domingo, 30 de dezembro de 2012

"GUERRILHEIROS E NARCOTRAFICANTES DE BRAÇOS DADOS"

Guerrilha e narcotráfico nos vales dos rios Apurimac e Ene (selva alta do Peru).
A minha reportagem in loquo saiu no EXPRESSO deste Sábado (29.12)




sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VOANDO SOBRE UM NINHO DE COCA


São 59, os portugueses que estão presos no Peru. Correios de droga, apanhados nas malhas dum narcotráfico em que são o elo mais fraco. A minha reportagem sobre as suas histórias de vida, na Revista do Expresso deste Sábado, 8 de dezembro.

Com o recrudescimento da crise, espera-se que estes números aumentem. Normalmente, são recrutados entre jovens com trabalhos precários e desempregados, dois perfis que estão em crescimento, como se sabe.

Viajam em situação precária, ficam 3 a 4 dias no Peru e no último dia têm de ligar para um número de telefone. Entregam-lhes 3-4 kg. em fundos falsos de malas ou fazem-nos a engolir cápsulas e daí vão diretos para o aeroporto... ou para a prisão, em muitos casos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Da Antroplogia à Ideologia


Recentemente, Luis Alves de Fraga, um pensador português que admiro e costumo acompanhar nas redes sociais, lançou no Facebook o desafio da busca de novos modelos económicos, capazes de darem as respostas que as ideologias do Sec. XIX já não estarão a conseguir.
Não me vou alongar na referência à sua intervenção, porque ela pode ser lida aqui. Basicamente, segundo Alves de Fraga, a seguirmos o pensamento oitocentista com a respetiva concretização novecentista, restar-nos-ia optar entre dois modelos económicos: de mercado, um, planificado, o outro. O repto era este: são necessários novos pensadores que formulem novas teorias e novas doutrinas.

Participei do repto, com um artigo que escrevi há tempos, onde defendia que os centripetismos cultural e cronológico nos impedem de encontrar respostas onde elas já tinham existido (ver artigo). A resposta que Alves da Fraga me deu, também pode ser lida no mesmo local e resumo-a nesta frase: a minha visão apontaria “para a revisitação de velhos métodos de sobrevivência que tiveram uma época e foram fruto dela”.
A minha questão é, no entanto, precedente: a preocupação com a teoria e a doutrina, não será ela mesma oitocentista? Não apontará também para a revisitação de velhos métodos? Não será essa ideia, incubada nas luzes, de que podemos refundar o mundo com base na racionalidade, a base da utopia iluminista em que ainda estamos a viver?
Ao longo da sua História, a humanidade foi capaz de construir modelos económicos e sociais que funcionavam e que, embora potenciados pela doutrina, precediam-na. A doutrina era desenvolvida e utilizada depois, quando essas mesmas sociedades se queriam tornar dominantes e impor o seu modelo antropológico. O imperialismo é filho da resposta doutrinária, portanto, enquanto a doutrina deriva da evolução antropológica.

Talvez a grande novidade do Sec XIX tenha sido essa: uma espécie de metafísica, segundo a qual uma ideia racionalizada deveria preceder a vivência (evitei propositadamente dizer “a existência”). Essa quase teologia que originou das maiores injustiças, dos maiores massacres e das maiores ditaduras a que a humanidade assistiu.
É por isso que gosto de olhar para o passado, de perceber o sentido da evolução antes de chegarmos à ditadura da doutrina.
Houve alguns portugueses temerários no seu pensamento, que procuraram formular sínteses entre os modelos de pensamento dominantes no seu tempo e as forma de vida, o mesmo será dizer que entre a ideologia e a antropologia. Entre eles, destaco Herculano, que toda a vida lutou por uma democracia sem “revolução cultural”, isto é, sem destruição de tudo o que existia para construir sobre as cinzas. Mas até mesmo Garret, na sua súbita nostalgia pelo frade, acabou por alinhar nessa ideia de que a pura racionalidade tinha levado à destruição.

Enfim, não é que eu seja um cego admirador de Calisto Elói antes da queda, sobretudo porque ele mesmo já estava eivado do tal "pecado" doutrinador. Mas lá que o prefiro aos Pereiras de Melo, isso prefiro.

E que estou eu a fazer se não a entrar nessa mesma contradição? Sou mais um dos filhos do Sec. XIX, não há como fugir a isso. Porém, não tão legítimo que não conviva bem com as contradições da minha racionalidade, quando em confronto com a minha vivência.
 
Luís Novais

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Voo em céu de cimento.


 
Voz que diz:
“és multidão”.
Sou eu:
me dizem não eu.
Sou outro:
negado me digo.
 
Querem-me.
Roubam-me.
Voo:
vejo-os.
Vejo-os:
sou.
Aterro:
perco-me.
Perdido:
não sou
 
Ser.
Momento que seja.
Só.
 
Antes me diga:
“Tu”,
“tu és tu”.
Só.

domingo, 25 de novembro de 2012

Capa da edição brasileira,
Novembro, 2012
Ao Domingo, passei-o a atualizar o álbum de “Quando o Sol se Põe em Machu Pichu”. Os trabalhos do meu editor e da minha agente no Brasil, mereciam que me entregasse à tarefa. Interrompi as escritas por um dia e andei enfiado nos baús do meu computador. Quase todas  de 2006, as fotos são relativas às viagens que fiz para escrever este livro.

