quarta-feira, 29 de abril de 2015

Quimera voadora














Hoje
como amanhã fosse. Amanhã é hoje. Ser tudo, idealizado. Idealizando, tudo foste. Do nada fizeste. Em ti, o que não era: foi. Quimera, ou verdade? Ser! Intangível, sonho. Esses são, mais que nada. Ser é que É. Foste! Ficaste. 
Segues, portanto.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

REVISITANDO O PRÉ-MARXISMO

Estátua de Marx e Engels em Berlim
É na sua tradição anterior a 1872 que a esquerda de hoje procura encontrar as ferramentas ideológicas com que vai enfrentar o século XXI. Proudhon e Bakounine ressuscitam, Marx e Engels volteiam no túmulo.

Noticias Aliadas, uma agência noticiosa com tendência de esquerda, decidiu comemorar os seus 50 anos organizando em Lima uma mesa redonda sobre a agenda política dos movimentos sociais na América Latina.

As intervenções couberam ao jornalista internacional Ramiro Escobar, ao economista e ex vice-ministro peruano Hugo Cabieses, ao escritor Raúl Zibechi e à indigenista Melania Canales (devo dizer que sou amigo dos dois primeiros). Tanto os oradores como a assistência, cedo levaram o debate para o tema da identidade da esquerda nos dias de hoje; uma discussão que, além de ser mais geral, é também mais interessante.

Descentralização, organizações horizontais, desinstitucionalização, fragmentação eventualmente federativa dos movimentos, respeito pela diferença cultural e étnica. Todos estes conceitos foram abordados como uma base para a renovação.

Hoje em dia, a força regeneradora estaria numa juventude que se organiza informalmente e que quer uma sociedade mais justa, sem acreditar nas estruturas partidárias. “O meu partido (Partido Socialista do Peru) está afastado, os poucos que aparecem são vaiados sempre que pretendem falar”, disse Cabieses.

Há nisto tudo uma estranheza que não surpreende e que vem da História. O V congresso da Internacional (1872) clarificou as águas do movimento socialista mundial, hegemonizando o centralismo marxista e afastando a corrente anarquista vinda dos tempos de Proudhon e que, à época, era protagonizada por Bakounine. A posterior vitória Bolchevique em 1917 e o princípio geral da Ditadura do Proletariado em que assentaria a novel União Soviética, tiveram o impacto que é conhecido na esquerda do século XX, consolidando a sua caminhada no sentido do centralismo.

Inimigo comum das democracias liberais e do socialismo soviético, o anarquismo seria alvo duma intensa campanha de desinformação que durou quase 100 anos, e que deturpou uma ideologia que nada tem do preconceito genericamente vigente. Como resultado conseguiu-se que uns o rejeitem primariamente pelo que não é, e que outros adiram irracionalmente como se fosse aquilo que nunca foi.

Curiosamente, parece ser nesse baú que a atual esquerda procura as recordações com que se pode renovar.

Voltemos à mesa redonda da Notícias Aliadas.

Depois de afirmar que “sou de esquerda desde os meus 19 anos”, Hugo Cabieses, que agora tem 65, referiu o recente despertar da esquerda latino-americana para as especificidades e direitos dos nativos: “Antes, a selva era apenas um refúgio das guerrilhas e os povos autóctones não eram mais do que carne para canhão das suas guerras”.

Antes de Cabieses, Melania Canales, uma indígena da região de Ayacucho, Peru, fizera um apelo a que se "construa o país a partir das nossas diferenças”, acentuando que “não queremos um Estado centralista, homogéneo e impositivo”.

Organização horizontal, multipolaridade e respeito pelas diferenças étnico-culturais. São modelos que o racionalismo marxista jamais poderia aceitar: o relativismo cabe tanto na liturgia do Vaticano, como na do materialismo dialético.

Concluindo, é na sua tradição anterior a 1872 que a esquerda de hoje procura encontrar as ferramentas ideológicas com que vai enfrentar o século XXI. Proudhon e Bakounine ressuscitam, Marx e Engels volteiam no túmulo.



