quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Ontem experienciei que a arte não é tão importante pela interpretação do seu autor como pela que que faz quem a vê, ouve ou lê. Fazemos quadros, sinfonias ou livros da nossa vida, a partir de quadros, livros ou sinfonias que outros criaram.

Será que também é assim nas conversas que temos uns com os outros? Nas impressões que trocamos? Nos conselhos que pedimos e damos?
Se assim é: desaparece a ideia de emissor e receptor, transformando-se este em emissor do que ele próprio recepciona. E o que vem de fora mais não é do que estímulo ou energia para que digamos a nós o que nos queremos dizer. Assim como o vento que não mói a farinha nem navega no mar. Assim como as pilhas num rádio que não falam nem cantam.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A agonia do Novo Acordo Social

Foto: SXC.hu
Em Madrid os controladores aéreos largam os seus postos de trabalho e obrigam o Governo espanhol a declarar o estado de emergência pela primeira vez em democracia.

Algures, um até há pouco tempo anónimo cidadão coloca na internet levas sucessivas de documentos confidenciais e secretos e, nuns casos, embaraça o Departamento de Estado americano, noutros, põe o próprio aparelho militar e diplomático em causa.

Vários exemplos poderiam ser dados. Desnecessários ao que interessa aqui, que é tentar responder à seguinte questão: De repente, os cidadãos recorrerem a ações de protesto à margem do que está legalmente estipulado, porquê?

O edifício de legitimação em que o nosso sistema se sustenta segue sendo o famoso Contrato Social. Rousseau, o pai da ideia, concebeu-o como um acordo entre a totalidade da população, o povo, que passaria a chamar-se “cidadãos”, e os seus governantes. Aquele delegava nestes a gestão da coisa pública, mas não a titularidade.

As ideias de Rousseau são um dos sustentáculos ideológicos da Revolução de 1789. Sabemos, porém, quão limitado era o conceito de “cidadão” para os fazedores desta Revolução. Uma limitação que a crescente complexidade social trazida pela industrialização do século XIX abalou, um abalo que acabaria a deitar por terra os axiomas da pax burguesa.

A partir da segunda metade de oitocentos e com cada vez mais frequência, os operários, mais ou menos organizados, começam a largar as fábricas e vêm para as ruas, manifestando-se em confrontos que se revelariam sangrentos, tanto para grevistas como para as forças policiais, militares, ou de segurança privada, estas ultimas sobretudo nos Estados Unidos.

Os exemplos poderiam multiplicar-se: em 1877, no Ohio, o exército mata nove pessoas, em 1886 dá-se a sangrenta revolta de Haymarket que está na origem da designação do primeiro de Maio como dia do trabalhador. Menção ainda para as repressões brutais em Maio de 1891, em França. Uma violência bidirecional: não raras vezes as forças policiais contam com dezenas de vítimas e uma vaga de atentados, geralmente à bomba, mata alguns proprietários de fábricas e dirigentes políticos. Os operários não são, portanto, as únicas vítimas físicas desta situação.

Entretanto, assiste-se a uma cada vez maior organização do movimento operário. Nos finais do século XIX e inícios do XX, multiplicam-se as organizações sindicais que apelam à ação direta, revolucionária e já não de mera luta por algumas regalias. Aquilo que se pretende é, agora, a mudança do próprio sistema político.

Como bem notou Yves Lequin, “o Great labour unrest da Belle Époque resulta do cansaço diante dos palavreados parlamentares e da ansiedade que, como se sabe, desorienta a classe operária.”

Este sindicalismo contestatário, a que chamaria centrífuga, abala a estabilidade do sistema capitalista, razão para as forças centrípetas iniciarem um progressivo movimento no sentido de trazer o movimento operário para o sistema, institucionalizando-o procurando inseri-lo e, assim, torná-lo numa das componentes do sistema.

