"GUERRILHEIROS E NARCOTRAFICANTES DE BRAÇOS DADOS"
Guerrilha e narcotráfico nos vales dos rios Apurimac e Ene (selva alta do Peru).
A minha reportagem in loquo saiu no EXPRESSO deste Sábado (29.12)
domingo, 30 de dezembro de 2012
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
VOANDO SOBRE UM NINHO DE COCA
São 59, os portugueses
que estão presos no Peru. Correios de droga, apanhados nas malhas dum
narcotráfico em que são o elo mais fraco. A minha reportagem sobre as suas
histórias de vida, na Revista do Expresso deste Sábado, 8 de dezembro.
Com o recrudescimento da crise, espera-se que estes
números aumentem. Normalmente, são recrutados entre jovens com trabalhos
precários e desempregados, dois perfis que estão em crescimento, como se sabe.
Viajam em situação
precária, ficam 3 a 4 dias no Peru e no último dia têm de ligar para um número
de telefone. Entregam-lhes 3-4 kg. em fundos falsos de malas ou fazem-nos a
engolir cápsulas e daí vão diretos para o aeroporto... ou para a prisão, em
muitos casos.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
Da Antroplogia à Ideologia
Recentemente, Luis Alves de Fraga, um pensador português que admiro e
costumo acompanhar nas redes sociais, lançou no Facebook o desafio da busca de
novos modelos económicos, capazes de darem as respostas que as ideologias do Sec.
XIX já não estarão a conseguir.
Não me vou alongar na referência à sua intervenção, porque ela pode ser lida aqui. Basicamente, segundo Alves de Fraga, a seguirmos o pensamento oitocentista
com a respetiva concretização novecentista, restar-nos-ia optar entre dois
modelos económicos: de mercado, um, planificado, o outro. O repto era este: são
necessários novos pensadores que formulem novas teorias e novas doutrinas.
Participei do repto, com um artigo que escrevi há tempos, onde defendia que os centripetismos cultural e cronológico nos impedem de encontrar respostas onde elas já tinham existido (ver artigo). A resposta que Alves da Fraga me deu, também pode ser lida no mesmo local e resumo-a nesta frase: a minha visão apontaria “para a revisitação de velhos métodos de sobrevivência que tiveram uma época e foram fruto dela”.
Participei do repto, com um artigo que escrevi há tempos, onde defendia que os centripetismos cultural e cronológico nos impedem de encontrar respostas onde elas já tinham existido (ver artigo). A resposta que Alves da Fraga me deu, também pode ser lida no mesmo local e resumo-a nesta frase: a minha visão apontaria “para a revisitação de velhos métodos de sobrevivência que tiveram uma época e foram fruto dela”.
A minha questão é, no entanto, precedente: a preocupação com a teoria e a doutrina, não será
ela mesma oitocentista? Não apontará também para a revisitação de velhos
métodos? Não será essa ideia, incubada nas luzes, de que podemos refundar o
mundo com base na racionalidade, a base da utopia iluminista em que ainda
estamos a viver?
Ao longo da sua História, a humanidade foi capaz de construir modelos
económicos e sociais que funcionavam e que, embora potenciados pela doutrina,
precediam-na. A doutrina era desenvolvida e utilizada depois, quando essas
mesmas sociedades se queriam tornar dominantes e impor o seu modelo
antropológico. O imperialismo é filho da resposta doutrinária,
portanto, enquanto a doutrina deriva da evolução antropológica.
Talvez a grande novidade do Sec XIX tenha sido essa: uma espécie de metafísica, segundo a qual uma ideia racionalizada deveria preceder a vivência (evitei propositadamente dizer “a existência”). Essa quase teologia que originou das maiores injustiças, dos maiores massacres e das maiores ditaduras a que a humanidade assistiu.
Talvez a grande novidade do Sec XIX tenha sido essa: uma espécie de metafísica, segundo a qual uma ideia racionalizada deveria preceder a vivência (evitei propositadamente dizer “a existência”). Essa quase teologia que originou das maiores injustiças, dos maiores massacres e das maiores ditaduras a que a humanidade assistiu.
É por isso que gosto de olhar para o passado, de perceber o sentido da
evolução antes de chegarmos à ditadura da doutrina.
Houve alguns portugueses temerários no seu pensamento, que procuraram
formular sínteses entre os modelos de pensamento dominantes no seu tempo e as
forma de vida, o mesmo será dizer que entre a ideologia e a antropologia. Entre
eles, destaco Herculano, que toda a vida lutou por uma democracia sem “revolução
cultural”, isto é, sem destruição de tudo o que existia para construir sobre as
cinzas. Mas até mesmo Garret, na sua súbita nostalgia pelo frade, acabou por alinhar
nessa ideia de que a pura racionalidade tinha levado à destruição.
Enfim, não é que eu seja um cego admirador de Calisto Elói antes da queda, sobretudo porque ele mesmo já estava eivado do tal "pecado" doutrinador. Mas lá que o prefiro aos Pereiras de Melo, isso prefiro.
E que estou eu a fazer se não a entrar nessa mesma contradição? Sou mais um dos filhos do Sec. XIX, não há como fugir a isso. Porém, não tão legítimo que não conviva bem com as contradições da minha racionalidade, quando em confronto com a minha vivência.
Enfim, não é que eu seja um cego admirador de Calisto Elói antes da queda, sobretudo porque ele mesmo já estava eivado do tal "pecado" doutrinador. Mas lá que o prefiro aos Pereiras de Melo, isso prefiro.
E que estou eu a fazer se não a entrar nessa mesma contradição? Sou mais um dos filhos do Sec. XIX, não há como fugir a isso. Porém, não tão legítimo que não conviva bem com as contradições da minha racionalidade, quando em confronto com a minha vivência.
Luís Novais
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
Voo em céu de cimento.
Voz que diz:
“és multidão”.
Sou eu:
me dizem não eu.
Sou outro:
negado me digo.
Querem-me.
Roubam-me.
Voo:
vejo-os.
Vejo-os:
sou.
Aterro:
perco-me.
Perdido:
não sou
Ser.
Momento que seja.
Só.
Antes me diga:
“Tu”,
“tu és tu”.