Luís Novais

sexta-feira, 10 de abril de 2015

DOS CRIMINOSOS QUE MERECEM MORRER E OUTRAS BOUTADES

O doutorado Paulo Pereira de Almeida acaba de escrever uma das suas colunas no Diário de Notícias: “Criminosos que merecem morrer”, um título que é toda uma declaração.

A sua opinião assenta em três linhas de força: há um lóbi de defensores dos direitos de quem cometeu crimes, a justiça em Portugal funciona muito mal, há pessoas que cometem crimes que as tornam merecedoras de morte.

Não se limitando a levantar problemas, o Almeida doutorado oferece soluções: que se faça a famigerada base de dados de condenados por crimes de pedofilia, que se introduza a pena de morte.

Tudo isto com uma investigação “científica” à mistura, como convém a douta personagem. Para tal propósito, presenteia-nos com um “estudo incontroverso (sic) do professor de Economia Nacu Mocan da Universidade do Colorado, Denver, Estados Unidos da América”. Depois desta tão absolutamente rigorosa localização geográfica, deixa-nos de cara à banda com a eficiência da pena capital: “por cada criminoso condenado a uma pena de morte e executado resulta a prática de menos cinco homicídios”. O realce vai para o facto de estas conclusões serem, no seu dizer, “irrefutáveis”.

Obviamente que este é um tema que vai muito além da simples aritmética de salsicheiro, que parece ser a do notável articulista: quantos porcos mortos vale uma centena de apetecíveis salsichas? É de vidas humanas e não porcinas que falamos, e aí valores mais altos se alevantam, que a transformação da vida numa aritmética da eficiência, já sabemos ao que nos levou nessa era que aparentemente terminou em 1945, para já não referir exemplos mais recuados.

Queria, por isso, evitar pôr o assunto nesse mesmo nível, mais rasteiro que rés-do-chão. Querer queria, mas não consigo, porque a desonestidade intelectual é um manancial em si mesma. É que me chamou, e mesmo muito, a atenção, essa fantástica alegoria de que, para conclusões destas, pudesse alguma vez haver incontroverso estudo, como alegadamente seria o caso do mencionado pelo autor das linhas aqui comentadas.

E é que se está mesmo a ver que não, e é que o Almeida doutor nem sequer a ignorância pode dar em testemunho de indulgência, porque para quem quer que seja sofrível leitor de inglês, como acredito que seja, salta controvérsia a olho desarmado no mesmíssimo artigo do Washington Post que refere vagamente sem citar: "To explore the question, they look at executions and homicides, by year and by state or county, trying to tease out the impact of the death penalty on homicides by accounting for other factors, such as unemployment data and per capita income, the probabilities of arrest and conviction, and more".
Com tamanha arquitetura, não haveria algoritmo de cálculo que incontroverso se aguentasse. E como não haveria, não há. E como, ao contrário de certos articulistas que a referem, há imprensa séria que não bota bojarda sem seu contraditório, é no mesmo Washington Post que se pode ler: "We just don't have enough data to say anything," said Justin Wolfers, an economist at the Wharton School of Business who last year co-authored a sweeping critique of several studies, and said they were "flimsy" and appeared in "second-tier journals".

Resta a base de dados, a tal que anunciaria urbi et orbis os condenados por pedofilia. Neste caso ficamos sem saber de outros fundamentos, fora da tal retórica generalista e nada profunda, de que há uns tipos excêntricos que se preocupam com os direitos humanos de todos os seres humanos, tenham ou não cometido crimes. Compreende-se o pudor, depois dos pés pelas mãos e das mãos pelos pés, que ainda há pouco meteu a ministra da justiça, a propósito do mesmo tema, quando ela mesma foi citadora de estudos alegadamente incontroversos que se revelariam, afinal, outras tantas deturpações.

Tudo isto seria apenas triste se, pelo tema, não fosse asqueroso.



Luis Novais

Para o douto artigo, clicar aqui
Para o artigo do Washington Post, clicar aqui