Tarefa inacabada: apesar de o dizerem santo, não faz milagres, o Domingo…  ao longo da semana colocarei mais. Todas estão acompanhadas pela transcrição do trecho que lhes diz respeito.
Forte, foi redescobrir aquela em que estou com Yvonne. Tinha eu acabado de chegar a Lima, de vê-la representar o papel de Nina em “A Gaivota” de Tchekov. Convidei-a para almoçar no “Manos Morenas”. Foi aí que, tal como a personagem Remédios na obra, me contou a lenda da cidade perdida dos incas. No livro, inspirou-me a personagem; na vida real, tornou-se minha mulher em Janeiro deste 2012.
E por falar em edição brasileira, tenho de referir o meu agradecimento aos principais responsáveis: a primeira aposta foi do Artur Castro Neves, mas também apostaram e muito o José Pio, a minha agente Valéria Martins, o meu editor Marcus Teles. À Sheila Hue e ao  Alexandre Moutaury, respetivamente do Real Gabinete Português de Leitura e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: ambos acederam a prefaciar esta edição. Muito obrigado.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

"É A HORA"?

É em resultado desta desadequação que jamais teremos uma Europa de alma connosco, ainda que a tenhamos de corpo, corpo de intervenção, às vezes e cada vez mais.
 
 
“Só vamos sair desta situação empobrecendo” (Passos Coelho, Outubro 2011). “É um enorme aumento de impostos” (Vitor Gaspar, Outubro 2012). “Vamos ter que reaprender a viver mais pobres” (Isabel Jonet, Novembro 2012)…  Os exemplos poderiam suceder-se:  os nossos responsáveis políticos (e hoje já não é possível desenquadrar Jonet dessa categoria) parecem ter apostado na desesperança como terapia de choque.
 
Infelizmente, a desesperança, quando propagada a tão alto nível, acaba por ser uma profecia que se auto-cumpre. Os portugueses estão descrentes e deprimidos; quem ainda acredita em si mesmo, deixou de acreditar no país. Portugal está hoje entalado entre aqueles que mantêm uma pequena zona de conforto que os impede de sair, entre a crescente sangria dos seus quadros mais empreendedores e entre a progressiva saída das suas empresas mais competitivas. Os primeiros ficam, mas com uma desmotivação que os torna improdutivos, os segundos vão-se e criam riqueza fora do país, quanto às empresas, as que ainda podem tocam a fechar as suas portas em Portugal e abrem sociedades no estrangeiro, de onde não trarão um só euro.
 
Esta via depressiva é a única que a Europa tem para nos dar, disso não restam dúvidas e as poucas que restassem partiram no mesmo voo em que Frau Merkel foi de volta, depois da breve visita que nos fez. Com isto tudo, destroem-se os consensos mínimos sem os quais não subsiste um país e basta andar pelas redes sociais para tirar tal conclusão.

Portugal parece um Titanic com a sua orquestra, mas com a originalidade de esta ter optado por tocar música fúnebre, como que dizendo aos passageiros que é melhor desistirem de qualquer esforço porque não têm a mínima chance de sobrevivência.
 
Estamos a precisar de uma via que nos volte a dar esperança. Um povo desesperado não é capaz de se colocar de acordo nos mínimos, é um povo para o qual “tudo é disperso, nada é inteiro”.
 
Se a única coisa que a Europa nos pode dar é o discurso de que temos de empobrecer, se a única liderança que a Europa consegue criar se chama Merkel, então é o momento de encarar a situação de frente e, duma vez por todas, sairmos a grande velocidade desse comboio.
 
A União Europeia não foi criada para integrar o sul e muito menos Portugal. Criaram-na, isso sim, porque a História da sua metade central é uma câmara de horrores. Sempre que se fala na necessidade de manter a União, vem à baila que ela evita a guerra. E nós com isso? Foi palco em que nunca estivemos e em que nunca quisemos estar. É precisamente porque a Europa serve apenas para evitar os conflitos do seu passado, que a Alemanha pôde ter os incumprimentos que teve na década de 50, beneficiar do enorme perdão de dívida subsequente (inclusive à custa da Grécia) e declarar unilateralmente o fim da sua dívida em 1990. É precisamente porque a Europa não serve para integrar o sul, que ao sul nada disto é permitido e apenas lhe resta um estrito respeitinho orçamental. E é em resultado desta desadequação que jamais teremos uma Europa de alma connosco, ainda que a tenhamos de corpo, corpo de intervenção, às vezes e cada vez mais.
 
A nossa geoestratégia e a nossa cultura são atlântica e linguística. Precisamos de voltar a acreditar para nos unirmos num projeto que nos devolva a esperança, que nos termine com esta guerra interna que, de fria, está em aquecimento óbvio.
 
“É a hora”?
 
 
Luís Novais

domingo, 11 de novembro de 2012

AS CEROULAS DA FRAU

Vai para aí um burburinho inacreditável por causa dessa visitante que tanto nos honra. Uns dizem que a Frau é culpada do que por aqui vai. Outros dizem que tamanhos maldizeres só podem vir duns tipos de esquerda que teriam um qualquer complexo de muro de Berlim mal resolvido.
 
Entre uns e outros, é com cada tempestade ideológica que já ninguém se entende. Para aumentar a confusão, o Conselheiro Marcelo até pôs uns putos da escola a fazer um vídeo, que aquela coisa só pode mesmo ser voluntarismo de escolares.
 
Eu cá, não dou para esse peditório. Pendo mais para o lado do velho Almada e que se lixe tanta racionalidade em bicos de pés: não gosto que a tipa nos visite porque ela usa ceroulas, de certeza que as usa.
 
Luís Novais
 
PS: Ah, é verdade… como às vezes também tenho o vício do pensamento, gostei de ler este artigo:  'Germany Was Biggest Debt Transgressor of 20th Century'
 
 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Isabel Jonet, o Discurso e o Método

Haja o sentido das proporções: Isabel Jonet nem é sagrada pelo que fez, nem diabólica pelo que disse.
 
 
Há por aí grande polémica com as recentes declarações de Isabel Jonet. Uns, diabolizam-na pelo negacionismo da pobreza; outros, santificam-na pela obra a que deu rosto.
 
Nessas reações, o que me desagrada é sentir o maniqueísmo para que nos encaminham as tensões sociais em curso. As pessoas não se dividem entre santos e diabos; ninguém está acima de qualquer crítica, assim como ninguém fica abaixo de qualquer elogio. O exercício da crítica, positiva ou negativa, não é um tabuleiro a preto e branco.
 