O fenómeno começa a despontar após a Primeira Guerra Mundial, mas está em clara marcha depois da Segunda, sobretudo a partir da década de cinquenta.

Institui-se então aquilo a que gosto de chamar um Novo Acordo Social. Já não é um acordo bidirecional entre o cidadão/burguês e os gestores da coisa pública, como Rousseau o concebeu, mas uma nova construção onde Estado serve de fiel da balança entre os grandes detentores dos meios de produção (materiais ou financeiros) e a generalidade da população. Um acordo baseado na participação de todos através do sufrágio universal, onde o poder que este sufrágio dá a todos serve de contrapeso ao poder que a concentração de riqueza dá a alguns. A greve passa a ser um direito fundamental inscrito nas constituições da generalidade dos países ocidentais e os sindicatos serão parceiros sociais, saindo a generalidade dos confrontos da rua e instalando-se nas mesas de negociação, onde os Governos sentam patrões e trabalhadores e procuram induzir a concertação.

Graças a esta institucionalização da conflitualidade, é indiscutível que nas décadas de cinquenta e sessenta se assistiu a alguma mobilidade social, apesar de não tanta quanto se pense, como bem o mostrou Pierre Léon. Os Estados assumem o papel de redistribuição da riqueza, tomando para si a função de diminuir o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, à custa duma sofisticada política fiscal. Na Alemanha e na Holanda de 1970, entre 5 e 10% dos mais ricos pagam 50% dos impostos sobre rendimentos, proporcionando ao Estado recursos para instalar o famoso Estado de bem estar. Saúde, Educação, passam a ser considerados direitos de todos e os governos esforçam-se para que todos lhes possam aceder.

Foi o Novo Acordo Social que permitiu a estabilidade que o mundo ocidental conheceu na segunda metade do século XX e foi essa estabilidade que permitiu o respetivo crescimento económico. O primado do social sobre o económico revelou-se assim uma medida de grande alcance… económico.

Hoje assistimos a um desagregar deste Novo Acordo Social. Para esta desagregação contribuiram, em minha opinião, sobretudo três grandes fatores.

O primeiro dos fatores terá sido a globalização. Com a queda do Império soviético desaparece a espada de Damocles sobre os principais interessados no centriptismo do sistema e a globalização possibilita a deslocalização para países onde o Novo Acordo Social nunca chegou a instaurar-se. Os detentores dos meios de produção já não precisam de contratualizar e por isso a concertação torna-se-lhes desnecessária. Os antigos fóruns de negociação passaram a ser locais onde as regras destes são facilmente impostas com base na ameaça da deslocalização.

O segundo dos fatores foi a descrença da população num dos principais mecanismos em que assenta o Novo Acordo Social: o sufrágio universal. Hoje são cada vez mais os que não reconhecem utilidade ao voto como forma de ação sobre o sistema, o que se tem traduzido em taxas de abstenção cada vez mais elevadas. Trata-se dum fenómeno que José Saramago levou para o campo da literatura no seu “Ensaio Sobre a Lucidez”, quando imaginou um ato eleitoral em que cem por cento dos eleitores teriam votado em branco.

Julgo que esta descrença no sufrágio advém do fato de, hoje, as principais decisões não serem efetivamente sufragadas, ou, se o são são-no de forma muito indireta, como é o caso das diretivas europeias que, hoje, são transcritas para o direito nacional sem que os eleitores de cada país tenham poder decisório efetivo sobre as mesmas. Ou então na forma como algumas medidas de austeridade se apresentam como inevitáveis para evitar uma não sufragada imposição por parte de organismos internacionais, como seja o FMI.

Ou seja, o voto vale cada vez menos e, consciente disso, o eleitor vota cada vez menos e assim se abala o segundo dos três pilares em que assenta o Novo Acordo Social.

