terça-feira, 3 de maio de 2016

Eu, VENTO E TEMPO





A tudo que cheguei
não chegado arribei.
Mal chegador me vi,
já partido fui.

Sou tempo,
ou sem tempo,
eu.
Eterno viajante, ele;
em eterna debanda, eu

Sou o vento
ou com o vento, eu.
Nunca chegado, ele.

Sempre partido, eu.


Luís Novais

segunda-feira, 2 de maio de 2016

POR MUITO QUE CUSTASSE A EÇA


Um artigo escrito na antiga ortografia, que o cidadão Marcelo publicou recentemente no Expresso, veio reavivar a polémica entre acordistas e não-acordistas. Pouco depois, o Presidente Marcelo viria a fazer o mesmo no web site da Presidência, mas aí apressou-se a corrigir os erros.

Tenho o hábito de ler os nossos clássicos tal qual escreveram. É uma mania que os livros eletrónicos vieram facilitar, já que a maioria das edições gratuitas disponíveis na Amazon são do século XIX ou inícios do XX.

Estranho a forma como escreveram e encaro este interesse como uma espécie de arqueologia. Muitas vezes imagino o que pensariam Herculano, Camilo, Eça ou Antero, se se lessem na forma como os escrevemos. Talvez não sentissem diferença entre o pré e o pós-acordo ortográfico, mas certamente que estranhariam qualquer comparação, seja com a ortografia anterior, seja com a atual.

Não posso imaginar o que diriam, mas, por muito que pudesse custar a Eça, a língua é um ser vivo em constante mutação, com novos vocábulos, estrangeirismos, calões, códigos e regras.

Um artigo escrito na antiga ortografia, publicado recentemente pelo cidadão Marcelo no Expresso, veio reavivar a polémica entre acordistas e não-acordistas. Pouco depois, o Presidente Marcelo viria a fazer o mesmo no web site (e lá vai estrangeirismo) da Presidência, mas aí apressou-se a corrigir os erros.

Já diversas vezes manifestei a minha opinião a favor da progressiva sintonia entre as diferentes formas de escrever português. Defendo o aprofundamento da relação entre os países que falamos a mesma língua, mormente na bacia atlântica. Acredito que é aqui e não na Europa que devemos criar um espaço de cultura e de liberdade de circulação. A ortografia comum é um passo nesse sentido, que pode facilitar o aparecimento de veículos difusores, como seria uma televisão em língua portuguesa ao estilo CNN ou Al-jazeera.

Defendo o que acabo de dizer, ainda que não seja nisto mas nas novas gerações que penso, quando oiço discussões serôdias e saudosistas da ortografia perdida.  

O novo Acordo Ortográfico começou a ser usado de forma gradual a partir de 2008, até que em 2011 se aplicou oficialmente na totalidade do sistema educativo. Os que têm 11 anos aprenderam a escrever dentro desta regra e desconhecem qualquer outra. Foi também assim que tiveram metade da escolaridade os que hoje se encontram às portas do ensino superior. Por último, todos os que terminaram recentemente as suas licenciaturas, fizeram-nas integralmente segundo a nova ortografia.

Isto significa que a população estudantil já entranhou o Acordo Ortográfico. De entre estes, os frequentadores do segundo ciclo do ensino básico, nem entendem que há uma ortografia  antiga e outra nova. Preocupam-me muito mais, do que grisalhas vontades de regresso ao passado, por muito que o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa goste de passear pelo jardim das Pandoras.


Luís Novais



Foto: TeJyng