Que Isabel Jonet dá a cara por uma obra digna de todo o mérito, parece-me indiscutível e tem de ser reconhecido. Assim como, saliente-se, tem de ser reconhecido que essa obra, mais do que qualquer outra, vive exclusivamente da solidariedade dos portugueses. O “Banco Alimentar contra a Fome” é isso mesmo: um banco que vive de cidadãos anónimos, que aí depositam alimentos sem outra remuneração que não seja a de manter a esperança em muitos que, de outra forma, a teriam perdido.
 
Tem muito mérito esta senhora, como têm muito mérito os milhares de voluntários da organização e outro tanto para os milhões de portugueses que contribuem. Somos um povo com muitas virtudes e também com defeitos, com boas obras e também com opções menos felizes. Assim somos enquanto povo, assim será Isabel Jonet e assim será cada um de nós.
 
Feita a ressalva, sinto-me à vontade para fazer a crítica: não gostei daquilo que lhe ouvi. Ainda assim, a minha crítica não se prende com tudo aquilo que afirmou. Há uma primeira parte da sua intervenção que considero uma justa condenação da sociedade de consumo e que subscrevo por inteiro. Temos de mudar de atitude, disse, “há toda uma necessidade permanente de bens que (supostamente) conduz à felicidade e isso não é real”. Completamente de acordo.
 
Onde me pareceu infeliz, foi quando entrou naqueles lugares comuns: comer mais ou menos bifes, lavar ou não lavar os dentes com água corrente. Vindo de quem trabalha há tantos anos nesta área, esperaria um juízo muito mais fundamentado, o que ficou ainda mais claro quando a moderadora chamou à realidade dos estudos existentes sobre esta matéria.
 
Há cada vez mais óbvios sinais de pobreza (e não de empobrecimento) em Portugal e branquear isso com artifícios parece-me muito desadequado. “Não gostaria de ver em Portugal a miséria que vi na Grécia”, disse. Não deveria ignorar que o caminho da Grécia é precisamente o que estamos a trilhar e que, se a Grécia está pior, é tão só porque foi empurrada para essa via há mais tempo do que nós.
 
Também não gostei de ouvir afirmar que “as pessoas têm de ser ajudadas para que não fiquem complemente enraivecidas”. Não, não é por isso que as pessoas têm de ser ajudadas. Pelo que me toca, badamerda à caridade como um negócio em que se dá para evitar a revolta, para que se mantenha o imobilismo político e social. As pessoas têm de ser ajudadas é por isso mesmo: porque são pessoas e têm direito à esperança. Há uma diferença substâncial entre caridade e solidariedade.
 
Nos momentos de crise, há um lugar para os bombeiros que apagam os incêndios e há um outro lugar para os que avaliam medidas de fundo que os impeçam no futuro, para aqueles que analisam os erros do passado e traçam vias para que não voltem a ser cometidos. Isabel Jonet é excelente no papel de bombeiro e tem muito mérito nesse domínio, não a transformem naquilo que não é.
 
É por tudo isto que não assino qualquer petição para que se demita, até porque o “Banco Alimentar” é uma associação e não me compete tal exigência, mas também porque me parece que tem exercido bem o seu papel. O mesmo se aplica às petições de sinal contrário: não me compete exigir que fique ou que vá. Haja o sentido das proporções: Isabel Jonet nem é sagrada pelo que fez, nem diabólica pelo que disse.
 
No mais, é óbvio que, como muitos outros, não terei a mínima dúvida em continuar a contribuir na medida das minhas possibilidades. O que está em causa é, sobretudo, quem beneficia desta solidariedade.  É nesse essencial que deveriam estar focadas as atenções.

 
 
Luís Novais
 

Links: Declarações de Isabel Jonet. Notícia no Jornal "Público"

domingo, 14 de outubro de 2012

Portugal entre o exemplo do tráfico e o apregoado mercado.

Que caminho se está a indicar a esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
 
Muito se tem falado de negócios e negociatas protegidos à sombra do Estado. Negócios que são feitos, não porque acrescentem valor ao país, mas simplesmente porque a disponibilidade orçamental existia ou foi criada numa qualquer alínea, quase secreta, transformada num segredo bem guardado e com um destino bem orientado.
 
Muito se tem falado também de entradas e saídas da política para as grandes empresas e das grandes empresas para a política, numa dança em que o decisor e contratador público de hoje é o contratado privado de amanhã.
Regra geral, abordam-se estas questões do ponto de vista da moralização, da justiça, do caso de polícia.
Completamente de acordo, mas faço um esforço para ser pragmático, para perceber os reais prejuízos que daqui advêm para o país.
Alguns, como Paulo Morais, conseguiram demonstrar que não teríamos a excessiva dívida pública, não fossem tais relações promíscuas entre os mundos da finança e da política.
Não tenho dúvidas de que assim seja.
Contudo, o impacto mais grave parece-me estar no exemplo. Não há jovem que hoje não seja bombardeado com conceitos e modelos de empreendedorismo. Na escola, na Universidade, em ações de formação: dizem-lhes que têm de ser empreendedores para terem sucesso, que têm de ser empreendedores para contribuírem para um país melhor, que têm de ser empreendedores para estarem ao nível dos melhores. “O empreendedor tem o futuro do seu lado”, garantem-lhes, para logo lhes dizerem que para isso têm de ser inovadores, têm de criar ideias, produtos, coisas que sejam necessários e que ninguém tenha imaginado… enfim, chega a ser quase uma lavagem ao cérebro.
E no entanto, neste sistema em que a medida do sucesso é a do ganho financeiro, que exemplo lhes dão os mais graúdos? Que não é importante serem inovadores, que não é importante pensarem nas reais necessidades do mercado. Que se foda o cliente, o importante é estar bem relacionado. Que se foda o produto, o importante é entrar num partido e trepar por aí acima. Viva a economia de tráfico que a de mercado é para os tolos!
Os jovens de hoje olham para um lado e para o outro. Dum lado, vêem muitos do que correram o risco empreendedor fecharem portas acossados por uma máquina fiscal que inverteu os mais elementares princípios do Estado de Direito, acossados pela concorrência desleal dos que, sendo protegidos pelo sistema, invertem as regras do jogo. Do outro lado, vêem os traficantes de influências prosperarem duma prosperidade cada vez mais imoral e descarada.
Que caminho se está a indicar a esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
Há exceções? Há. Hás bons casos de sucesso? Também. Mas uma economia, uma sociedade, não se fazem de exceções, fazem-se da média.
Este exemplo asqueroso é talvez a pior consequência que tudo isto terá no futuro de Portugal. Mostra-se o contrário daquilo que se ensina. Propaga-se um estilo de sucesso que foi o que nos arrastou para este precipício. Condena-se o país a prosseguir numa economia de circuito fechado que, ao invés de criar valor, o destrói.
Recentemente, estive numa prisão peruana a entrevistar jovens correios de droga portugueses. Um deles, falando-me dos guardas prisionais, dizia-me o seguinte: “os que dizem que vão fazer de nós bons cidadãos, são os que vemos serem mais corruptos”. Por fim desabafava: “é irónico mas é assim”.
Parece Portugal, “é irónico mas é assim”  
 
