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Quebre-se o tabu e discuta-se a União
Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e
nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o
continente.
O desespero dos portugueses é, hoje,
óbvio e justificado. Nas redes sociais abundam as sugestões para debelar a
crise, muitas delas assentes em exigência de diminuição do número de deputados,
cargos públicos e quejandos. Estas sugestões podem até ser justas e aliviam,
mas não resolvem a nossa situação. A olhómetro, sem fazer contas, é fácil
tirar uma conclusão: com estas medidas quase nada mudaria no nosso deficit crónico. Não
discuto a justiça, discuto a eficácia.
O que trouxe Portugal até aqui
não foi o facto de ter algo mais do que duas centenas de deputados e não sei
quantos ministros. Tão pouco foi o facto desses ministros terem motorista e
carro oficial. O que nos trouxe aqui foram as políticas, foram os modelos
adotados.
Claro que os políticos têm muita
responsabilidade. Mas os cidadãos, todos nós, também. Se é certo que muitas
vezes fomos enganados, também é certo que outras tantas preferimos deixar-nos
enganar, por uma cómoda anestesia em que o presente contava sempre mais do que
o futuro.
Finalmente, o futuro chegou. Sentimos o desespero e com o desespero já sabemos o que não queremos. Todavia, o
único lugar onde é bonito saber para onde se não vai sem que se saiba para
onde ir, é nessa magnifico poema de José Régio. A vida é, infelizmente e por
norma, diferente da poesia. Na vida temos de saber o que querer de cada vez que
sabemos o que não querer.
A energia da revolta precisa de
ser canalizada para o debate sobre as alternativas, sob pena de que, como nos
querem fazer crer, não haja mesmo alternativa à política atual. Uma política que
não está a tentar salvar o futuro, como nos dizem, mas o passado: os modelos sociais
do passado, os privilégios do passado, a geoestratégia do passado, a economia
do passado.
Os que não queremos o que está,
temos de ser capazes de apontar caminhos.
Nestes textos, buscarei dar o meu
contributo de cidadão, por vezes coligindo algumas coisas que fui escrevendo
noutras ocasiões.
Uma Nova Geoestratégia para Portugal.
A Europa tornou-se um tabu.
Durante três décadas, questionar a via europeia quase redundava em excomunhão
política. Contudo, ao mesmo tempo que nos estendia parca esmola, essa Europa exigia-nos
a destruição de todo o nosso setor produtivo. Foi uma espécie de velho ditado,
mas ao contrário: se queres ajudar, dá-lhe dinheiro para que desaprenda de
pescar.
Isso foi o que nos fizeram:
levaram-nos a quebrar a nossa cana de pesca e nós quebramo-la alegremente
porque alguns ganhavam euros fáceis com ações de formação e consultorias
e outros ganhavam umas migalhas, igualmente fáceis, frequentando essas
mesmas ações. Sem falar nos que fizeram obscuras fortunas, claro, que esses são ou deveriam ser casos de polícia. Prometiam-nos que, no fim, o país estaria mais qualificado e
poderiam os portugueses entrar numa nova era económica. Vê-se o resultado.
Quebre-se o tabu e discuta-se a
União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e
nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o
continente. A Europa sempre foi, para nós, um espaço de intensa e necessária diplomacia
e não um espaço de integração política. Com exceção do Reino Unido, mais nenhum país europeu pode afirmar o mesmo.
Duma forma ou doutra, todos tiveram o continente como epicentro político. Nós
não. Terminada a reconquista, todo o Portugal lhe virou costas e se voltou
ao Atlântico. As poucas aproximações continentalistas, sempre redundaram em
tragédia, como aconteceu quando os Filipes nos imiscuíram nas suas lutas
europeias e nos afundaram numa armada que diziam invencível.
Somos atlânticos, não somos
europeus e sempre que o quisemos ser, a farsa que nos relata Eça terminou em
tragédia, como se comprova historicamente.
Veja-se para aonde emigram hoje os nossos recursos humanos mais qualificados: para Angola e Brasil.
Veja-se para aonde se voltam as nossas empresas, para África e América
Latina. Veja-se onde sentimos a nossa continuidade cultural, a nossa identidade
linguística… sempre e sempre no sentido oeste que “de leste nem bom vento nem
bom casamento”, interessante expressão e grande metáfora que não por acaso nos trouxe o passado.
Em vez de estarmos metidos num
barco onde não nos sentimos confortáveis, seria tempo de estreitarmos laços com
o Atlântico de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé.
A geoestratégia do futuro (do
presente) passa grandemente pela ligação Índico-Atlântico e Atlântico-Pacífico.
O Brasil sabe isso perfeitamente, razão por que está a investir imenso na
integração rodo-portuária com os dois países da América do Sul que podem ligar
o seu interior ao Pacífico: o Peru e o Chile.
Se formos capazes de participar na
construção duma União Atlântica (gosto de chamar-lhe Atlântida) estaremos a
fazer algo de grande, onde poderemos partilhar grandeza. Todos estes países
formam uma territorialidade marítima (não esquecer os Açores e a Madeira) que, a unir-se, criaria o fenómeno político do Sec XXI e,
unidos pela mesma língua, teriamos uma
economia e uma cultura pujantes.
Qual é a contrapartida? Que continuemos a arrastar-nos por uma Europa que se odeia a si mesma e que nos despreza.
Mas, é claro, para isso seria
necessário que deixássemos de ter obedientes contabilistas no poder e passemos
a ter estadistas determinados.
Um desabafo final
Enfim, sentindo-me revoltado,
como quase todos os portugueses, não posso deixar de procurar o que quero mais
além do que não quero. Esta é a minha partilha. Outro tanto teria a dizer sobre
o modelo económico e social, mas isso deixo para outra ocasião. Por hoje,
para sonho e para me dar alguma alegria, basta-me pensar nesta Atlântida.
Luís Novais
* À foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Arquipélago de Bijagós, Guiné-Bissau
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