Só.
domingo, 25 de novembro de 2012
Capa da edição brasileira, Novembro, 2012 |
Ao Domingo, passei-o a atualizar
o álbum de “Quando o Sol se Põe em Machu Pichu”. Os trabalhos do meu editor e
da minha agente no Brasil, mereciam que me entregasse à tarefa. Interrompi as
escritas por um dia e andei enfiado nos baús do meu computador. Quase todas de 2006, as fotos são relativas às viagens que
fiz para escrever este livro.
Tarefa inacabada: apesar de o dizerem santo,
não faz milagres, o Domingo… ao longo da
semana colocarei mais. Todas estão acompanhadas pela transcrição do trecho que
lhes diz respeito.
Forte, foi redescobrir aquela em
que estou com Yvonne. Tinha eu acabado de chegar a Lima, de vê-la representar o
papel de Nina em “A Gaivota” de Tchekov. Convidei-a para almoçar no “Manos
Morenas”. Foi aí que, tal como a personagem Remédios na obra, me contou a lenda
da cidade perdida dos incas. No livro, inspirou-me a personagem; na vida real,
tornou-se minha mulher em Janeiro deste 2012.
E por falar em edição brasileira, tenho
de referir o meu agradecimento aos principais responsáveis: a primeira aposta
foi do Artur Castro Neves, mas também apostaram e muito o José Pio, a minha agente
Valéria Martins, o meu editor Marcus Teles. À Sheila Hue e ao Alexandre Moutaury, respetivamente do Real
Gabinete Português de Leitura e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro: ambos acederam a prefaciar esta edição. Muito obrigado.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
"É A HORA"?
É em resultado desta desadequação que jamais teremos uma Europa de alma connosco, ainda que a tenhamos de corpo, corpo de intervenção, às vezes e cada vez mais.
“Só vamos sair desta situação empobrecendo” (Passos Coelho,
Outubro 2011). “É um enorme aumento de impostos” (Vitor Gaspar, Outubro 2012). “Vamos
ter que reaprender a viver mais pobres” (Isabel Jonet, Novembro 2012)… Os exemplos poderiam suceder-se: os nossos responsáveis políticos (e hoje já não é possível
desenquadrar Jonet dessa categoria) parecem ter apostado na desesperança como
terapia de choque.
Infelizmente, a desesperança, quando propagada a tão alto
nível, acaba por ser uma profecia que se auto-cumpre. Os portugueses estão
descrentes e deprimidos; quem ainda acredita em si mesmo, deixou de acreditar
no país. Portugal está hoje entalado entre aqueles que mantêm uma pequena zona
de conforto que os impede de sair, entre a crescente sangria dos seus quadros
mais empreendedores e entre a progressiva saída das suas empresas mais
competitivas. Os primeiros ficam, mas com uma desmotivação que os torna improdutivos,
os segundos vão-se e criam riqueza fora do país, quanto às empresas, as que
ainda podem tocam a fechar as suas portas em Portugal e abrem sociedades no estrangeiro,
de onde não trarão um só euro.
Esta via depressiva é a única que a Europa tem para nos dar, disso
não restam dúvidas e as poucas que restassem partiram no mesmo voo em que Frau
Merkel foi de volta, depois da breve visita que nos fez. Com isto tudo, destroem-se os consensos mínimos sem os
quais não subsiste um país e basta andar pelas redes sociais para tirar tal
conclusão.
Portugal parece um Titanic com a sua
orquestra, mas com a originalidade de esta ter optado por tocar música fúnebre,
como que dizendo aos passageiros que é melhor desistirem de qualquer esforço
porque não têm a mínima chance de sobrevivência.
Estamos a precisar de uma via que nos volte a dar esperança.
Um povo desesperado não é capaz de se colocar de acordo nos mínimos, é um povo para o qual “tudo é disperso, nada é inteiro”.
Se a única coisa que a Europa nos pode dar é o discurso de
que temos de empobrecer, se a única liderança que a Europa consegue criar se
chama Merkel, então é o momento de encarar a situação de frente e, duma vez
por todas, sairmos a grande velocidade desse comboio.
A União Europeia não foi criada para integrar o sul e muito
menos Portugal. Criaram-na, isso sim, porque a História da sua metade central é
uma câmara de horrores. Sempre que se fala na necessidade de manter a União,
vem à baila que ela evita a guerra. E nós com isso? Foi palco em que nunca
estivemos e em que nunca quisemos estar. É precisamente porque a Europa serve apenas
para evitar os conflitos do seu passado, que a Alemanha pôde ter os
incumprimentos que teve na década de 50, beneficiar do enorme perdão de dívida
subsequente (inclusive à custa da Grécia) e declarar unilateralmente o fim da
sua dívida em 1990. É precisamente porque a Europa não serve para integrar o
sul, que ao sul nada disto é permitido e apenas lhe resta um estrito
respeitinho orçamental. E é em resultado desta desadequação que jamais teremos uma
Europa de alma connosco, ainda que a tenhamos de corpo, corpo de intervenção,
às vezes e cada vez mais.
A nossa geoestratégia e a nossa cultura são atlântica e linguística. Precisamos
de voltar a acreditar para nos unirmos num projeto que nos devolva a esperança,
que nos termine com esta guerra interna que, de fria, está em aquecimento
óbvio.
“É a hora”?
Luís Novais
domingo, 11 de novembro de 2012
AS CEROULAS DA FRAU
Vai para aí um burburinho inacreditável por causa dessa
visitante que tanto nos honra. Uns dizem que a Frau é culpada do que por aqui
vai. Outros dizem que tamanhos maldizeres só podem vir duns tipos de esquerda que
teriam um qualquer complexo de muro de Berlim mal resolvido.
Entre uns e outros, é com cada tempestade ideológica que já
ninguém se entende. Para aumentar a confusão, o Conselheiro Marcelo até pôs uns
putos da escola a fazer um vídeo, que aquela coisa só pode mesmo ser voluntarismo de escolares.
Eu cá, não dou para esse peditório. Pendo mais para o lado do
velho Almada e que se lixe tanta racionalidade em bicos de pés: não gosto que a
tipa nos visite porque ela usa ceroulas, de certeza que as usa.