Luís Novais
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Jornalismo e Desmistificação


Vai um grande debate sobre a profissão do jornalista. Um pouco por todo o lado as edições em papel perdem leitores, as redações diminuem de tamanho e os despedimentos coletivos são uma constante, seja na Europa, seja nos Estados Unidos; seja no “El País”, seja no “Público” que duma assentada vai despedir 50 jornalistas.


Podemos analisar esta questão do ponto de vista da barbárie capitalista, que é um facto. Mas também do ponto de vista da análise das causas e da perspetivação das alternativas que se colocam.
A sociedade está hiper-informada. Quantos de nós não usamos o Facebook para sabermos pela nossa rede o que se está a passar? Quantos não vamos depois ao Google para aprofundarmos aquilo que nos interessa?
Nesta sociedade já não vale a pena pensar no jornal como meio de veicular a notícia em toda a sua etimologia. O jornalismo noticioso tenderá a perder cada vez mais público e, por via disso, estará cada vez mais entregue a jovens estagiários de custo reduzido e grande rotatividade.
Todavia, se a sociedade beneficia duma hiper-informação, padece também desse mesmo mal. O objeto da notícia aprendeu rápido e aproveitou os novos meios ao seu dispor para se transformar em criador e veículo da notícia. O atual Presidente da República justificou o investimento que fez no site da presidência com a necessidade de ultrapassar os critérios jornalísticos e comunicar diretamente com os portugueses. E quem esqueceu o recente episódio em que Miguel Relvas ameaçou uma jornalista de veicular uma determinada informação pessoal através da… internet?
Acontece que o objeto da notícia não é isento. Ou antes, aceitando que a isenção não existe, o objeto da notícia é parte da mesma, tem por isso um interesse muito diferentes do de informar. A sociedade hiper-informada em que vivemos estará mais ou menos consciente disso e a crença generalizada de que “já não sabemos em quem confiar” é uma hipertrofia da crise da pós-modernidade: a transformação da verdade helénica na mera palavra tantas vezes repetida quantas as necessárias para que o precedente se transmute em transcendente, o dito em verdade.
Esse papel de ir mais além da notícia transformada em verdade auto-construída, esse julgo ser o papel que hoje está reservado ao jornalista. É um caminho difícil: por segurança psicológica e preguiça mental, o ser humano tem a tendência de acreditar em mitos; gosta que lhos criem e a eles adere de forma irracional. Para mais, os mitos protegem-se mutuamente: o medo gerado pelo do anticristo serve para proteger o seu contrário. Não é tarefa fácil, a do destruidor de mitos, é ser uma espécie de anticristo, é certo. Mas é tarefa necessária e os vazios são espaços à espera de preenchimento.
 
Luís Novais


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

"Pourquoi ne mangent-ils pas de la brioche?"
Acabo de ler “Os Pobres”. Raul Brandão escreveu-o na ressaca da primeira bancarrota de Portugal, a de 1891. Arrepia a profundidade daquelas personagens que nos desfilam numa atualidade latente, o Gebo, o Gabiru, as prostitutas… até deprime, ler agora o que então se escreveu . Ver essa mesma passadeira negra que nos estendem...

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Nem admira o Estado a que isto chegou