O terceiro pilar está de certa forma relacionado com o anterior e assenta na confiança do eleitor no seu eleito, na crença de que este será o seu efetivo procurador no estabelecimento de equilíbrios com os grandes detentores dos meios de produção. Acontece que esta crença está cada vez mais abalada pela pública e notória promiscuidade que se verifica entre os putativos procuradores dos cidadãos e os grandes concentradores de riqueza. Seja pela facilidade com que aqueles transitam das grandes empresas para a política, seja pela mesma facilidade com que passam da política para as grandes empresas.

A este propósito lembro-me de há não muito tempo ter ouvido um banqueiro português dizer numa entrevista que chamara a atenção dum deputado legitimamente eleito, e portanto titular dum órgão de soberania, para a inconveniência duma certa declaração que este fizera. Acresce o fato de que esse deputado era quadro daquele banco… Quando os banqueiros já nem sequer escondem a preponderância que têm sobre os eleitos e os tratam como meros funcionários, não nos deve admirar que os cidadãos percam a confiança nestes enquanto fieis duma balança tendente ao equilíbrio social e económico.

Temos assim que que estão a cair, se não caíram já, os três pilares em que assentava a paz social da segunda metade do século XX. O tal Novo Acordo Social que terminara com a conflitualidade sangrenta da segunda metade do século XIX e que teve o condão de transformar a generalidade da população em Classe Média, debelando de uma forma quase total a pobreza extrema.

Hoje, a globalização tornou a concertação numa farsa. Hoje os cidadãos deixaram de acreditar na eficácia do sufrágio e, hoje, já não conseguem também ver os seus representantes como seus procuradores.

Posto isto, que instrumentos têm para exprimir a sua revolta? A greve, de tanto ser um direito, foi de tal forma institucionalizada que se tornou praticamente ineficaz como instrumento de pressão. A lei prevê pré-avisos, serviços mínimos, requisições civis. Enfim, uma série de mecanismos destinados a torná-la quase inócua. Acresce a isto o fato de apenas poder ser convocada por um sindicato e da representatividade sindical estar também ela institucionalizada e com boa parte dos mesmos problemas da representatividade política de que já aqui falei.

A insatisfação tem horror ao vazio e é por isso que vão surgindo surgindo novas formas de expressão, levadas a cabo pela imaginação duma classe média culta e criativa que sabe tirar partido dos mecanismos tecnológicos de comunicação que hoje tem ao seu dispor. Não sei como foi convocada a paralisação dos controladores de tráfego aéreo em Espanha. Mas não me admiraria que um deles tivesse desencadeado uma cadeia de SMS que levou à ação, ou então que tenha sido utilizado o Facebook, ou o simples email.

Uma coisa é certa: se tivessem convocado uma greve a sua ação teria sido irrelevante. Mas feitas as coisas desta forma, não foi, bem longe disso.

Podem os responsáveis políticos pôr processos disciplinares e dizer que a paralisação foi ilegal. É certo que foi e por isso é que não foi inócua e esquecem-se os que isto dizem que, há uns cem anos, qualquer greve seria ilegal em qualquer país do Ocidente e que, há pouco mais do que três décadas ,qualquer uma seria ilegal em Espanha.

Outro caso, agora.

Depois dos documentos que lançou sobre a guerra do Iraque e, mais recentemente, sobre a diplomacia americana, a Wikileaks diz que os próximos serão sobre a banca americana. E duma coisa não duvido: Se estivessemos perante um dos tradicionais órgãos de comunicação que, hoje, as tais forças centrípetas controlam obrigando os jornalistas a uma submissão que desconhecíamos há bem pouco tempo, Julian Assange jamais teria sido capaz de apresentar ao mundo tudo o que tem revelado e que, é certo, depois de conhecido, a imprensa tem feito eco.