Luís Novais
PS: Ah, é verdade… como às vezes também tenho o vício do
pensamento, gostei de ler este artigo: 'Germany Was Biggest Debt Transgressor of 20th Century'
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Isabel Jonet, o Discurso e o Método
Haja o sentido das proporções: Isabel Jonet nem é sagrada pelo que fez, nem diabólica pelo que disse.
Há por aí grande polémica com
as recentes declarações de Isabel Jonet. Uns, diabolizam-na pelo negacionismo da
pobreza; outros, santificam-na pela obra a que deu rosto.
Nessas reações, o que me
desagrada é sentir o maniqueísmo para que nos encaminham as tensões sociais em
curso. As pessoas não se dividem entre santos e diabos; ninguém está acima de
qualquer crítica, assim como ninguém fica abaixo de qualquer elogio. O
exercício da crítica, positiva ou negativa, não é um tabuleiro a preto e branco.
Que Isabel Jonet dá a cara por
uma obra digna de todo o mérito, parece-me indiscutível e tem de ser
reconhecido. Assim como, saliente-se, tem de ser reconhecido que essa obra,
mais do que qualquer outra, vive exclusivamente da solidariedade dos
portugueses. O “Banco Alimentar contra a Fome” é isso mesmo: um banco que vive de
cidadãos anónimos, que aí depositam alimentos sem outra remuneração que não
seja a de manter a esperança em muitos que, de outra forma, a teriam perdido.
Tem muito mérito esta senhora,
como têm muito mérito os milhares de voluntários da organização e outro tanto
para os milhões de portugueses que contribuem. Somos um povo com muitas
virtudes e também com defeitos, com boas obras e também com opções menos
felizes. Assim somos enquanto povo, assim será Isabel Jonet e assim será cada
um de nós.
Feita a ressalva, sinto-me à
vontade para fazer a crítica: não gostei daquilo que lhe ouvi. Ainda assim, a
minha crítica não se prende com tudo aquilo que afirmou. Há uma primeira parte
da sua intervenção que considero uma justa condenação da sociedade de consumo e
que subscrevo por inteiro. Temos de mudar de atitude, disse, “há toda uma
necessidade permanente de bens que (supostamente) conduz à felicidade e isso
não é real”. Completamente de acordo.
Onde me pareceu infeliz, foi
quando entrou naqueles lugares comuns: comer mais ou menos bifes, lavar ou não lavar
os dentes com água corrente. Vindo de quem trabalha há tantos anos nesta área, esperaria
um juízo muito mais fundamentado, o que ficou ainda mais claro quando a
moderadora chamou à realidade dos estudos existentes sobre esta matéria.
Há cada vez mais óbvios sinais de
pobreza (e não de empobrecimento) em Portugal e branquear isso com artifícios parece-me
muito desadequado. “Não gostaria de ver em Portugal a miséria que vi na Grécia”,
disse. Não deveria ignorar que o caminho da Grécia é precisamente o que estamos
a trilhar e que, se a Grécia está pior, é tão só porque foi empurrada para essa
via há mais tempo do que nós.
Também não gostei de ouvir
afirmar que “as pessoas têm de ser ajudadas para que não fiquem complemente
enraivecidas”. Não, não é por isso que as pessoas têm de ser ajudadas. Pelo que
me toca, badamerda à caridade como um negócio em que se dá para evitar a
revolta, para que se mantenha o imobilismo político e social. As pessoas têm de
ser ajudadas é por isso mesmo: porque são pessoas e têm direito à esperança.
Há uma diferença substâncial entre caridade e solidariedade.
Nos momentos de crise, há um
lugar para os bombeiros que apagam os incêndios e há um outro lugar para os que
avaliam medidas de fundo que os impeçam no futuro, para aqueles que analisam os
erros do passado e traçam vias para que não voltem a ser cometidos. Isabel
Jonet é excelente no papel de bombeiro e tem muito mérito nesse domínio, não a transformem
naquilo que não é.
É por tudo isto que não assino
qualquer petição para que se demita, até porque o “Banco Alimentar” é uma
associação e não me compete tal exigência, mas também porque me parece que tem
exercido bem o seu papel. O mesmo se aplica às petições de sinal contrário: não
me compete exigir que fique ou que vá. Haja o sentido das proporções: Isabel Jonet nem é
sagrada pelo que fez, nem diabólica pelo que disse.
No mais, é óbvio que, como muitos
outros, não terei a mínima dúvida em continuar a contribuir na medida das
minhas possibilidades. O que está em causa é, sobretudo, quem beneficia desta
solidariedade. É nesse essencial que
deveriam estar focadas as atenções.
Luís Novais
Links: Declarações de Isabel Jonet. Notícia no Jornal "Público"
domingo, 14 de outubro de 2012
Portugal entre o exemplo do tráfico e o apregoado mercado.
Que caminho se está a indicar a esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
Muito se tem falado de negócios e
negociatas protegidos à sombra do Estado. Negócios que são feitos, não porque acrescentem
valor ao país, mas simplesmente porque a disponibilidade orçamental existia ou
foi criada numa qualquer alínea, quase secreta, transformada num segredo bem
guardado e com um destino bem orientado.
Muito se tem falado também de
entradas e saídas da política para as grandes empresas e das grandes empresas
para a política, numa dança em que o decisor e contratador público de hoje é o
contratado privado de amanhã.
Regra geral, abordam-se estas
questões do ponto de vista da moralização, da justiça, do caso de polícia.
Completamente de acordo, mas faço
um esforço para ser pragmático, para perceber os reais prejuízos que daqui advêm
para o país.
Alguns, como Paulo Morais, conseguiram
demonstrar que não teríamos a excessiva dívida pública, não fossem tais
relações promíscuas entre os mundos da finança e da política.
Não tenho dúvidas de que assim
seja.
Contudo, o impacto mais grave
parece-me estar no exemplo. Não há jovem que hoje não seja bombardeado com
conceitos e modelos de empreendedorismo. Na escola, na Universidade, em ações
de formação: dizem-lhes que têm de ser empreendedores para terem sucesso, que
têm de ser empreendedores para contribuírem para um país melhor, que têm de ser
empreendedores para estarem ao nível dos melhores. “O empreendedor tem o futuro
do seu lado”, garantem-lhes, para logo lhes dizerem que para isso têm de ser
inovadores, têm de criar ideias, produtos, coisas que sejam necessários e que ninguém
tenha imaginado… enfim, chega a ser quase uma lavagem ao cérebro.