Tantas são as cobras e não menos os lagartos que andam por aí a soltar-se contra essa besta gorda que se diz Estado, que decidi andar em busca das fontes da sua voracidade. Consultei alguns entendidos, consultores de horas vagas, e de pronto me disseram que se era para decepar que se decepasse na saúde, que essa é uma autêntica desgraça despesista, mais do que uma pipa de desperdício.
Armei-me de lupa e fui em busca. Já tinha a minha estratégia toda muito bem montada: pegar no ágil campeão do anti-Estado e compará-lo com esse gordo e flácido que é o que se diz nosso. “Deixa estar que já te apanho”.
Fiquei a saber, nada mais e nada menos, que em 2008 cada americano gastava com a sua rica saúde 5.988 euros, contra os 1.957 de cada português, ainda que a despesa do português corresse sobretudo por conta desse tal pançudo, o Estado. Qualquer coisa como 15,6% do bruto produto deles e apenas 9,5% do nosso.
Que ricos meninos, eles, com uma despezinha destas deverão ter uma saúde de leão. Quanto a nós, coitaditos, deveremos andar a pedir valhas a Deus.
Nem pude acreditar na surpresa que me estava reservada: morremos menos, nós, caramba! Numa conta a que se chama a média, aqui os tugas vivem  até aos 79 anos com quatro meses e eles apenas 78 com mais dois mesitos. Somos os vigésimos que menos morrem e eles os trigésimos oitavos, que até o inimigo cubano lhes fica acima.
Não me deixei enganar por uma aparência que só poderia ser enganosa, uma armadilha da estatística que é por essas e por outras que nunca confiei muito em Pitágoras. De tanto pensar, o meu eureka surgiu bem postulado: hábitos de pobre meu caro, hábitos de pobre; não há comidinha mais saudável do que a dos pobrezinhos, já lá dizia o meu médico, “coma sopa, homem, você coma-me sopinha”. Deixa estar, que eu já descubro a careca a isto tudo.
Foi com fito nisto que fui à cata daquele grupo a quem as maioneses e molhangas afins ainda não tiveram tempo, nem para entupir veias, nem para engordurar outros sistemas vitais: as crianças, mas aquelas que são mesmo muito criancinhas, nada mais do que até 5 aninhos. Procurei e… mais uma surpresa, que com esta eu já estava quase a agradecer ao quarto joanino pela lusa encomenda à Senhora da Conceição. Pois não é que nos morrem 6,6 em mil contra a 7,8 a eles. Atenção que não é caso para menos do que benzedura: estamos no lugar 26 e eles no 33 (e Cuba em 28)!
Caramba que até impressiona: uma miséria de 1.957 por cidadão e estamos muitos pontos acima desses ricos parentes afastados, que gastam à tripa forra, mais do que o triplo, esses tais que são aqueles de quem se diz serem a maior potência económica de todo o planeta sem exceção, os que têm as melhores bombas de que há memória passada e presente.
Olá, olá, que podemos não ser o país que melhor bombardeia o semelhante, mas somos um dos que melhor cuida dos seus.
Foi então que, assim como uma luz, pensei que talvez o pecado fosse outro. Talvez nos andemos a render anos de vida, em vez de lucros aos acionistas. Não percebemos nada de economia, nós. Não admira o estado a que isto chegou.
 
Luís Novais

Foto: Stock.XCHNG

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Pelo Reconhecimento do Gene como Património da Natureza.


Logotipo da Monsanto
Não é a primeira vez que escrevo sobre a manipulação genética e a sua exploração comercial. O gene é a partícula que sustenta a vida e é seguramente a “tecnologia” mais avançada do planeta. Se chegamos até nós, foi graças ao seu desenvolvimento. Ele é sagrado e é profano. Sagrado porque sustentação de toda a vida, profano porque mata para se apurar. Demorou milhões de anos a chegar aqui e esperemos que muitos mais para chegar até outros; alterado, adaptado, refundado, mas sempre ele e, nele, sempre o tempo.

É por isso que a sua privatização é monstruosa. Ser seu dono é ser dono da vida, ser dono da vida é ser aprendiz de divino.
 
Além da questão moral, acresce a da saúde pública. Um trabalho científico recente, demonstrou que ratos alimentados com milho transgénico da multinacional americana Monsanto, desenvolveram grandes tumores e tiveram uma taxa de mortalidade três vezes superior à dos que foram alimentados com milho natural.
 
Esta experiência decorreu durante dois anos, contra uma idêntica, da própria Monsanto, que durou apenas três meses e que serviu de base à autorização para a comercialização destas sementes.
 
Basta bom senso para entender que o organismo animal evoluiu em paralelo com a disponibilidade alimentar e que, se alterarmos abruptamente as características desta, isso terá impacto negativo naquele.
 
Todavia, a-priori  temos a questão da legitimidade. Empresas como a Monsanto apropriam-se de milhões de anos de evolução, fazendo uma pequena alteração no processo natural para depois se tornarem donas da sua totalidade. Isto é legitimo? Para mais, as culturas geneticamente modificadas contaminam as restantes e, por outro processo de manipulação, o político, podemos ser condenados por semear um pé de feijão sem lhes pagar direitos.
 
A sua privatização é imoral e o desenvolvimento de pesquisas nesta área não pode ter fins comerciais. Não estamos sequer a falar dum património que seja nosso, mas da vida toda ela, aliás, trata-se da própria vida. É por tudo isto que o gene deve ser declarado património da natureza, nem sequer da humanidade.
 
Nota: Ainda que recorrendo a um título falacioso, o jornal PÚBLICO mostra os dois lados desta experiência: ver notícia
 
 
Luís Novais
 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

De crise em crise até à queda fatal



*
Hoje, mais do que nunca, estamos todos aqueles que empobrecem acreditando que a prosperidade é função do valor que se cria, contra esses tais, aqueles para quem o lucro é função da riqueza que os deixamos destruir.

