Se o mundo da finança está tão tranquilo, tudo continuará na mesma. Os economistas do PS estiveram ao telefone com as agências e também António Costa já tem uma agenda neoliberal. A social-democracia segue dentro de momentos…
A Schroders deu-se à despesa de financiar uma deslocação do “Jornal de
Negócios” a Londres, para entrevistar Azad Zangana, seu economista chefe. Não
estou a criticar o referido jornal, que assumiu transparentemente a situação; apenas tento perceber o objetivo deste convite, para mais feito
por uma empresa que entende melhor do que ninguém o significado da palavra “investimento”.
A ideia que Zangana quis passar resume-se em poucas frases: Que não vê
problema num governo do Partido Socialista mesmo apoiado pelos partidos à
sua esquerda e que o PS já governou antes e as pessoas viveram felizes e
contentes.
Alguns amigos socialistas e apoiantes da solução parlamentar que António
Costa negociou, apressaram-se a colocar a respetiva ligação nas redes sociais,
resplandecendo também eles de felicidade e alegria: Afinal os investidores não
estariam assustados.
Esta alegria é a minha tristeza. Significa que nada vai, afinal, mudar.
Em primeiro lugar é preciso que se note qual é o tipo de investidor que
serve uma entidade como a Schroders. Não se trata do industrial, do pequeno empresário
ou do empreendedor inovador. Quando falam em “investidor”, referem-se ao
financeiro especulador que, em vez de criar riqueza, destrói valor. Esse mesmo
que depois de guardar para si os ganhos, põe a sociedade a pagar as suas
aventuras especulativas.
Acredito que a generalidade dos que não aceitamos a visão neoliberal que
nos tem governado, não somos contra o modelo económico assente na iniciativa
privada, mas sim a favor duma opção política assente na defesa do trabalho e da
função redistribuidora do Estado. Qualquer confusão entre isto e o alerta de
que vamos regressar ao PREC, ou de que há uma perigosa agenda leninista, não
passa de propaganda.
Estamos num confronto, sim, mas entre a parcela da riqueza gerada que remunera
o trabalho e aquela que remunera o capital. Trabalho e capital são duas componentes
importantes, não tenho qualquer preconceito contra este último e reconheço-lhe
o papel. Mas a questão é essa: ambos são importantes e ambos devem partilhar de
igual maneira os bons e os maus momentos da economia.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, a riqueza criada em Portugal entre
2010 e 2014 teve uma quebra de 4,5%, enquanto a massa salarial desceu 10%. Simultaneamente, o volume destinado ao capital aumentou quase 6% .
Nada disto é novo. Desde o seculo XIX sabemos que o trabalho não consegue
competir com o capital quando este é deixado em completa liberdade.
Durante as eleições e no período pós-eleitoral, aquilo que esteve em
confronto não foi o modelo económico do país, mas apenas uma maior preponderância
da finança, representada pela coligação, e uma maior representação do trabalho,
no programa do Partido Socialista. Nenhuma das soluções punha ou põe em causa a
iniciativa privada ou a economia de mercado, apesar dos fantasmas que andam por
aí a ser levantados.
Não sou liberal e defendo uma política pública assente na evolução que
tivemos depois da segunda guerra mundial. Para mim, os governos têm um papel na
redistribuição e na garantia da coesão social. É por isso que esta alegria da
Schroeders é uma péssima notícia e não percebo como pode ser aplaudida por
aqueles que andaram 4 anos a queixar-se da quebra de salários e de reformas… Se
o mundo da finança está tão tranquilo, tudo continuará na mesma. Os economistas
do PS estiveram ao telefone com as agências e também António Costa já tem uma
agenda neoliberal. A social-democracia segue dentro de momentos…
Luís Novais
Foto: DasWortgewand
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