segunda-feira, 18 de maio de 2009

Na Feira do Livro de Lisboa

Ontem estive na Feira do Livro de Lisboa. “Os Parricidas” foi o livro do dia no pavilhão da editora Civilização e portanto ontem foi dia de autógrafos.

Também aproveitei para regressar com mais uma dezena de livros. E gostei da feira.

O que mais me chamou a atenção não foram os livros e o público e os autores. O que mais me chamou a atenção foi o que pode parecer um pormenor. Não sei porquê: tenho esta tendência: reparar em pormenores. Mas como tenho a mania das grandezas faço-o vendo no que é aparentemente pequeno aquilo que o que é aparentemente pequeno tem de grande.

Uma rapariga. Estava a distribuir um papel. Um papelito. Um papelito escrito a preto sobre o branco. Estendeu-me um. Ainda tentei evitá-la: parecia-me o anúncio de mais um astrólogo ou quiromante ou adivinho. É possível que já ninguém repare nos papéis que os astrólogos e quiromantes e adivinhos nos deixam nos vidros e nas frinchas das portas dos carros. E sendo assim: os astrólogos e quiromantes e adivinhos poderiam estar a mudar de estratégia: poderiam estar a distribuir os seus papéis na feira do Livro de Lisboa. E foi com esta ideia que aceitei receber o papel que a rapariga me estendeu. E ainda eu o não tinha na minha mão e já com os olhos buscava o cesto de papéis mais próximo.

Ainda assim tive tempo de olhar para aquela folha branca com caracteres pretos.

E não: não era o papel dum astrólogo ou quiromante ou adivinho. Era um anúncio é verdade que era um anúncio. Um anúncio artesanal, é certo. Mas um anúncio. Começava com um “EVITE” à laia de título. E quando vi o “EVITE” do título: já eu estava novamente à procura do dito cesto de papéis. Depreendera que se seguiria qualquer coisa como “…a queda do cabelo” ou “…a fadiga sexual”.

Sorte que o cesto de papéis não estava próximo. E enquanto caminhava li instintivamente a linha que se seguia à do “EVITE”: “Evite que a arte de encadernação se extinga.” Parei. Aquela linha convenceu-me a ler a seguinte: “Que uma encadernadora seja fechada por falta de trabalho.” E desta para a seguinte: “Que três famílias acabem no desemprego.”

Agora eu já queria ler tudo o que faltava: “A encadernadora foi fundada em Agosto de 1.970 (assim mesmo: em Agosto de 1.970) por João F. Augusto. Hoje com 82 anos continua se esforçando pra levar em frente a arte de encadernação.” E depois: “Trabalhando com perfeição e honestidade fazemos encadernações simples a luxo e restauros.” Mudança de linha: uma só palavra: “AJUDE”. E prossegue: “Precisamos no mínimo mais 50 encadernações por mês pra manter a loja e funcionários. Colabore trazendo um livro para encadernar.”

Naquele momento eu já não estava na feira do Livro de Lisboa. À minha frente imaginava o Sr. João F. Augusto. Imaginava-os com oitenta e dois anos. E agarrado a livros que contam histórias ou que falam de filosofia ou que falam de ciência. Milhares de livros até aos 82 anos. Fiz contas de cabeça: o Sr. João F. Augusto teria perto de quarenta anos em 1970 quando abriu A Encadernadora. Quarenta anos. O que o terá feito mudar de vida? O que o terá feito largar o que estava a fazer e abrir a encadernadora? Que sonhos teria? Que realização prosseguia? E fê-lo: largou o que estava a fazer e abriu A Encadernadora.

Quantas pessoas terão levado os seus livros à A Encadernadora? Relíquias de família que queriam restaurar. Ou livros aos quais queriam dar nova dignidade. O que significariam esses livros para essas pessoas? Que memórias lhes trariam? E tudo isso ali: na oficina que o Sr. João F. Augusto fundou em Agosto de 1.970. assim mesmo como está: 1.970.

Para mim e agora o Sr. João F. Augusto já não era o Sr. João F. Augusto. Era uma metáfora: uma personagem. Um símbolo da voragem da história. Da autofagia com que nos consumimos: até ao tutano a consumirmos o outro: convencidos de que o nosso próprio tutano esteja a salvo. Não está!

É literatura pura o Sr. João F. Augusto. E a história que dele me veio lembrou-me um outro personagem: esse oleiro de A Caverna. Eu não sabia se o oleiro de Saramago existira ou não na realidade. Mas sim, ele existe. Se outro nome não tinha tem o de João F. Augusto.

E já agora, se tiverem livros para restaurar ou para dignificar: o Sr. João F. Augusto precisa de mais cinquenta encadernações por mês para manter a loja e os funcionários. E o Sr. João F. Augusto está em Lisboa na Rua Infantaria 16, nº 22. E tem telefone: 213855068. E tem até email. alpendrepintor@hotmail.com.

2 comentários:

  1. Também recebi esse papel e também achei muito curioso. Vou tomar nota da morada do senhor joão augusto... eu tenho uma pessoa que restaura livros antigos, mas às vezes dá jeito ter alternativas
    Vou começar a ler o seu Machu Pichu
    manuela goucha soares

    ResponderEliminar
  2. Menino, passei por lá e estavas muito compenetrado à conversa com um "fã"... a tirar notas num bloco e tudo! Estava cheia de pressa e nem um beijinho te consegui mandar. Mas fiquei toda orgulhosa de te ver lá na cadeirinha ;)

    ResponderEliminar