Num grupo de debate em que participei, discutia-se que o próximo passo nas exigências da Troika seria o despedimento de funcionários públicos. Quando isso acontecer, não faltarão os aplausos dos fundamentalistas do liberalismo, de alguns empresários e até de funcionários do setor privado. Mesmo porque, como é costume, tudo será antecedido por uma ampla campanha noticiosa: quanto ganham os gestores? Quanto se gasta em salários? Quantos carros tem o tal instituto ou o tal hospital? Tudo questionado sem que jamais se fale nas contrapartidas em serviços, mas sempre e sempre denunciando os gastos e apenas os gastos.
Sem aplaudir por decoro, mas esfregando as mãos de contentamento, estarão ainda aqueles que contratarão os ex-funcionários públicos, para que façam as mesma tarefas por metade dos salários, mas com o triplo dos custos para o Estado. Rejubilarão também os que se preparam para as Parcerias Publico Privado que substituirão os serviços em causa.
Sinceramente, eu estou farto de ouvir falar na ineficácia do setor público como justificação de todos os males. Só para ilustrar com um exemplo, os Estados Unidos são o país do mundo onde o gasto percapita na saúde é maior e têm indicadores piores do que Portugal. Por lá, a saúde sempre foi um negócio exclusivamente privado, por cá tudo se prepara para que também seja.
Já agora, como não comparar também as Universidades Públicas às privadas, algumas das quais até diplomas de favor vendem?
Os problemas que atravessamos nada têm a ver com os serviços que o Estado assegura (o que, claro, implica funcionários), mas com a completa desregulação da finança internacional que nos tem levado de bolha em bolha até à explosão final. Um turbilhão em que a bolha seguinte serve para compensar as perdas da anterior e, no final, o cidadão/consumidor ou pequeno investidor é sempre quem suporta os custos.
Nesta sucessão de consecutivos empolamentos de valor, o ataque seguinte é sempre praticado sobre um tipo de produto mais essencial do que o anterior.
Eles querem distração? Espetemos-lhes com uma bolha tecnológica. Rebenta a tecnológica e eles têm de abdicar da distração, mas de casa não que de telha todos precisam: pum, bolha imobiliária e os preços da habitação a disparar. Ai Jesus que se nos rebentou a imobiliária. E agora? De que não podem eles abdicar mesmo? De comer, claro: catrapum, especulação no mercado alimentar e os preços dos alimentos a subir, a subir.
Esta última é a bolha em que estamos a viver. Que morra gente de fome pelas ordens que são dadas a partir de luxuosos gabinetes, isso não importa. Especular-especular, isso sim, que pode não haver casa mas comer todos têm de comer.
De mãos dadas com este movimento, está a corrupção, que o dinheiro sobra sempre para quem ajuda a tornar possíveis lucros tamanhos. Marcha em frente que no fim alguém há-de pagar… e alguém está a pagar, como bem se tem visto.
É este ciclo infernal que temos de interromper. Hoje, mais do que nunca, não deveríamos estar portugueses contra alemães, alemães contra americanos, americanos contra chineses. Hoje, mais do que nunca, estamos todos aqueles que empobrecem acreditando que a prosperidade é função do valor que se cria, contra esses tais, aqueles para quem o lucro é função da riqueza que os deixamos destruir.
Uma última questão. Quando finalmente rebentar mais esta bolha, a alimentar, qual será a que se segue? Há dias fui abordado por uma promotora de talhões num cemitério… temo que a seguir só reste mesmo este setor, que comer até podemos não comer, mas morrer lá teremos todos de morrer…
 
Luís Novais

* Foto: Everystockphoto 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

As minhas razões para estar com a manifestação de dia 15

Amanhã há manifestação contra a Troika. É assim mesmo que está convocada por um grupo de cidadãos: “Contra a Troika, que se lixe a austeridade”.
 
Apoio esta manifestação e estaria na de Braga se estivesse em Portugal. Faço-o porque acho que todos temos de abalar os modelos políticos, económicos e sociais que nos estão a ser impostos. Digo bem, impostos, que hoje o verdadeiro decisor já não é o povo. Não o faço porque queira fazer cair este Governo. Sou realista: sei quais são as alternativas e, apesar de não apoiar as medidas anunciadas, prefiro quem me diga claramente o que pretende do que quem me leve a cantar e rir para o abismo. Abismo por abismo, que seja consciente.
Vejo muitos dos que foram responsáveis pela situação atual a bradarem aos céus contra este Governo. Uns disfarçam melhor do que outros, mas nenhum consegue esconder uma vontade irreprimível de regressar ao poder, de repartir os cargos e sinecuras de que agora acusa os outros.  Alguns dos que andam a colocar no facebook recortes do Diário da república com as nomeações deste Governo, deveriam corar de vergonha antes de o fazer (saliento o "alguns").
Há muita gente a querer cavalgar a justa indignação popular, é o que é. E para voltar ao poder e fazer pior, é também o que também é.
 
Fazer cair este Governo para o substituir por outro que seja pior e mais irresponsável, não é alento para a minha adesão ao movimento de dia 15. Substituir Pedro passos Coelho por António José Seguro, muito menos. Menos ainda contribuir para que uma qualquer brigada do reumático social democrata reocupe um lugar que nunca aceitou perder.
 
O que vejo é a oportunidade para o regresso do Povo à política. O que vejo é uma oportunidade para um efetivo debate sobre quem somos enquanto país e para onde queremos ir. A par de muita exaltação impensada, de muitos insultos gratuitos, de algumas ameaças condenáveis, vejo que as pessoas voltam a ter interesse no destino de Portugal, que voltam a debater, que voltam a apresentar ideias. É esta revitalização que me faz correr, é a esta revitalização que adiro.
 
Temos de assumir que chegamos ao fim dum ciclo, temos de perceber que a geração de unionistas europeus gastou o nosso futuro no seu presente. Salvaguardaram-se, blindaram-se e mandaram que os seguintes, nós, fechássemos a porta, enquanto a sua orgia continuava garantida.
 
No poder, deixaram de ter um contrato com os cidadãos e passaram a tê-lo com obscuros interesses económicos. Não geraram riqueza porque não criaram, enriqueceram porque traficaram. Não foi por inovarem, não foi por gerarem valor para a sociedade (ou para o mercado, se preferirem), não foi por serem gestores geniais. Não. Foi apenas tráfico, tudo foi tráfico e nem é preciso perder tempo com exemplos, todos os conhecemos.
 
Eu não sou contra as reformas dos políticos. Eu defendo que os políticos as tenham. Porque o que eu espero dum político é que me defenda da cobiça dos interesses económicos. Eu quero políticos que nenhum grupo económico queira empregar quando terminem as suas funções públicas. E porque quero isso, quero políticos que não corram o risco de perder uma dignidade mínima de vida material quando saem. Estou disposto a pagar por isso, mas em contrapartida não aceito que se aproveitem das suas funções a pensar gananciosamente naquilo que vão ganhar a seguir, graças aos tráficos que praticaram, graças aos negócios que proporcionaram. Essa ganância é a principal responsável pela situação em que nos encontramos. Sem essa ganância não estaríamos agora todos a pagar o calculismo de tão poucos.
 