E no entanto, neste sistema em
que a medida do sucesso é a do ganho financeiro, que exemplo lhes dão os mais
graúdos? Que não é importante serem inovadores, que não é importante pensarem
nas reais necessidades do mercado. Que se foda o cliente, o importante é estar
bem relacionado. Que se foda o produto, o importante é entrar num partido e
trepar por aí acima. Viva a economia de tráfico que a de mercado é para os tolos!
Os jovens de hoje olham para um
lado e para o outro. Dum lado, vêem muitos do que correram o risco empreendedor
fecharem portas acossados por uma máquina fiscal que inverteu os mais
elementares princípios do Estado de Direito, acossados pela concorrência
desleal dos que, sendo protegidos pelo sistema, invertem as regras do jogo. Do
outro lado, vêem os traficantes de influências prosperarem duma prosperidade
cada vez mais imoral e descarada.
Que caminho se está a indicar a
esses jovens? Será o caminho empreendedor que ouvem na propaganda do sistema? Ou
será aqueloutro que vêem no funcionamento real desse mesmo sistema?
Há exceções? Há. Hás bons casos
de sucesso? Também. Mas uma economia, uma sociedade, não se fazem de exceções,
fazem-se da média.
Este exemplo asqueroso é talvez a
pior consequência que tudo isto terá no futuro de Portugal. Mostra-se o contrário
daquilo que se ensina. Propaga-se um estilo de sucesso que foi o que nos arrastou
para este precipício. Condena-se o país a prosseguir numa economia de circuito
fechado que, ao invés de criar valor, o destrói.
Recentemente, estive numa prisão
peruana a entrevistar jovens correios de droga portugueses. Um deles,
falando-me dos guardas prisionais, dizia-me o seguinte: “os que dizem que vão
fazer de nós bons cidadãos, são os que vemos serem mais corruptos”. Por fim
desabafava: “é irónico mas é assim”.
Parece Portugal, “é irónico mas é assim”
Luís Novais
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
Jornalismo e Desmistificação
Vai um grande debate sobre a
profissão do jornalista. Um pouco por todo o lado as edições em papel perdem
leitores, as redações diminuem de tamanho e os despedimentos coletivos são uma
constante, seja na Europa, seja nos Estados Unidos; seja no “El País”, seja no “Público”
que duma assentada vai despedir 50 jornalistas.
Podemos analisar esta questão do
ponto de vista da barbárie capitalista, que é um facto. Mas também do ponto de
vista da análise das causas e da perspetivação das alternativas que se colocam.
A sociedade está hiper-informada.
Quantos de nós não usamos o Facebook para sabermos pela nossa rede o que se está a
passar? Quantos não vamos depois ao Google para aprofundarmos aquilo que nos
interessa?
Nesta sociedade já não vale a
pena pensar no jornal como meio de veicular a notícia em toda a sua etimologia.
O jornalismo noticioso tenderá a perder cada vez mais público e, por via
disso, estará cada vez mais entregue a jovens estagiários de custo reduzido e
grande rotatividade.
Todavia, se a sociedade beneficia
duma hiper-informação, padece também desse mesmo mal. O objeto da notícia
aprendeu rápido e aproveitou os novos meios ao seu dispor para se transformar
em criador e veículo da notícia. O atual Presidente da República justificou o
investimento que fez no site da presidência com a necessidade de ultrapassar os
critérios jornalísticos e comunicar diretamente com os portugueses. E quem
esqueceu o recente episódio em que Miguel Relvas ameaçou uma jornalista de veicular
uma determinada informação pessoal através da… internet?
Acontece que o objeto da notícia
não é isento. Ou antes, aceitando que a isenção não existe, o objeto da notícia
é parte da mesma, tem por isso um interesse muito diferentes do de informar. A
sociedade hiper-informada em que vivemos estará mais ou menos consciente disso
e a crença generalizada de que “já não sabemos em quem confiar” é uma
hipertrofia da crise da pós-modernidade: a transformação da verdade helénica na
mera palavra tantas vezes repetida quantas as necessárias para que o precedente
se transmute em transcendente, o dito em verdade.
Esse papel de ir mais além da
notícia transformada em verdade auto-construída, esse julgo ser o papel que
hoje está reservado ao jornalista. É um caminho difícil: por segurança
psicológica e preguiça mental, o ser humano tem a tendência de acreditar em
mitos; gosta que lhos criem e a eles adere de forma irracional. Para mais, os
mitos protegem-se mutuamente: o medo gerado pelo do anticristo serve para
proteger o seu contrário. Não é tarefa fácil, a do destruidor de mitos, é ser
uma espécie de anticristo, é certo. Mas é tarefa necessária e os vazios são
espaços à espera de preenchimento.
Luís Novais
Foto: Stock.Xchang
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Acabo de ler “Os Pobres”. Raul Brandão escreveu-o na ressaca da primeira bancarrota de Portugal, a de 1891. Arrepia a profundidade daquelas personagens que nos desfilam numa atualidade latente, o Gebo, o Gabiru, as prostitutas… até deprime, ler agora o que então se escreveu . Ver essa mesma passadeira negra que nos estendem...
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Nem admira o Estado a que isto chegou
Tantas são as cobras e não menos
os lagartos que andam por aí a soltar-se contra essa besta gorda que se diz
Estado, que decidi andar em busca das fontes da sua voracidade. Consultei
alguns entendidos, consultores de horas vagas, e de pronto me disseram que se
era para decepar que se decepasse na saúde, que essa é uma autêntica desgraça
despesista, mais do que uma pipa de desperdício.
Armei-me de lupa e fui em busca.
Já tinha a minha estratégia toda muito bem montada: pegar no ágil campeão do
anti-Estado e compará-lo com esse gordo e flácido que é o que se diz nosso. “Deixa
estar que já te apanho”.
