Mais e não menos humanidades em todo o sistema educativo, fornecendo ferramentas para um exercício pleno da cidadania; acredito que esse seria o caminho estruturante para evitar a proliferação de jovens perdidos, que buscam na radicalização a resposta para as suas angústias.
Admirador que
sou da obra de Dali, sempre me intrigou a sua relação com Gala. Gala não era bonita, excecionalmente culta, dotada de grande inteligente ou com produção artística.
Mas foi a ela que o génio se dedicou e, em grande parte, se submeteu.
Dali era um
homem livre, na verdadeira aceção da palavra. Dizia o que pensava, fazia o que
queria e apenas dependia de si para sustentar uma vida extravagante. Que papel podia desempenhar uma mulher como Gala na sua existência?
Por vezes temos
de ir aos lugares, vendo e respirando o mesmo ar para entender certos fenómenos
comportamentais. Um dia visitei a casa castelo de Púbol que o artista ofereceu
à musa, e lembro-me da intuição: Sendo a liberdade uma aspiração tão difícil de
gerir, pode ser insuportável em absoluto. Nessa perspectiva, Gala seria a
fronteira que limitava Dali.
Em 1941 o
psicanalista e filósofo Erich Fromm publicava uma obra onde falava no medo da
liberdade. A sociedade do sucesso económico individualista teria criado seres
humanos isolados que, ou não se inserem socialmente, ou procuram limites à
sua liberdade aderindo a grupos e seitas que lhes impõem limites.
Em grande parte,
acredito que isto explica a expansão de alguns fundamentalismos religiosos. Na América
Latina, onde vivo, difundem-se rapidamente certas correntes evangélicas com um
grande radicalismo moral. Conheço pessoalmente alguns casos de ex-delinquentes, com uma vida anterior desnorteada, que
se converteram (ou, como dizem, voltaram a nascer) e que estão entre os mais
acérrimos seguidores das “verdades bíblicas” literais, contra aquilo que consideram desvios morais, como é o caso da homossexualidade.
Voltei a pensar
nisto quando li um recente artigo de Mafalda Anjos na revista “Visão”, sobre as
mulheres da Jihad, em particular sobre Hasna Boulahcen, que se fez explodir em
Saint-Denis no decorrer da operação policial que se seguiu aos atentados. Hasna
“fez uma juventude rebelde com muitas festas, álcool e sexo” e, há seis meses, “passou
a andar de hijab (a túnica que cobre o rosto menos a face)”. Pouco depois, “radicalizou-se
e arranjou amigos Daesh”, tendo aderido “com unhas e dentes ao terrorismo
islâmico”.
Talvez uma
liberdade que não se consegue gerir possa criar um sentimento contraditório de autodefesa
que, no limite, arrasta à própria destruição.
O ser humano é
ação e pensamento, é força física e moral. O modelo que vivemos centra-se cada
vez mais no binómio ação-força e cada vez menos no pensamento e na moral. São
estes últimos que nos permitem gerir aqueles e ter capacidade para o exercício duma liberdade
consciente. Procurar responder com plenitude à mais antiga pergunta “de onde
venho e para onde vou”, é condição elementar para que isso seja possível.
Infelizmente
vivemos uma doutrina económica que se apropriou do sistema educativo e, obcecada
por criar o profissional, esquece o cidadão… Como se fosse possível fazer bem feito quando se É mal.
Mais e não menos
humanidades em todo o sistema educativo, fornecendo ferramentas para um exercício pleno da liberdade e da cidadania; acredito que esse seria o caminho estruturante para evitar a proliferação de jovens perdidos, que buscam na radicalização
a resposta para as suas angústias.
Propor a pena de
morte por decapitação como acaba de fazer Le Pen, perseguir muçulmanos em geral
e refugiados em particular, fechar mesquitas e outras propostas que por aí
andam, podem ser ideias muito populistas mas que agravam o problema em vez de o
resolver. Lá está: a falta de cultura cidadã não atinge apenas um lado
da barricada.
Luís Novais
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