Portugal precisa duma refundação. A União Europeia odeia-se a si mesma e despreza-nos. O ciclo europeu chegou ao fim e temos de pensar uma nova geoestratégia para o nosso país.
 
Já neste Blogue partilhei muitas das minhas ideias, não as vou repetir. Mas é por isso e só por isso que estou com a manifestação de dia 15. Não admito a nenhum partido co-responsável por esta situação que se aproprie do meu grito.
 
 
Luís Novais
 

PS: Uma vez que não estou em Portugal, decidi participar fazendo uma edição gratuita do meu romance “Crónica d’Orelhudos” para carregamento online e com capa alusiva à Manif. É a minha participação, assim como a própria Crónica já tinha sido um dos meus gritos. Podem descarregá-la clicando aqui.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

UM GRITO DE INDIGNAÇÃO



Publicação eletrónica e gratuita do romance 
 
"Crónica d'Orelhudos" 
(com prefácio de Pedro Barroso)

Edição especial: dia 15 de Setembro todos à Manif.

 

Não sou um frequentador habitual de manifestações. Não é por preferir o conforto de casa enquanto os outros reivindicam os meus direitos. É apenas uma questão de feitio, de predisposição pessoal. Não é que aceite ficar calado perante tudo o que me queiram impor. É tão só porque cada um tem a sua idiossincrasia. A minha leva-me a uma revolta pausada, mais do que inflamada. Leva-me a debater, mais do que a gritar palavras de ordem. Leva-me a escrever mais do que a exibir cartazes.
 
Nada contra quem o faça, é apenas o meu modo. Procuro contribuir para a mudança, mas no âmbito do meu ser.
 
Sou adepto dos meios de resistência pacífica que Gandhi tão bem advogou. Prefiro, por exemplo, um dia “Todos em casa” do que uma concentração. Prefiro fazer uma greve à rua do que a rua ela mesma. Lembram-se de quando os brasileiros se vestiram todos de branco para afastar um presidente corrupto? Prefiro.
 
Todavia, há limites para aquilo que um país pode aceitar. Nem sequer falo deste Governo e destes governantes, mas de tudo o que nos trouxe até ao momento atual. É altura de dizermos claramente que não queremos ir por aí.
 
Desta vez, lamento não estar em Portugal no próximo dia 15. Não poderei ir a uma manifestação a que, agora, iria convictamente.
 
Dou o meu grito com esta edição especial da Crónica d’Orelhudos. Tem capa comemorativa “Dia 15 todos à Manif.” e está para descarga  livre e gratuita no meu blog.
 
A “Crónica” é uma fábula de gente. Gente capaz de se governar mas que se viu transformada em Orelhuda com a chegada dessa grande parideira de mulas governadoras. É também a manifestação da minha revolta, esta “Crónica”. Em alguns aspetos, só eu seu quanto.
 
Uma última palavra, para fazer um voto de que saibamos aproveitar a energia que se está a libertar. Saibamos ser criativos em todo este processo, para que não sejamos vítimas de outros que, com mais responsabilidades, já se preparam para entrar no comboio, já se preparam para lhe tomar os comandos.
 
Precisamos de saber o que não queremos? Sim, tem razão José Régio. Mas da poesia à vida, vai o salto do não querer ao querer. Que também saibamos, portanto, o que queremos. Esse é o debate que espero que saia de toda esta movimentação.
 
Lima, 12 de Setembro de 2012
 
Luís Novais
 
 





terça-feira, 11 de setembro de 2012

O IMPOSTO QUE ARRUMARIA A QUESTÃO PPP

Vitor Gaspar
“Efetivamente, eu seria de opinião que num mundo ideal teria sido possível realizar progressos mais rapidamente do que conseguimos”. Em entrevista à SIC e sem pestanejar foi com estas palavras que o Ministro das Finanças respondeu a José Gomes Ferreira, a propósito dos atrasos na renegociação das Parcerias Publico Privados (PPP). Perante a insistência do entrevistador, Vítor Gaspar diria ainda que “queremos conseguir os resultados tão cedo quanto possível, mas não foi possível avançar mais depressa”.
 
Proferidas com a maior das displicências, estas afirmações são uma clara declaração da rendição do Estado. Isto na melhor das hipóteses, que na pior são a prova da total subserviência dos governantes perante o grande poder económico.
 
Seguem-se outras pérolas idênticas. Os monopólios energéticos deveriam usar a poupança na Taxa Social Única (TSU) para baixar os custos da energia, vai obrigá-los a isso? A resposta: não compete ao Estado, mas o poder da opinião é muito forte…
Fica claro que em nada se vai mexer. Num caso, o das PPP, enreda-se o assunto em negociações que se complicam o mais possível para criar a aparência de que se faz sem que se faça. Noutro caso, o do custos energéticos, apela-se a que os portugueses opinem…
 
Houvesse verdadeira vontade e coragem políticas e um caso como o outro teriam resolução automática. Em vez do Estado se enredar numa negociação infindável, por que não faz aos detentores das PPP’s o mesmo que faz aos cidadãos? Por que não lhes cria um imposto? Um pagamento especial sobre os rendimentos destas parcerias resolveria tudo no mesmo tempo que demora a inserir mais um artigo no Orçamento Geral do Estado. E o mesmo para os custos energéticos: um imposto de 100% sobre toda a faturação superior à média europeia.
Se os grandes beneficiários dos deficits de Portugal fossem tratados como são tratados os portugueses, o Ministro das Finanças não diria que “num mundo ideal teria sido possível realizar progressos mais rapidamente” na renegociação das PPP. Eu nem peço um mundo ideal. Para usar uma expressão da moda, só peço um mundo mais equitativo. E num mundo mais equitativo, o Estado iria buscar a estas empresas pelo mesmo processo célere e eficaz com que vai buscar aos cidadãos: pela via fiscal, com a criação dum imposto especial, ou, melhor dito, de uma taxa.