Fiquei a saber, nada mais e nada
menos, que em 2008 cada americano gastava com a sua rica saúde 5.988 euros,
contra os 1.957 de cada português, ainda que a despesa do português corresse sobretudo
por conta desse tal pançudo, o Estado. Qualquer coisa como 15,6% do bruto
produto deles e apenas 9,5% do nosso.
Que ricos meninos, eles, com uma
despezinha destas deverão ter uma saúde de leão. Quanto a nós, coitaditos, deveremos
andar a pedir valhas a Deus.
Nem pude acreditar na surpresa
que me estava reservada: morremos menos, nós, caramba! Numa conta a que se
chama a média, aqui os tugas vivem até
aos 79 anos com quatro meses e eles apenas 78 com mais dois mesitos. Somos os
vigésimos que menos morrem e eles os trigésimos oitavos, que até o inimigo
cubano lhes fica acima.
Não me deixei enganar por uma
aparência que só poderia ser enganosa, uma armadilha da estatística que é por
essas e por outras que nunca confiei muito em Pitágoras. De tanto pensar, o meu
eureka surgiu bem postulado: hábitos de pobre meu caro, hábitos de pobre; não
há comidinha mais saudável do que a dos pobrezinhos, já lá dizia o meu médico, “coma
sopa, homem, você coma-me sopinha”. Deixa estar, que eu já descubro a careca a
isto tudo.
Foi com fito nisto que fui à cata
daquele grupo a quem as maioneses e molhangas afins ainda não tiveram tempo,
nem para entupir veias, nem para engordurar outros sistemas vitais: as
crianças, mas aquelas que são mesmo muito criancinhas, nada mais do que até 5
aninhos. Procurei e… mais uma surpresa, que com esta eu já estava quase a
agradecer ao quarto joanino pela lusa encomenda à Senhora da Conceição. Pois
não é que nos morrem 6,6 em mil contra a 7,8 a eles. Atenção que não é caso
para menos do que benzedura: estamos no lugar 26 e eles no 33 (e Cuba em 28)!
Caramba que até impressiona: uma
miséria de 1.957 por cidadão e estamos muitos pontos acima desses ricos parentes
afastados, que gastam à tripa forra, mais do que o triplo, esses tais que são aqueles
de quem se diz serem a maior potência económica de todo o planeta sem exceção, os
que têm as melhores bombas de que há memória passada e presente.
Olá, olá, que podemos não ser o
país que melhor bombardeia o semelhante, mas somos um dos que melhor cuida dos
seus.
Foi então que, assim como uma
luz, pensei que talvez o pecado fosse outro. Talvez nos andemos a render anos
de vida, em vez de lucros aos acionistas. Não percebemos nada de economia, nós.
Não admira o estado a que isto chegou.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Pelo Reconhecimento do Gene como Património da Natureza.
Logotipo da Monsanto |
Não
é a primeira vez que escrevo sobre a manipulação genética e a sua exploração
comercial. O gene é a partícula que sustenta a vida e é seguramente a “tecnologia”
mais avançada do planeta. Se chegamos até nós, foi graças ao seu desenvolvimento.
Ele é sagrado e é profano. Sagrado porque sustentação de toda a vida, profano
porque mata para se apurar. Demorou milhões de anos a chegar aqui e esperemos
que muitos mais para chegar até outros; alterado, adaptado, refundado, mas
sempre ele e, nele, sempre o tempo.
É
por isso que a sua privatização é monstruosa. Ser seu dono é ser dono da vida,
ser dono da vida é ser aprendiz de divino.
Além
da questão moral, acresce a da saúde pública. Um trabalho científico recente,
demonstrou que ratos alimentados com milho transgénico da multinacional americana
Monsanto, desenvolveram grandes tumores e tiveram uma taxa de mortalidade três
vezes superior à dos que foram alimentados com milho natural.
Esta
experiência decorreu durante dois anos, contra uma idêntica, da própria
Monsanto, que durou apenas três meses e que serviu de base à autorização para a
comercialização destas sementes.
Basta
bom senso para entender que o organismo animal evoluiu em paralelo com a
disponibilidade alimentar e que, se alterarmos abruptamente as características
desta, isso terá impacto negativo naquele.
Todavia,
a-priori temos a questão da
legitimidade. Empresas como a Monsanto apropriam-se de milhões de anos de
evolução, fazendo uma pequena alteração no processo natural para depois se
tornarem donas da sua totalidade. Isto é legitimo? Para mais, as culturas
geneticamente modificadas contaminam as restantes e,
por outro processo de manipulação, o político, podemos ser condenados por
semear um pé de feijão sem lhes pagar direitos.
A
sua privatização é imoral e o desenvolvimento de pesquisas nesta área não pode
ter fins comerciais. Não estamos sequer a falar dum património que seja nosso,
mas da vida toda ela, aliás, trata-se da própria vida. É por tudo isto que o
gene deve ser declarado património da natureza, nem sequer da humanidade.
Nota: Ainda que recorrendo a um título falacioso, o jornal PÚBLICO mostra os dois lados desta experiência: ver notícia
Luís Novais
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
De crise em crise até à queda fatal
* |
Hoje, mais do que nunca,
estamos todos aqueles que empobrecem acreditando que a prosperidade é função do
valor que se cria, contra esses tais, aqueles para quem o lucro é função da
riqueza que os deixamos destruir.
Num grupo de debate em que participei, discutia-se que o próximo passo nas exigências da Troika seria o despedimento de funcionários públicos. Quando isso acontecer, não faltarão os aplausos dos fundamentalistas do liberalismo, de alguns empresários e até de funcionários do setor privado. Mesmo porque, como é costume, tudo será antecedido por uma ampla campanha noticiosa: quanto ganham os gestores? Quanto se gasta em salários? Quantos carros tem o tal instituto ou o tal hospital? Tudo questionado sem que jamais se fale nas contrapartidas em serviços, mas sempre e sempre denunciando os gastos e apenas os gastos.
Sem aplaudir por decoro, mas esfregando
as mãos de contentamento, estarão ainda aqueles que contratarão os
ex-funcionários públicos, para que façam as mesma tarefas por metade dos
salários, mas com o triplo dos custos para o Estado. Rejubilarão também os que
se preparam para as Parcerias Publico Privado que substituirão os serviços em
causa.
