Quando lhe criticaram as negociações em curso, respondeu que não aceitava a contestação de quem não as conhecia; empurrou com a barriga. Quando lhe perguntaram pelos acordos, respondeu (ou mandou responder) que só depois da queda do governo; empurrou com a barriga. Quando o confrontaram com a sua falta de intervenção no debate do programa de governo, respondeu que interviria no dia seguinte, quando já não lhe poderiam fazer perguntas; empurrou com a barriga. Agora, está claro, quando lhe perguntarem quem vai pagar este programa de governo, responderá que isso é matéria para o orçamento de Estado; voltará a empurrar com a barriga.
Dei-me ao trabalho de ler o Programa de Governo que António Costa pretende
apresentar e que já resulta do acordo com os três partidos à sua esquerda.
Trata-se dum projeto praticamente impossível de rejeitar em si mesmo. Conta
com consciência social, procura reduzir a pobreza, dá garantias aos reformados,
repõe os níveis salariais da função pública e eleva o salário mínimo.
Quem não concordar, ou é masoquista, se andar entre o pobre e o remediado,
ou é um tremendo sádico, se for rico.
A este conjunto de medidas que só podem gerar unanimidade, somam-se outras
que poderão ser mais polémicas, mas que aplaudo. Começo pela não privatização
da TAP. Um país periférico como o nosso, só pode ser central se tiver um
instrumento para controlar a acessibilidade aérea. O impacto para o turismo e
para os negócios é grande de mais para deixarmos absolutamente tudo nas mãos
do mercado. Mais a mais quando os interessados que apareceram estão longe de inspirar
um razoável nível de confiança.
Aplauso também para os prometidos impedimentos da dança de cadeiras das
entidades reguladoras para as reguladas, e aqui só é pena não ter havido
coragem para estabelecer as mesmas limitações aos ex-membros do Governo.
São igualmente muito interessantes algumas das medidas para criar um espaço
cultural e económico lusófono; há muito tempo que defendo isso mesmo.
Entre as medidas com impacto na despesa que aplaudo, enumerei 39. São
inteiramente justas e citarei alguns exemplos. Promete-se “o fim dos cortes
salariais e a reposição integral dos salários da Função Pública durante o ano
de 2016, de forma gradual”, “o descongelamento das carreiras a partir de 2018”,
“o aumento anual das pensões” e um apoio complementar ao rendimento disponível
das famílias com salários mais baixos. De igual maneira, garante-se “uma
política clara de eliminação progressiva do recurso a trabalho precário e
programas de tipo ocupacional no setor público”, a discriminação positiva nas
taxas moderadoras, a universalidade da educação pré-escolar e o reforça da ação social escolar, tanto no básico e secundário como nas universidades, “através do
aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da
ação social indireta com a transferência do financiamento público adequado às
universidades e politécnicos”.
O problema começa a surgir quando, depois de concordar com a nova despesa,
começamos a procurar soluções do lado da receita.
Neste domínio, de medidas que dependam exclusivamente do Governo português,
encontrei apenas 9, e algumas são tão genéricas como esta: “Repor como
prioridade o combate à fraude e evasão”, como se isso não fosse o que mais se
praticou, ao ponto de gerar situações de inconcebível prepotência, que neste
mesmo programa se reconhecem: “A cobrança e o pagamento de impostos não pode
(sic) ser feito a todo o custo, sem olhar a meios”, uma prática ilegítima que
foi muito comum no passado, mas que terá sido eficaz para aumentar receita.
Novidades, apenas a criação dum imposto sobre heranças de elevado valor que,
imagino, não será de grande impacto orçamental, a diminuição do prazo para
reportar prejuízos fiscais e “reavaliar as isenções e reduções da taxa
contributiva para a Segurança Social”.
Além destas há mais 8 medidas, totalmente dependentes de mudanças na
política europeia, algumas de pouca monta, mas outras de relevo. Ou seja, o
mesmo que já anteriormente foi tentado pela Grécia, com muita razão mas com os
resultados que conhecemos. Por exemplo “o alargamento das condições e maior
gradualismo no trajeto orçamental em ciclos económicos negativos” e a
diminuição da comparticipação nacional na utilização de fundos comunitários,
coisa que a Europa estará muito longe de permitir e, digo eu, ainda bem: Se
houve alguma coisa que limitou a perversão completa dos objetivos desses
fundos, foi a obrigação de comparticipação pelos beneficiados.
Até mesmo o caso da TAP parece dependente da boa vontade comunitária, já que
se reconhece a necessidade de “encontrar formas – designadamente através de uma
efetiva ação junto das instituições europeias e do mercado de capitais – de
capitalizar, modernizar e assegurar o desenvolvimento da empresa”.
De qualquer forma, o que é relevante é que António Costa não se diferencia
muito de Passos Coelho, quando assegura que vai cumprir escrupulosamente os
tratados e compromissos europeus. A dúvida é legítima, portanto: Quem pagará as
faturas que a Europa recusar?
Imagino qual será a resposta. A mesma de sempre e que é já um modus operandi. Quando lhe
criticaram as negociações em curso, respondeu que não aceitava a contestação de quem
não as conhecia; empurrou com a barriga. Quando lhe
perguntaram pelos acordos, respondeu (ou mandou responder) que só depois da
queda do governo; empurrou com a barriga. Quando o confrontaram com a sua falta
de intervenção no debate do programa de governo, respondeu que interviria no
dia seguinte, quando já não lhe poderiam fazer perguntas; empurrou com a barriga.
Agora, está claro, quando lhe perguntarem quem vai pagar este programa de governo,
responderá que isso é matéria para o orçamento de Estado; voltará a empurrar
com a barriga.
De olhos, já sabemos que António Costa tem muito, quanta mais barriga lhe
restará?
Luís Novais
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