terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O CICLO INFERNAL



O custo da dívida somado ao da salvação da banca, está com um nível de insustentabilidade que originará uma política fiscal ainda mais expansiva, levando a mais falências e à desistência de muitos pequenos e médios empresários, provocando um incremento da emigração, ou seja, uma diminuição de contribuintes.

Ainda a procissão vai no adro e as diferentes estimativas oscilam entre 13.000 e 20.000 milhões de euros, como valor total dos balões de oxigénio que o Estado português já meteu na moribunda banca nacional. Aguardam-se novas revelações dos casos do BES/Novo Banco e Montepio. Os valores finais serão necessariamente maiores: se o BANIF representava 4% da atividade bancária e custou quase 4.000 milhões, por quanto nos ficarão os 25% do BES?

Os números em abstrato nada dizem, e por isso fiz um pequeno exercício sobre o seu significado relativo, considerando o valor mais baixo e o mais alto dos diferentes cálculos. O valor do PIB  é o de 2014 e as despesas públicas as previstas no OGE de 2015.

São entre 76.000% e 11.170% do que gastamos em proteção do património, entre 3.600% e 5.000% em Ciência e Tecnologia, 840% e 1.300% em segurança interna, 600% a 900% em diplomacia e relações internacionais. São de 160% a 260% dos gastos em educação e 109% a 160% dos de saúde.

Comparando com os diferentes ingressos públicos, são 49% a 76% da maior receita do Estado, os impostos indirectos (IVA, ISP, Tabao etc), 62% a 95% das contribuições sociais e 67% a 103% dos impostos diretos (IRS, IRC e IMI). 

Partindo para os números gerais: 7,5% a 12% do PIB e 15% a 23% do Orçamento Geral do Estado (OGE). 

Chega? Não. Nos últimos cinco anos, Portugal terá pago cerca de 35.000 milhões de euros em juros da dívida pública, ou seja, o equivalente a 41% do OGE de 2015 e mais do aquilo que se gastou em educação durante esses mesmos 5 anos. Se a este valor somarmos os 13 a 20.000 milhões das ajudas à banca, temos um retrato da nossa insustentabilidade.

Uma situação destas tem duas saídas: uma corresponde a cada cidadão, outra ao Estado. A primeira tem a ver com a estratégia de vida de cada um, a segunda com uma nova estratégia nacional. E não há dúvida de que, se o Estado não resolve o problema pela via do país, cada cidadão terá de resolver pela via da emigração; uma consequência lógica da incapacidade financeira para ficar, e também duma compreensível falta de vontade para assumir uma dívida e uma gestão bancária, que não foram da responsabilidade individual daqueles que agora são chamados a pagar.

Curiosamente, num artigo recentemente publicado no jornal peruano “La República”, Paul Krugmen comentava a sua passagem por Portugal, fazendo uma reflexão sobre o impacto da emigração no agravamento das contas nacionais. O Nobel da economia analisava o montante da dívida portuguesa e concluía por uma “espiral de morte” na demografia nacional: “Se a força laboral diminui devido à emigração, o serviço da dívida requererá impostos mais altos para os que ficam, e poderia levar a mais emigração”. A espiral de morte transforma-se em ciclo infernal, quando lhe somamos o impacto negativo nas PME’s, também elas alvo de abusos e duma total discricionariedade por parte da administração fiscal.

A conclusão é muito clara: O custo da dívida somado ao da salvação da banca, está com um nível de insustentabilidade que originará uma política fiscal ainda mais expansiva, incrementando falências, a desistência de muitos pequenos e médios empresários e a emigração, ou seja, uma quebra acentuada no número de contribuintes individuais e coletivos. Claro como água: Estamos no tal ciclo infernal.

Outra alternativa é que o Estado assuma o problema de frente e proceda a reformas nos modelos económico e geoestratégico. Defendo não ser com um capitalismo financista assente em mega corporações que nós e outros poderemos mudar de ciclo, defendo que não temos estofo para estar no euro e que a Europa não é o nosso caminho, assim como nunca foi.

É curioso que por vezes nos refugiamos no mundo da ficção para defender aquilo em que acreditamos. Tudo o que acho sobre aquilo que estamos a viver e sobre o caminho que penso devermos seguir, escrevi-o em 2010 e em 2011, em dois romances: “O Heroico Major Fangueira Fagundes”, primeiro, e a “Crónica d’Orelhudos”, depois. Se a ficção pode antecipar a realidade, também esta pode ultrapassar aquela!

Voltarei a este tema.


Luís Novais 

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