Sinceramente, eu estou farto de
ouvir falar na ineficácia do setor público como justificação de todos os males.
Só para ilustrar com um exemplo, os Estados Unidos são o país do mundo onde o
gasto percapita na saúde é maior e têm indicadores piores do que Portugal. Por
lá, a saúde sempre foi um negócio exclusivamente privado, por cá tudo se
prepara para que também seja.
Já agora, como não comparar também
as Universidades Públicas às privadas, algumas das quais até diplomas de favor
vendem?
Os problemas que atravessamos nada têm a ver com os serviços que o Estado assegura (o que, claro, implica
funcionários), mas com a completa desregulação da finança internacional que nos
tem levado de bolha em bolha até à explosão final. Um turbilhão em que a bolha
seguinte serve para compensar as perdas da anterior e, no final, o
cidadão/consumidor ou pequeno investidor é sempre quem suporta os custos.
Nesta sucessão de consecutivos
empolamentos de valor, o ataque seguinte é sempre praticado sobre um tipo de produto
mais essencial do que o anterior.
Eles querem distração? Espetemos-lhes
com uma bolha tecnológica. Rebenta a tecnológica e eles têm de abdicar da
distração, mas de casa não que de telha todos precisam: pum, bolha imobiliária
e os preços da habitação a disparar. Ai Jesus que se nos rebentou a
imobiliária. E agora? De que não podem eles abdicar mesmo? De comer, claro:
catrapum, especulação no mercado alimentar e os preços dos alimentos a subir, a
subir.
Esta última é a bolha em que estamos
a viver. Que morra gente de fome pelas ordens que são dadas a partir de
luxuosos gabinetes, isso não importa. Especular-especular, isso sim, que pode
não haver casa mas comer todos têm de comer.
De mãos dadas com este movimento,
está a corrupção, que o dinheiro sobra sempre para quem ajuda a tornar
possíveis lucros tamanhos. Marcha em frente que no fim alguém há-de pagar… e
alguém está a pagar, como bem se tem visto.
É este ciclo infernal que temos
de interromper. Hoje, mais do que nunca, não deveríamos estar portugueses
contra alemães, alemães contra americanos, americanos contra chineses. Hoje,
mais do que nunca, estamos todos aqueles que empobrecem acreditando que a
prosperidade é função do valor que se cria, contra esses tais, aqueles para
quem o lucro é função da riqueza que os deixamos destruir.
Uma última questão. Quando finalmente
rebentar mais esta bolha, a alimentar, qual será a que se segue? Há dias fui
abordado por uma promotora de talhões num cemitério… temo que a seguir só reste
mesmo este setor, que comer até podemos não comer, mas morrer lá teremos todos
de morrer…
* Foto: Everystockphoto
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
As minhas razões para estar com a manifestação de dia 15
Amanhã há manifestação contra a
Troika. É assim mesmo que está convocada por um grupo de cidadãos: “Contra a
Troika, que se lixe a austeridade”.
Apoio esta manifestação e estaria
na de Braga se estivesse em Portugal. Faço-o porque acho que todos temos de
abalar os modelos políticos, económicos e sociais que nos estão a ser impostos.
Digo bem, impostos, que hoje o verdadeiro decisor já não é o povo. Não o faço
porque queira fazer cair este Governo. Sou realista: sei quais são as
alternativas e, apesar de não apoiar as medidas anunciadas, prefiro quem me
diga claramente o que pretende do que quem me leve a cantar e rir para o
abismo. Abismo por abismo, que seja consciente.
Vejo muitos dos que foram responsáveis
pela situação atual a bradarem aos céus contra este Governo. Uns disfarçam
melhor do que outros, mas nenhum consegue esconder uma vontade irreprimível de regressar ao poder, de
repartir os cargos e sinecuras de que agora acusa os outros. Alguns dos que andam a colocar no facebook
recortes do Diário da república com as nomeações deste Governo, deveriam corar
de vergonha antes de o fazer (saliento o "alguns").
Há muita gente a querer cavalgar
a justa indignação popular, é o que é. E para voltar ao poder e fazer pior, é
também o que também é.
Fazer cair este Governo para o
substituir por outro que seja pior e mais irresponsável, não é alento para a
minha adesão ao movimento de dia 15. Substituir Pedro passos Coelho por António
José Seguro, muito menos. Menos ainda contribuir para que uma qualquer brigada
do reumático social democrata reocupe um lugar que nunca aceitou perder.
O que vejo é a oportunidade para
o regresso do Povo à política. O que vejo é uma oportunidade para um efetivo
debate sobre quem somos enquanto país e para onde queremos ir. A par de muita
exaltação impensada, de muitos insultos gratuitos, de algumas ameaças condenáveis,
vejo que as pessoas voltam a ter interesse no destino de Portugal, que voltam a
debater, que voltam a apresentar ideias. É esta revitalização que me faz correr,
é a esta revitalização que adiro.
Temos de assumir que chegamos ao
fim dum ciclo, temos de perceber que a geração de unionistas europeus gastou o
nosso futuro no seu presente. Salvaguardaram-se, blindaram-se e mandaram que os
seguintes, nós, fechássemos a porta, enquanto a sua orgia continuava garantida.
No poder, deixaram de ter um
contrato com os cidadãos e passaram a tê-lo com obscuros interesses económicos.
Não geraram riqueza porque não criaram, enriqueceram porque traficaram. Não foi
por inovarem, não foi por gerarem valor para a sociedade (ou para o mercado, se
preferirem), não foi por serem gestores geniais. Não. Foi apenas tráfico, tudo
foi tráfico e nem é preciso perder tempo com exemplos, todos os conhecemos.
Eu não sou contra as reformas dos
políticos. Eu defendo que os políticos as tenham. Porque o que eu espero dum
político é que me defenda da cobiça dos interesses económicos. Eu quero
políticos que nenhum grupo económico queira empregar quando terminem as suas
funções públicas. E porque quero isso, quero políticos que não corram o risco
de perder uma dignidade mínima de vida material quando saem. Estou disposto a pagar por isso, mas em contrapartida não aceito que se aproveitem das suas funções a pensar gananciosamente
naquilo que vão ganhar a seguir, graças aos tráficos que praticaram, graças aos negócios
que proporcionaram. Essa ganância é a principal responsável pela situação em
que nos encontramos. Sem essa ganância não estaríamos agora todos a pagar o
calculismo de tão poucos.
