terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A Revolta da Classe Média

Primeiro sinal:
Em Portugal os professores fazem greves contínuas. Organizam manifestações. Manifestações onde conseguem o feito de juntar no mesmo local mais de 2/3 da classe. E parecem apostados em não desmobilizar. De tal forma que, ao mínimo sinal de longínqua cedência por parte dos sindicatos, o “poder da rua” rapidamente se organiza para não lhes dar essa margem de manobra.

Segundo sinal:
A Grécia está a ferro e fogo. Um polícia matou a tiro um jovem. Ao que parece o jovem tinha tentado deitar fogo ao carro patrulha e o polícia respondeu a um tipo de fogo com outro tipo de fogo: o da arma. A população reagiu. Em todas as cidades gregas têm-se sucedido manifestações. Manifestações acompanhadas de actos de vandalismo.

A análise:
Não estou de forma alguma a querer comparar a forma de protesto dos professores portugueses com as que se têm verificado na Grécia. Em Portugal os professores têm-se manifestado de forma ordeira e perfeitamente integrada nos direitos que lhes são garantidos pela lei e respeitando escrupulosamente as obrigações que lhes são exigidas pela mesma.

Não é isso que me interessa. Não sou jurista e por isso não analiso esta questão desde esse ponto de vista. A mim interessa-me o fenómeno social. E é enquanto fenómeno social que acho que aquilo que se passa na Grécia tem tudo a ver com o que se passa com os professores portugueses e tem, também, tudo a ver com fenómenos que, estou quase certo, virão a acontecer em toda a Europa.

Quem quiser ver tudo isto como uma situação isolada, no caso da Grécia, ou como uma mera revolta de classe, no caso dos professores portugueses, estará a tapar o sol com a peneira.
Acredito que estamos, isso sim, perante uma revolta da classe média. Uma revolta que se relaciona com a perda de poder por parte das instituições que são sufragadas pelo cidadão. O sufrágio é a arma da classe média. Mas a que estamos a assistir? As instituições do Estado que são sufragadas universalmente já são meros objectos decorativos. O verdadeiro poder não está aí. Está na alta finança e está no casamento entre esta e um baronato político que saltita entre as grandes empresas e os cargos políticos.

A esses tudo é possível e a capacidade financeira que têm põe-nos ao abrigo de tudo, inclusive dos implacáveis fiscais das finanças. Implacáveis mas apenas para os trabalhadores por conta de outrem e para os pequenos e médios empresários. Os outros estão protegidos pela rede global de ofshores onde o dinheiro não tem donos nem rostos. E a esses ninguém chega e ninguém se atreve a chegar, muito menos o pobre do fiscal das finanças.

E é essa mesma classe média que assiste a este jogo. Um jogo cada vez mais descarado. É essa classe média que é incentivada a endividar-se para manter o jogo. Que perante uma crise provocada pelo excessivo endividamento ouve que tem de se incentivar esse mesmo endividamento. Uma classe que está a sentir dificuldade em pagar os compromissos que tem. Que quando não paga apanha com a implacabilidade da banca e da justiça. É essa classe média que vê pequenas dívidas que não conseguiu saldar transformadas em grandes dívidas, depois de todas as taxas e juros astronómicos de mora que a banca pode discricionariamente aplicar. E o que vê essa mesma classe média que deixou de sonhar e que tem cada vez menos horizonte? Vê os recursos públicos aplicados a salvar bancos que gerem fortunas e a cujos afortunados correu mal a expectativa de lucros especulativos. Lucros que ninguém se teria lembrado de partilhar com ninguém se por acaso tivessem acontecido. Lucros que provavelmente teriam ido parar a Porto Rico ou a qualquer outro paraíso.

A revolta dos professores, a revolta dos Gregos, todas as que se vão seguir. Nenhuma dessas revoltas tem que ver com aquilo que aparentemente as motivou. É uma revolta dessa classe que já não tem poder e que já não tem voz e que já nem sonhos tem. Dessa classe média que é obrigada a viver apenas com os olhos no dia seguinte.

Em “The Future of Democracy” Fareed Zakaria demonstrou claramente que nenhuma democracia consegue sobreviver sem uma classe média forte e próspera. Mas os políticos insistem em ver estes fenómenos de revolta como meros epifenómenos. Talvez estejamos a assistir ao suicídio do regime. E é pena. Trata-se do regime em que gosto de viver!

Luis Novais