Bem podem montar-lhe as armadilhas que lhe têm montado (a ultima das quais tem a pérfida de tentar impedir que o comité Nobel lhe possa atribuir um Nobel da Paz, como bem me notou um amigo), tentar silenciar-lhe os servidores, editar Fatahs de morte como a que foi proferida por um assessor do Primeiro-ministro canadiano que sem estremecer disse que Assange deveria ser assassinado (ver http://www.youtube.com/watch?v=bqtIafdoH_g). Até uma “choruda” conta bancária de trinta mil euros já lhe congelaram. Bem podem, mas um fato é inegavel: Assange abalou o sistema de uma maneira que as “formas de luta” institucionalizadas pelo sistema jamais seriam capazes de alcançar.

Se na segunda metade do século XX a classe média conseguiu impor um Novo Acordo Social, isso deve-se ao fato de muitos terem feito greves que eram ilegais no seu tempo. Ao fato de muitos jornalistas terem denunciado situações que hoje já não podem devido à pressão dos detentores dos meios.

Para uma classe média em erosão, uma classe média que vê a pobreza já não como algo de longínquo, a quem cavam cada vez mais fundo o fosso que a separa dos mais ricos, que está a sofrer o maior ataque dos últimos sessenta anos, que vê os seus filhos morrer e os seus recursos serem consumidos em guerras em que não acredita, que já não crê na viabilidade da concertação, que já não pode confiar no sufrágio como instrumento de intervenção política, que já não acredita que os seus eleitos a representem, a quem tolheram a eficácia aos seus meios de manifestação do descontentamento... A essa classe média já não lhe resta mais do que a sua criatividade; uma criatividade que é uma forma de ultrapassar os constrangimentos que lhe impõem, uma forma de dizer um efetivo “não”.

O que está em causa é a manutenção do próprio regime em que eu, e creio que a maioria, gosto de viver: chamamos-lhe Democracia. Essa fantástica criação que garante que o poder do dinheiro é mitigado pelo poder do sufrágio. É nesse regime que eu quero continuar a viver e sei que, desaparecendo a classe média, desaparece também o regime.

É por isso que eu estou com os controladores de tráfego aéreo espanhóis, é por isso que estou com Julian Assange. Qualquer reformista, qualquer Social-democrata, qualquer democrata-cristão, deveria estar também.

É talvez a altura de terminar com as já aqui citadas palavras de Yves Lequin: "O great labour unrest da Belle Époque resulta do cansaço diante dos palavreados parlamentares e da ansiedade que, como se sabe, desorienta."

Luís Novais
2010.12.06

Foto: SXC

domingo, 5 de dezembro de 2010

Tu, inteira tu.

Em fragmentos
busc’o qu’ és.
Tod’os fragmentos teus.
Todo tempo teu:
desfragmento.
E livre do tempo vejo:
Tu.

Nada é que não é
nesse espaço,
nesse tempo,
nesse todo teu.
Tudo tu és
neste espaço,
neste tempo.
Em parte tua:
eu

Nada: não tu.
Tudo: em ti.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Morrerei ontem

Onde e quando
sou afinal?
Aqui agora sou.
Ali ontem estive.
Seria tudo, ontem.
Sou nada, hoje.
Voaria, ontem.
Rastejo hoje.
Sempr’a olhar
céu que brilha.
Mil voos imaginar.
Vivo d’ontem,
morro d’hoje.
Sonho amanhãs.
que serão hoje.

Que todos se fodam.

Morrerei amanhã, hoje.
Morrerei ontem, amanhã.
Mas morrerei.

Que se fodam todos.
Que se foda eu.


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sorriso que eu sei.

Eu sei.
Eles não sabem,
eu sei.
Este sorriso meu,
sorriso chorado
que eu sei
que não sabeis.
Nele m’escondo:
finjo-me’esse mim.
Doce sorriso falso.
Tu m’aconchegas.
Suplantas-m’a dor.
Triste sorris’alegre,
que eu sei triste,
que sabeis alegre.
Porqu’eu escondo
o que d’eu sei
em sorrindo
ao que de mim sabeis

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Todos meus dias: dias tu.