Portugal precisa duma refundação.
A União Europeia odeia-se a si mesma e despreza-nos. O ciclo europeu chegou ao
fim e temos de pensar uma nova geoestratégia para o nosso país.
Já neste Blogue partilhei muitas
das minhas ideias, não as vou repetir. Mas é por isso e só por isso que estou com a manifestação de dia 15. Não admito a nenhum partido co-responsável por
esta situação que se aproprie do meu grito.
Luís Novais
PS: Uma vez que não estou em Portugal, decidi participar fazendo uma edição gratuita do meu romance “Crónica d’Orelhudos” para carregamento online e com capa alusiva à Manif. É a minha participação, assim como a própria Crónica já tinha sido um dos meus gritos. Podem descarregá-la clicando aqui.
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
UM GRITO DE INDIGNAÇÃO
Edição especial: dia 15 de Setembro todos à Manif.
Não
sou um frequentador habitual de manifestações. Não é por preferir o conforto de
casa enquanto os outros reivindicam os meus direitos. É apenas uma questão de
feitio, de predisposição pessoal. Não é que aceite ficar calado perante tudo o
que me queiram impor. É tão só porque cada um tem a sua idiossincrasia. A
minha leva-me a uma revolta pausada, mais do que inflamada. Leva-me a debater,
mais do que a gritar palavras de ordem. Leva-me a escrever mais do que a exibir
cartazes.
Nada
contra quem o faça, é apenas o meu modo. Procuro contribuir para a mudança,
mas no âmbito do meu ser.
Sou
adepto dos meios de resistência pacífica que Gandhi tão bem advogou. Prefiro,
por exemplo, um dia “Todos em casa” do que uma concentração. Prefiro fazer uma
greve à rua do que a rua ela mesma. Lembram-se de quando os brasileiros se
vestiram todos de branco para afastar um presidente corrupto? Prefiro.
Todavia,
há limites para aquilo que um país pode aceitar. Nem sequer falo deste Governo
e destes governantes, mas de tudo o que nos trouxe até ao momento atual. É
altura de dizermos claramente que não queremos ir por aí.
Desta
vez, lamento não estar em Portugal no próximo dia 15. Não poderei ir a uma
manifestação a que, agora, iria convictamente.
Dou
o meu grito com esta edição especial da Crónica
d’Orelhudos. Tem capa comemorativa “Dia 15 todos à Manif.” e está para
descarga livre e gratuita no meu blog.
A
“Crónica” é uma fábula de gente. Gente capaz de se governar mas que se viu
transformada em Orelhuda com a chegada dessa grande parideira de mulas
governadoras. É também a manifestação da minha revolta, esta “Crónica”. Em alguns aspetos, só eu seu quanto.
Uma
última palavra, para fazer um voto de que saibamos aproveitar a energia que se
está a libertar. Saibamos ser criativos em todo este processo, para que não
sejamos vítimas de outros que, com mais responsabilidades, já se preparam para
entrar no comboio, já se preparam para lhe tomar os comandos.
Precisamos
de saber o que não queremos? Sim, tem razão José Régio. Mas da poesia à vida,
vai o salto do não querer ao querer. Que também saibamos, portanto, o que
queremos. Esse é o debate que espero que saia de toda esta movimentação.
Lima,
12 de Setembro de 2012
Luís Novais
terça-feira, 11 de setembro de 2012
O IMPOSTO QUE ARRUMARIA A QUESTÃO PPP
Vitor Gaspar |
“Efetivamente, eu seria de
opinião que num mundo ideal teria sido possível realizar progressos mais
rapidamente do que conseguimos”. Em entrevista à SIC e sem pestanejar foi com
estas palavras que o Ministro das Finanças respondeu a José Gomes Ferreira, a
propósito dos atrasos na renegociação das Parcerias Publico Privados (PPP). Perante
a insistência do entrevistador, Vítor Gaspar diria ainda que “queremos
conseguir os resultados tão cedo quanto possível, mas não foi possível avançar
mais depressa”.
Proferidas com a maior das displicências,
estas afirmações são uma clara declaração da rendição do Estado. Isto na melhor
das hipóteses, que na pior são a prova da total subserviência dos governantes perante o grande poder económico.
Seguem-se outras pérolas idênticas. Os
monopólios energéticos deveriam usar a poupança na Taxa Social Única (TSU) para
baixar os custos da energia, vai obrigá-los a isso? A resposta: não compete ao
Estado, mas o poder da opinião é muito forte…
Fica claro que em nada se vai mexer.
Num caso, o das PPP, enreda-se o assunto em negociações que se complicam o mais
possível para criar a aparência de que se faz sem que se faça. Noutro caso, o
do custos energéticos, apela-se a que os portugueses opinem…
Houvesse verdadeira vontade e
coragem políticas e um caso como o outro teriam resolução automática. Em vez do
Estado se enredar numa negociação infindável, por que não faz aos detentores
das PPP’s o mesmo que faz aos cidadãos? Por que não lhes cria um imposto? Um pagamento
especial sobre os rendimentos destas parcerias resolveria tudo no mesmo tempo
que demora a inserir mais um artigo no Orçamento Geral do Estado. E o mesmo
para os custos energéticos: um imposto de 100% sobre toda a faturação superior
à média europeia.
Se os grandes beneficiários dos deficits de Portugal
fossem tratados como são tratados os portugueses, o Ministro das Finanças não diria
que “num mundo ideal teria sido possível realizar progressos mais rapidamente”
na renegociação das PPP. Eu nem peço um mundo ideal. Para usar uma expressão da
moda, só peço um mundo mais equitativo. E num mundo mais equitativo, o Estado
iria buscar a estas empresas pelo mesmo processo célere e eficaz com que vai
buscar aos cidadãos: pela via fiscal, com a criação dum imposto especial,
ou, melhor dito, de uma taxa.
Luís Novais
Luís Novais
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
ATLÂNTIDA, UM RUMO PARA PORTUGAL
Qual é a contrapartida? Que continuemos a arrastar-nos por uma Europa que se odeia a si mesma e que nos despreza.