Luís Novais

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

ATLÂNTIDA, UM RUMO PARA PORTUGAL



*
Quebre-se o tabu e discuta-se a União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o continente.

 
O desespero dos portugueses é, hoje, óbvio e justificado. Nas redes sociais abundam as sugestões para debelar a crise, muitas delas assentes em exigência de diminuição do número de deputados, cargos públicos e quejandos. Estas sugestões podem até ser justas e aliviam, mas não resolvem a nossa situação. A olhómetro, sem fazer contas, é fácil tirar uma conclusão: com estas medidas quase nada mudaria no nosso deficit crónico. Não discuto a justiça, discuto a eficácia.

O que trouxe Portugal até aqui não foi o facto de ter algo mais do que duas centenas de deputados e não sei quantos ministros. Tão pouco foi o facto desses ministros terem motorista e carro oficial. O que nos trouxe aqui foram as políticas, foram os modelos adotados.
Claro que os políticos têm muita responsabilidade. Mas os cidadãos, todos nós, também. Se é certo que muitas vezes fomos enganados, também é certo que outras tantas preferimos deixar-nos enganar, por uma cómoda anestesia em que o presente contava sempre mais do que o futuro.

Finalmente, o futuro chegou.  Sentimos o desespero e com o desespero  já sabemos o que não queremos. Todavia, o único lugar onde é bonito saber para onde se não vai sem que se saiba para onde ir, é nessa magnifico poema de José Régio. A vida é, infelizmente e por norma, diferente da poesia. Na vida temos de saber o que querer de cada vez que sabemos o que não querer.

A energia da revolta precisa de ser canalizada para o debate sobre as alternativas, sob pena de que, como nos querem fazer crer, não haja mesmo alternativa à política atual. Uma política que não está a tentar salvar o futuro, como nos dizem, mas o passado: os modelos sociais do passado, os privilégios do passado, a geoestratégia do passado, a economia do passado.
Os que não queremos o que está, temos de ser capazes de apontar caminhos.

Nestes textos, buscarei dar o meu contributo de cidadão, por vezes coligindo algumas coisas que fui escrevendo noutras ocasiões.

Uma Nova Geoestratégia para Portugal.

A Europa tornou-se um tabu. Durante três décadas, questionar a via europeia quase redundava em excomunhão política. Contudo, ao mesmo tempo que nos estendia parca esmola, essa Europa exigia-nos a destruição de todo o nosso setor produtivo. Foi uma espécie de velho ditado, mas ao contrário: se queres ajudar, dá-lhe dinheiro para que desaprenda de pescar.
Isso foi o que nos fizeram: levaram-nos a quebrar a nossa cana de pesca e nós quebramo-la alegremente porque alguns ganhavam euros fáceis com ações de formação e consultorias e outros ganhavam umas migalhas, igualmente fáceis, frequentando essas mesmas ações. Sem falar nos que fizeram obscuras fortunas, claro, que esses são ou deveriam ser casos de polícia. Prometiam-nos que, no fim, o país estaria mais qualificado e poderiam os portugueses entrar numa nova era económica. Vê-se o resultado.

Quebre-se o tabu e discuta-se a União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o continente. A Europa sempre foi, para nós, um espaço de intensa e necessária diplomacia e não um espaço de integração política. Com exceção do Reino Unido, mais nenhum país europeu pode afirmar o mesmo. Duma forma ou doutra, todos tiveram o continente como epicentro político. Nós não. Terminada a reconquista, todo o Portugal lhe virou costas e se voltou ao Atlântico. As poucas aproximações continentalistas, sempre redundaram em tragédia, como aconteceu quando os Filipes nos imiscuíram nas suas lutas europeias e nos afundaram numa armada que diziam invencível.
Somos atlânticos, não somos europeus e sempre que o quisemos ser, a farsa que nos relata Eça terminou em tragédia, como se comprova historicamente.

Veja-se para aonde emigram hoje os nossos recursos humanos mais qualificados: para Angola e Brasil. Veja-se para aonde se voltam as nossas empresas, para África e América Latina. Veja-se onde sentimos a nossa continuidade cultural, a nossa identidade linguística… sempre e sempre no sentido oeste que “de leste nem bom vento nem bom casamento”, interessante expressão e grande metáfora que não por acaso nos trouxe o passado.
Em vez de estarmos metidos num barco onde não nos sentimos confortáveis, seria tempo de estreitarmos laços com o Atlântico de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé.

A geoestratégia do futuro (do presente) passa grandemente pela ligação Índico-Atlântico e Atlântico-Pacífico. O Brasil sabe isso perfeitamente, razão por que está a investir imenso na integração rodo-portuária com os dois países da América do Sul que podem ligar o seu interior ao Pacífico: o Peru e o Chile.
Se formos capazes de participar na construção duma União Atlântica (gosto de chamar-lhe Atlântida) estaremos a fazer algo de grande, onde poderemos partilhar grandeza. Todos estes países formam uma territorialidade marítima (não esquecer os Açores e a Madeira) que, a unir-se, criaria o fenómeno político do Sec XXI e, unidos pela mesma língua, teriamos uma economia e uma cultura pujantes.

Qual é a contrapartida? Que continuemos a arrastar-nos por uma Europa que se odeia a si mesma e que nos despreza.

Mas, é claro, para isso seria necessário que deixássemos de ter obedientes contabilistas no poder e passemos a ter estadistas determinados.

Um desabafo final
Enfim, sentindo-me revoltado, como quase todos os portugueses, não posso deixar de procurar o que quero mais além do que não quero. Esta é a minha partilha. Outro tanto teria a dizer sobre o modelo económico e social, mas isso deixo para outra ocasião. Por hoje, para sonho e para me dar alguma alegria, basta-me pensar nesta Atlântida.


Luís Novais
* À foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Arquipélago de Bijagós, Guiné-Bissau