Que são os dias?
São seus sonhos.
Que é o tempo?
É daquilo que vemos
tudo que guardamos.
Seja real,
seja aparente.
Mas sempre sonhado.
Mas sempr’o que vemos.

Nome tem agora
cada dia de meu tempo.
Que sonho e vejo,
que vejo e guardo,
o que te sonho,
o que te vejo.
Ilusão e real.
Verdade sempre:
porque sempr’a sonhar-te
Porque sempre a ter-te.

Queira ou não queira.
Eu.
Procure ou fuja
De ti
Todo tempo qu’é meu
Tempo é de nome teu.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Fazermo-nos. Existir.

Busco-me.
Não encontro.
Sigo sendo
esse alguém
dentro d’algo:
eu?
O quê?
(Trevas, nevoeiro.)

Sempre e sempre
seguindo e sendo:
esse eu;
que me pedem,
que m’exigem,
que não sei afinal.
(Escuridão maldita.)

E um dia,
de tanto caminhar,
por montes caminhar,
à chuva caminhar…
Ai nesse dia.
Nesse dia:
vejo-te.
Procuravas-te.
Encontro-te.
vês-te
És.
Sou.
Tu.
Eu.

E a ti logo me dei;
e tu deste-me mim.
E a mim tu te deste;
e eu dei-te ti.

Agora sabemos,
tu e eu.
Sei quem sou
sabendo quem és.
Sabes que és
sabendo que sou.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mãos que se abrem acontecem.

Poderá
Definir-se
tempo e Ser?
Um instante:
o tempo.
Felicidade:
o ser.

Assim tal:
Ser sendo
nessa linha
que do tempo
é linha?

E por que não?

Se punhos
fechados
em mãos
abertas
se tornam.
Mãos tuas
se abrem.
Mãos minhas
também.

Aí.
Deixa-te.
Ai, aí.
Aí acontece.
Aí:
te acolho eu
Aí:
me acolhes tu.

Eterno, o tempo.
Ternos, eu tu.
E Ser sermos nós

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Rosa em malmequer

Fosse rosa
malmequer
bemequerer.
Amor:
liberdade
ir
regressar
regressar
sem ir.
Voltaria
livre fosse,
livre não sou.
Não ficaste:
tu.
Não parti:
eu.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Eu mar, areia tu.

Em ondas s’agitam,
mares se combatem,
marés se confrontam.
Calipsos, Polifemos;
de sereias canto seu,
titãs s’enfrentam.

Rude mar, rude mar.
Lutar lutar lutar.

E de tanto e tanto,
navegar navegar:
ao destino enfim;
praia onde s’espraia
e de si se faz teu.

De guerra eles foram,
d’amor já gritos são.
Suave que se vai,
suave que se vem.
Já da raiva espuma fez,
e já n’areia a serenar.

Doce areia doce:
tu.
Suave mar suave:
eu.













(Imagem: "Batalla en las nubes", Salvador Dali, 1974)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Céu em espaço e tempo.

Olho
em volta;
julgo
ver.
Volto
a olhar:
não.

Penso
em torno;
julgo
saber.
Volto
a pensar:
não.

Penso
e vejo.
Dispenso
invejo
o que penso
ver,
o que penso
saber.

Vejo.
Penso.
Penso ver
tudo.
Vejo
nada.
Tudo
é nada,
nada é tudo.

Se vejo,
se penso,
s’o que vejo,
s’o que penso,
vejo
e penso
com tudo:
e sem ti,
contudo.

Diz-me:
onde
fica.
Diz-me:
quando
é.
O espaço,
o tempo,
o céu:
tu.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

D.

A primeira estrofe é do poeta Luís Ene. Uma amiga ma apresentou. E sem querer dei por mim a continuá-la. Levado por onde imaginação e desejo levaram. Foi estranha, a sensação que tive no fim. Estou habituado a escrever de mim para outras pessoas. Estou habituado a escrever para mim. Nunca escrevera como se escrevesse de outra pessoa para mim.
Obrigado ao Luís Ene que me autorizou tal abuso: começar a minha escrita a partir da sua. Assim me disse: “esteja à vontade, a poesia nunca precisa de autorização para acontecer.”


