terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

FADO DUM ATLÂNTIDO











Terra que m’oprime,
mar que me liberta.
Ocidental mar,
oriental terra.
Dêem-me mar,
desse que salguei.
Desenterrem-me
d'onde me salgam.
Eu sou da terra total.
Sou verso sem rima:
sem nada que me oprima.
Sou poema sem métrica:
sem nada que me prenda.
Sou mundo,
não m’amarrem,
qu’amarrado me morro.
Dêem-me telas, muitas.
Mas telas sem molduras,
dessas que são velas
qu’ao mundo me levam.
Não m’imponham regras
os homens do norte,
que criar é meu destino,
desregrar é meu saber.
Dêem-me lugares distantes,
p’ra onde eu navegue.
Da cercania serei,
em inverso caminho
do redondo que piso.
Sou mais preto que branco.
Sou mais branco que preto.
A um mundo mundo levo,
a outro mundo mundo trago.
Sou árabe e sou judeu,
ameríndio e chinês,
sou até europeu.
Eu sou português.
Sou português. Sou português.


Luís Novais




domingo, 7 de fevereiro de 2010

CONHECI-TE

Sem saber: conheci-te.
Sem o querer: conheci-te.
Uma noite: conheci-te.
E agora que conhecida m’és?
A mim que vento sou,
mim que livre me quero,
mim de meu arbítrio,
mim qu’eu ser eu é.
E foi sem querer: conheci-te.
Eu que sou para todos,
porque todos é ninguém
e ninguém é eu.
E agora que não?
Que sem saber: conheci-te.
Sem querer.
Sem procurar.
E conheci-te.
Poderei a mim voltar?
Viver como não sabendo
este segredo que sei?
E afinal eu é querer:
querer enfim talvez ser,
em quem sem querer conheci.
Ó, não sei se te perdoe,
se me perdoe até.
Mas conheci-te.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ver

Poderá silêncio ser
pensament’escondido,
dor que s’imagina
em sorriso que fala?

Não verá lágrima,
vento que corre,
vento qu’a envolve?

Sentirá lágrima
em vento que vê
lábios qu’a sorvam?

Se não vê
é não sentir.
Se não sente
é não ver.

Não ver
e não sentir
o sentido ao que vê,
a visão do que sente.

Sentir

Às vezes decido
em fruto pensado.
Pensamento maduro
de razão atestado.

À vezes decido;
fruto imediato.
Pensment’imaturo;
intuir absoluto.

Sempre m’arrependo
desse tempo gasto:
pensamento maturar.

Pouco m’arrependo,
dessa força viva:
agir sem pensar.

Silêncio

O Ser é.
Não ser não é.
Ideia formal
e sem questão.

Poderá Ser não ser,
sem deixar de ser
o ser que é?

Não ser será,
sem assim passar
a ser que não é?

Oiço teu silêncio.
Ouvindo-o penso:
Poderá tudo dizer?
Falar silêncio ser?