Nas redes sociais assiste-se a um avolumar da revolta que vai sair caro a este governo e sobretudo a Portugal. Quem analisar os comentários e tiver amigos de várias vertentes políticas, como sucede ser o meu caso, percebe que a tensão é muita e, quando explodir, aqueles que seriam a base de apoio dos partidos no poder estarão desmoralizados, incapazes de reagir, quando não também eles extremamente revoltados.
O anúncio de ontem não contribuiu
em nada para inverter esta situação, nem no conteúdo, nem na forma.
Quanto ao conteúdo, nem é
necessário dizer porquê, mas lá poderá o Governo dizer que não tem alternativa.
Quanto à forma, essa sim poderia e deveria ser diferente. Caramba, desde que os
gregos criaram a tragédia, sabemos que o pathos (sofrimento) antecede a catarse.
Um mecanismo que Sócrates (o que acreditava na Verdade e não o outro) bem
explicitou quando lhe soltaram as correntes com que o prendiam, nesse dia em
que tomou a cicuta: “que
extraordinária coisa é aquilo a que os homens chamam prazer. Em consequência da cadeia, sentia na minha perna a
dor, mas agora vai o prazer tomando o lugar dela” (“Fédon”). Ou seja, o prazer pode ser resultado da
ausência de dor.
Esta descoberta, que já tem mais de 2.500 anos, criou um modelo para a
ficção e para a comunicação: criar tensão, para que a distensão seja catártica.
Sabem disto qualquer caloiro de comunicação e qualquer roteirista de
telenovelas. Para o contrário, provocar o pathos depois da catarse, só encontro
um nome: sadismo. Uma técnica que usam muito os outros roteiristas, os de
filmes de terror.
Posto isto, se não concordo com o conteúdo daquilo que o
Primeiro-ministro anunciou ontem, quanto à forma não a entendo mesmo. Começou pela
catarse (devolver um subsidio aos funcionários públicos), para em seguida
disparar com o pathos (um aumento de impostos que vai levar tudo o que acabara
de se oferecer). Que se pretendia? Terão os comunicadores de São Bento a
ingenuidade de pensar que conseguiriam iludir a realidade? Que todos os
funcionários públicos sairiam a festejar e que não perceberiam que afinal ficava
tudo na mesma?
Esta crença na ilusão da palavra não é uma originalidade nacional. Os
políticos estão atacados por esse vírus que criou a crise da pós-modernidade:
deixaram de acreditar na transcendência da Verdade, a verdade passou a ser a
palavra e aquilo que pela palavra possa ser transmitido, um modelo que tem origem
nessa famosa ideia de Walter Lipmann: “há que fabricar o apoio”.
Sócrates (agora o José) era mestre nesta técnica, que em linguagem
popular se resume na ideia de que a mentira repetida 10 vezes se transforma em verdade. Quanto ao
exercício de ontem, foi tão rocambolesco que chegou a ser uma caricatura.
Obviamente que ninguém se deixou enganar. Parece que, de tão usada, a
técnica se gastou a si mesma. Ainda bem. Tenho agora esperança que o cansaço
das consciências que consentem obrigue a que a Verdade volte a ser.
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