D.

“Despe-me
ou deixa que eu me dispa
e depois
veste-me
pouco a pouco de carícias.”

***

Olha-me.
Em meu corpo tu me vês
em olhos
vestindo
sofrimento que escondo.

Viste-o.
Ess’eu qu’eu tanto oculto.
Despe-te:
agora.
Pouco a pouco te vestirei.

Agora,
que já despido eu te hei:
visto-te.
Vestes-me:
tu, o que despida me hás.

E aí,
no toque de tua pele:
sinto-me.
Sentes-te:
em toque de pele minha.

E sou!
Porque minha a pele tua:
faço-me.
Fazes-te:
porque já minha tua é.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

AMAZONAS











Mole de água
desemprenhada.
Rio mar,
a guerreira
nome buscar:

AMAZONAS

Onde desta força:
gente poema faz.
Onde em poema:
força gente tem.

Mistério;
mãe d'água
mãe de vida,
equilíbrios
constantes,
em natureza
que se fez homem
que se fez mulher.
Em homem
em mulher
natureza feitos.
Onde mistério vida
a quem olha nega,
a quem vê mostra.

E a mim me mostrou.
E a mim me mostrou.
AMAZONAS

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Hoje sonhei que mataste um pássaro.

Hoje sonhei que mataste um pássaro. Uma pomba. Uma pomba verde daquelas que Malan mata quando com ele saio ao mato: à caça; na Guiné.

Não sei por que construi as frases que acabo de construir da forma como estão construídas. Sei; claro. Foi para te fazer sentir que tu matas. E que eu não. Que mesmo quando saio ao mato é para ver matar e não para que mate. E assim também o meu tiro fica dado.

Não te vi. Ouvi o teu disparo: certeiro. E vi-a cair da árvore; à pomba. Quando a mataste estava pousada: entre o ramo duma árvore e um cabo da companhia de telefones. Talvez eu não tenha a certeza se caiu do ramo se do cabo. É simbólico: a pomba que mataste estava entre a árvore e o telefone. Entre o “ser para si” e o “ser para o outro”; para ti.

Fui eu quem a foi buscar. Caída no chão: entre arbustos rasteiros e caruma de pinheiro. Ferida de morte. Pensei que talvez a devesse matar. Apertar-lhe o pescoço. Terminar com a sua agonia. É o que costumo fazer às pombas que Malan mata…

…e agora, muito agora: agora descubro que afinal sou eu quem as mata. Malan fere-as de morte. mas quem as mata sou eu.

Não me lembro se matei ou não matei a que feriste de morte.

De qualquer forma o tiro estava dado.

E se eu fosse apresentado ao tribunal das pombas? Se fosse posto perante um juiz pomba como se fora um outro qualquer juiz qualquer: com o traje negro dos juízes e com a majestosa cadeira. Ele sempre em cima. Eu sempre em baixo. Ele sempre a mirar-me do seu alto posto. Eu sempre a mirá-lo do meu chão; do meu nada. Quem seria culpado do crime? Malan que feriu ou eu que matei?

Não interessa. De qualquer forma: neste sonho eu não me lembro se matei ou se não matei a pomba que tu feriste de morte. É até provável que não o tenha feito.

Um sonho. Só um sonho. Que significado terão os sonhos? Terão algum?

terça-feira, 20 de julho de 2010

No Amazonas, nadando com piranhas



Entraria em pânico, claro: não fora Carlos ter-me avisado que não passariam daí. Ainda assim não tive a mesma confiança que Carlos tem: não saltei para o grande rio sem calções.


