direto.
Foram precisos 153 anos para que a cidadania não se comprasse com impostos.
Pedir que se pergunte ao contribuinte para legitimar decisões soberanas, é um
retrocesso histórico de que os reclamantes não terão, talvez, consciência.
Luis Novais
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