Talvez seja um fenómeno que ainda não está generalizado, mas os percursores aí estão e a História já nos ensinou que é com eles que o futuro se constrói.
Ao mesmo tempo que a classe média
dá sinais de começar a reagir ao intenso ataque a que tem sido sujeita, há no
ar um ambiente de mudança mental que parece adivinhar o fim de uma era de depredação
consumista e o começo dum período em que o sóbrio e o simples suplantam o
esbanjamento e a ostentação, ou, numa palavra, o consumismo.
Uma breve análise às lideranças
que estão a conseguir uma repercussão positiva à escala global, ajuda-nos a compreender
quais são os gurus do nosso tempo e, com eles, as tendências da atualidade.
Em primeiro lugar tivemos Pepe
Mujica, o ex-presidente uruguaio, que na Conferência das Nações Unidas pelo
Desenvolvimento Sustentável (Rio de Janeiro 2012), denunciou
a ganância e a destruição do capitalismo consumista: “Pobre não é aquele
que tem pouco, mas aquele que precisa de infinitamente muito, e deseja mais e
mais”. A figura de Mujica ganhou repercussão mundial não só por intervenções
como esta, mas pela condizente vida que levava na sua pequena quinta, onde
produzia para auto-consumo, e pelo velho Volkswagen carocha que conduzia de casa para
o palácio presidencial e do palácio presidencial para casa.
Este mesmo estilo de vida é levado por outro dos líderes mundiais com mais reconhecimento e apoio público: o Papa
Francisco, que optou por não viver no pomposo palácio apostólico, mas num simples
quarto da sua congregação.
O mesmo se verifica na vertente empresarial,
onde o fenómeno de Steve Jobs não se justifica pelo seu êxito empresarial, mas pelo
desprendimento com que comunicava, desde o discurso oral até ao tipo de roupa
que vestia… ainda que paradoxalmente tudo tenha servido para incentivar consumo.
Estas lideranças icónicas são
acompanhadas por um profundo debate filosófico, dominado pela apologia do
decrescimento económico, que tem em Ivan Illich (1926-2002) um dos seus
percursores e é conduzido por pensadores como Serge Latouche, que prefere falar
em acrescimento (por analogia a ateísmo), querendo com isto dizer que devemos
abandonar o dogma do crescimento como algo que se justifica em si mesmo, ou
seja, como uma espécie de sucedâneo do bíblico “sou Aquele que é”.
Há dias entrevistei Gastón Acurio, o
grande artificie do reconhecimento
mundial de que hoje goza a gastronomia peruana, que já é considerada a
melhor do mundo pelo World Travel Awards. Depois de me oferecer um cebiche
vegetariano, Gastón, que tem um dos
restaurantes mais caros e faustosos de Lima, contava-me que vai alterar o
conceito e torná-lo num espaço simples, onde a sustentabilidade seja a base de
todo o conceito gastronómico. “Temos de partir para um modelo que respeite a
natureza – dizia-me - Vamos ter apenas produtos de estação e fomentaremos o
consumo de mais vegetais e menos carne ou peixe, porque o mar não aguenta a
pressão que lhe estamos a fazer”.
Depois desta entrevista, enviou-me
um email com declarações
dadas nesse mesmo dia pelo famoso chefe inglês Jamie Oliver, nas quais, além de
citar Acurio pela sua preocupação com a dimensão social dos alimentos, fazia a
apologia dos nutrientes naturais, criticava a alimentação ultraprocessada e afirmava
que “a batalha contra os gigantes da alimentação é como aquela que se travou em
tempos contra os gigantes do tabaco”. Nesse email, Gastón comentava-me que “não
nos conhecemos, nunca falamos, mas estamos na mesma batalha”.
Pepe Mujica, Papa Francisco, Gastón Acurio, Jamie Oliver. Os indícios
anunciadores do despontar de uma nova mentalidade são vários. Encontramo-los no
reconhecimento que têm estes líderes que fazem a apologia da simplicidade. Encontramo-los
nos movimentos filosóficos que contestam a depredatória necessidade do
crescimento contínuo. Encontramo-los numa área tão fundamental como é a
alimentação.
Talvez seja um fenómeno que ainda não está generalizado, mas os
percursores aí estão e a História já nos ensinou que é com eles que o futuro
se constrói.
Depois de ser manipulada por
campanhas maciças que a levaram a consumir mais e mais, a endividar-se, a
querer aquilo de que não precisa, a ambicionar o que não podia usufruir... Depois
de tudo, talvez esta seja a revolução mental com que a nova classe média se
prepara para castigar os que lhe venderam, os que a endividaram, os que a
levaram a querer o inútil e acessório. Se assim for, estaremos a viver tempos
interessantes, aqueles em que a História se faz.
Luís Novais
Foto: Unplash
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