Luís Novais
* |
Quebre-se o tabu e discuta-se a União
Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e
nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o
continente.
O desespero dos portugueses é, hoje,
óbvio e justificado. Nas redes sociais abundam as sugestões para debelar a
crise, muitas delas assentes em exigência de diminuição do número de deputados,
cargos públicos e quejandos. Estas sugestões podem até ser justas e aliviam,
mas não resolvem a nossa situação. A olhómetro, sem fazer contas, é fácil
tirar uma conclusão: com estas medidas quase nada mudaria no nosso deficit crónico. Não
discuto a justiça, discuto a eficácia.
O que trouxe Portugal até aqui
não foi o facto de ter algo mais do que duas centenas de deputados e não sei
quantos ministros. Tão pouco foi o facto desses ministros terem motorista e
carro oficial. O que nos trouxe aqui foram as políticas, foram os modelos
adotados.
Claro que os políticos têm muita
responsabilidade. Mas os cidadãos, todos nós, também. Se é certo que muitas
vezes fomos enganados, também é certo que outras tantas preferimos deixar-nos
enganar, por uma cómoda anestesia em que o presente contava sempre mais do que
o futuro.
Finalmente, o futuro chegou. Sentimos o desespero e com o desespero já sabemos o que não queremos. Todavia, o
único lugar onde é bonito saber para onde se não vai sem que se saiba para
onde ir, é nessa magnifico poema de José Régio. A vida é, infelizmente e por
norma, diferente da poesia. Na vida temos de saber o que querer de cada vez que
sabemos o que não querer.
A energia da revolta precisa de
ser canalizada para o debate sobre as alternativas, sob pena de que, como nos
querem fazer crer, não haja mesmo alternativa à política atual. Uma política que
não está a tentar salvar o futuro, como nos dizem, mas o passado: os modelos sociais
do passado, os privilégios do passado, a geoestratégia do passado, a economia
do passado.
Os que não queremos o que está,
temos de ser capazes de apontar caminhos.
Nestes textos, buscarei dar o meu
contributo de cidadão, por vezes coligindo algumas coisas que fui escrevendo
noutras ocasiões.
Uma Nova Geoestratégia para Portugal.
A Europa tornou-se um tabu.
Durante três décadas, questionar a via europeia quase redundava em excomunhão
política. Contudo, ao mesmo tempo que nos estendia parca esmola, essa Europa exigia-nos
a destruição de todo o nosso setor produtivo. Foi uma espécie de velho ditado,
mas ao contrário: se queres ajudar, dá-lhe dinheiro para que desaprenda de
pescar.
Isso foi o que nos fizeram:
levaram-nos a quebrar a nossa cana de pesca e nós quebramo-la alegremente
porque alguns ganhavam euros fáceis com ações de formação e consultorias
e outros ganhavam umas migalhas, igualmente fáceis, frequentando essas
mesmas ações. Sem falar nos que fizeram obscuras fortunas, claro, que esses são ou deveriam ser casos de polícia. Prometiam-nos que, no fim, o país estaria mais qualificado e
poderiam os portugueses entrar numa nova era económica. Vê-se o resultado.
Quebre-se o tabu e discuta-se a
União Europeia. Olhemos para a nossa História. Somos o país mais antigo da Europa e
nunca, mas nunca, quisemos estar aí. Nunca, mas nunca, estivemos voltados para o
continente. A Europa sempre foi, para nós, um espaço de intensa e necessária diplomacia
e não um espaço de integração política. Com exceção do Reino Unido, mais nenhum país europeu pode afirmar o mesmo.
Duma forma ou doutra, todos tiveram o continente como epicentro político. Nós
não. Terminada a reconquista, todo o Portugal lhe virou costas e se voltou
ao Atlântico. As poucas aproximações continentalistas, sempre redundaram em
tragédia, como aconteceu quando os Filipes nos imiscuíram nas suas lutas
europeias e nos afundaram numa armada que diziam invencível.
Somos atlânticos, não somos
europeus e sempre que o quisemos ser, a farsa que nos relata Eça terminou em
tragédia, como se comprova historicamente.
Veja-se para aonde emigram hoje os nossos recursos humanos mais qualificados: para Angola e Brasil.
Veja-se para aonde se voltam as nossas empresas, para África e América
Latina. Veja-se onde sentimos a nossa continuidade cultural, a nossa identidade
linguística… sempre e sempre no sentido oeste que “de leste nem bom vento nem
bom casamento”, interessante expressão e grande metáfora que não por acaso nos trouxe o passado.
Em vez de estarmos metidos num
barco onde não nos sentimos confortáveis, seria tempo de estreitarmos laços com
o Atlântico de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné e São Tomé.
A geoestratégia do futuro (do
presente) passa grandemente pela ligação Índico-Atlântico e Atlântico-Pacífico.
O Brasil sabe isso perfeitamente, razão por que está a investir imenso na
integração rodo-portuária com os dois países da América do Sul que podem ligar
o seu interior ao Pacífico: o Peru e o Chile.
Se formos capazes de participar na
construção duma União Atlântica (gosto de chamar-lhe Atlântida) estaremos a
fazer algo de grande, onde poderemos partilhar grandeza. Todos estes países
formam uma territorialidade marítima (não esquecer os Açores e a Madeira) que, a unir-se, criaria o fenómeno político do Sec XXI e,
unidos pela mesma língua, teriamos uma
economia e uma cultura pujantes.
Qual é a contrapartida? Que continuemos a arrastar-nos por uma Europa que se odeia a si mesma e que nos despreza.
Mas, é claro, para isso seria
necessário que deixássemos de ter obedientes contabilistas no poder e passemos
a ter estadistas determinados.
Um desabafo final
Enfim, sentindo-me revoltado,
como quase todos os portugueses, não posso deixar de procurar o que quero mais
além do que não quero. Esta é a minha partilha. Outro tanto teria a dizer sobre
o modelo económico e social, mas isso deixo para outra ocasião. Por hoje,
para sonho e para me dar alguma alegria, basta-me pensar nesta Atlântida.
Luís Novais
* À foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Arquipélago de Bijagós, Guiné-Bissau
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