Quando 40% das vendas mundiais são controladas por apenas 147 empresas,
não há como argumentar com a excessiva dimensão do Estado para atacá-lo por ineficaz.
Pertenço a uma geração que
cresceu sob uma intensa campanha promovida por comentadores, académicos e
outros fazedores de opinião. Diziam-nos que o Estado era mau gestor e que a
explicação era muito simples: Não pertencia a ninguém, não tinha concorrência e
era grande de mais para ter controlo.
Propriedade e concorrência seriam
os dois catalisadores capazes de levar qualquer atividade à eficiência, com
vantagens óbvias para o consumidor, essa entidade em que, gradualmente, se metamorfoseava
o cidadão.
Está mais do que
estudada a conjugação de interesses que
levou a formatar uma geração para viver de acordo a este modelo e problematizar esse tema não é, por agora, o meu objeto. Não resisto, contudo, a dizer que tornar
as universidades excessivamente dependentes do mercado, as
transforma em centros de pensamento monolítico, incapazes de produzir qualquer
contraditório científico ou humanístico. Diga-se também que a concentração dos
meios de comunicação conduziu ao mesmo.
O que sim quero abordar são os
fundamentos com que se atacou o Estado e se justificou o seu emagrecimento
bulímico, com a consequente entrega a privados de quase todos os serviços
públicos.
Comecemos pelo putativo monopólio
estatal. Em primeiro lugar, trata-se dum problema que ocorreu, sim, mas no
mundo empresarial dos nossos dias. Eu sei que há autoridades da concorrência
para evitá-lo e, por exemplo, todos estamos lembrados de que, em finais dos
anos 90, a Autoridade da Concorrência vetou a compra da CENTRALCER pela UNICER.
Esquecemo-nos que a regulação dos
Estados funciona nacionalmente e os casos em que a OMC intervém à escala global
são reduzidos e muito circunscritos. Hoje em dia é quase anedótico que a
autoridade portuguesa da concorrência tenha impedido esta fusão, quando já
temos consciência da concentração que se verifica no mercado global. Um estudo efetuado em 2011 por três
investigadores da Universidade de Zurique veio demonstrar que a
economia global estava controlada por um reduzido grupo de apenas 1.318
empresas, que detinham 40% das vendas mundiais. O pior é que este grupo é
controlado por outro ainda mais restrito: nada mais do que 147 megacorporações
de topo. Cinco anos depois deveremos ter uma concentração ainda maior.
A quem queira comprovar
empiricamente esta realidade, basta percorrer as prateleiras dum supermercado e
contar pelos dedos os produtos que não são, direta ou indiretamente,
controlados por uma das seguintes marcas: Mondelez, Kraft, Coca-Cola, Nestlé,
Pepsico, P&G, Johnson&Johnson, Mars, Danone, General Mills e Kellogg’s.
E o que se passa com os bens de consumo, passa-se de igual maneira noutras
áreas essenciais: Comunicação social, companhias aéreas, bancos, industria automóvel
etc. (ver
dados aqui)
Quando 40% das vendas mundiais
são controladas por apenas 147 empresas, não há como argumentar com a excessiva
dimensão do Estado para atacá-lo por ineficaz.
É certo que estas empresas são
privadas e o Estado não, e por isso aplica-se-lhes o segundo axioma: São de
alguém. Hoje em dia, essa é outra falsa questão. Quem sabe dizer a quem
pertencem as megacorporações? Sim, eu sei, pertencem aos acionistas. E quem são
esses acionistas? Investidores anónimos que já não estão interessados no valor
que as empresas possam gerar, mas na especulação das suas ações, nem que para isso provoquem
destruições de valor de dimensão bíblica. Sabemos que a recente crise se deveu
em grande parte a uma gestão empresarial orientada a obter resultados imediatos
no mercado bolsista.
Um insustentável peso e a
inexistência de concorrência são, assim, as outras duas causas duma alegada
ineficiência do Estado, que hoje se aplicam mais ao setor privado do que ao
público.
O reforço da democracia e uma
cidadania cada vez mais livre, mais informada e reivindicativa, fizeram com que nas
últimas três décadas assistíssemos à implementação de mecanismos muito
apertados de controlo do Estado. Os princípios orçamentais, os tribunais de
contas, oposições atuantes, a vigilância de organismos supranacionais como a
União Europeia… Tudo isto conduziu a que políticos e funcionários estejam hoje sujeitos
a um controlo muito estrito e difícil de contornar. Por outro lado, o setor público
emagreceu imenso, devido às privatizações, à transferência de serviços
para privados, às APPs etc.
Como consequência, hoje temos um Estado
debaixo de lupa e com uma dimensão muito reduzida, ao mesmo tempo que, no
terreno privado, as doutrinas desregulatórias de Reagen e Thatcher se foram universalizando
e a globalização permitiu um desmapeamento de empresas e capitais que torna
impossível qualquer controlo.
Paradoxalmente, a situação e os
argumentos inverteram-se: se compararmos com quatro décadas atrás, os Estados são
hoje como eram os Empresas e as Empresas como eram os Estados. Não são
controladas, têm uma dimensão superior à boa gestão, crescem sem concorrência e
não são de ninguém. É essencial regulá-las, acabar com oligopólios, encontrar
mecanismos que não lhes permitam crescer até à dimensão que têm e fazer com que voltem a ter dono. Devíamos pensar em reforma-las antes de
propagarmos doutrinas neoliberais e, sobretudo, antes de privatizar mais e mais
serviços públicos.
Luis Novais
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