E há duas horas que eu e Carlos o guia pescávamos. O Amazonas estava calmo e a canoa deixava-se estar e era estremecido apenas pelos nossos movimentos. Tudo o que é necessário para aqui se pescar é o que temos: uma pequena vara e dois metros de fio e um anzol.

Isco também; claro que sim; os peixes não são tantos ou tão simpáticos que mordam o anzol sem que recebam nada em troca. Aqui chamam carnada ao isco. Não vi que Carlos a trouxesse.

Já chegamos ao nosso local de pesca. Quase sempre à força de braços. A gasolina é um bem raro e o motor só se liga quando não pode deixar de ser. Cruzamo-nos com outra canoa. Esta é minúscula e não tem motor e transporta apenas um homem que quase a ocupa toda. “Olá Pancho. Vens da pesca?” e “Dás-me uns pescaditos para carnada?” Claro que Pancho dá. Encostamos as canoas. E agora já temos três peixes com que pescar muitos mais. “Gracias amigo.”

Pergunto-me se todos os pescadores sairão sem levar isco. Faço a mesma pergunto a Carlos. Responde-me que sim. “Há sempre alguém a regressar da pesca e quem regressa sempre tem uns pescaditos para dar.”

Enquanto Carlos corta a carnada eu vou cortando pensamentos. Afinal há sempre alguém que vai sem isco e alguém que volta com peixe. Nestes contínuos ires e vires de homens que partem e homens que regressam: é a esta cadeia de gente que temos de agradecer o peixe que agora temos: talvez ao primeiro homem que há séculos aqui pescou; que iniciou o ciclo imparável dos que regressando oferecem peixe aos que vão…

A piranhas começam a morder: sente-se na cana. “Primeiro só mordiscam. Quando derem o segundo ou terceiro esticão é que deves tirar a linha da água”, Carlos instrui-me e eu assim faço. Conversamos conforme vamos pescando. Dentro da canoa já se ouve o sapateado de uma meia dúzia. “Podem resistir até quatro horas fora de água”, Carlos o guia.

E não. Não são aquele terrível animal que o cinema nos vende. Menos ainda têm aquele aspecto sanguinário das que depois de secas são colocadas em suporte de madeira como objecto de decoração. De mau gosto, diga-se. Até qualquer humano ficaria com um ar terrífico se o secassem e o empalassem sobre um paralelepípedo de madeira. Com a diferença de que o humano é mesmo perigoso; selvagem. As piranhas que retiramos do anzol, não: parecem até razoavelmente inofensivas. Carlos o guia: “Já tirei da barriga duma piranha o dedo dum alemão que estava a pescar comigo”. Não fora a advertência de Carlos e nem sequer teria muitos cuidados. Na verdade o dedo do alemão em barriga de piranha não me sai da cabeça. É sempre Carlos quem tem de tirar as minhas do anzol; e as dele, claro.

Onde a vista alcança vejo algumas crianças nativas. Lavam-se e brincam na água indiferentes à má fama destes peixes dentudos. “Não têm medo das piranhas?”, pergunto. “As piranhas são inofensivas”, Carlos o guia. A minha expressão deverá ser de descrença. Carlos insiste: “É verdade. Nunca nos atacam. Já levo cinquenta e quatro anos de Amazónia e nunca soube de alguém comido por piranhas.” Como para provar o que diz: Carlos começa a tirar a roupa. Faz tenção de se atirar à água. “Tem cuidado Carlos. Não quero ficar sozinho e perdido no meio do Amazonas.” Rimo-nos. “Também podes vir Luisito. Tira a roupa e tchás.” Carlos fala assim: por onomatopeias. Talvez uma réstia dos idiomas indígenas que lhe correm nas veias. “Tens a certeza?” “Claro. Vais senti-las a aproximarem-se de ti. São muito curiosas. E depois sentirás os seus dentes. Mas suavemente. Quase como uma pequena beliscada. Umas cócegas até. Mas não te mordem. São inofensivas para nós.” Carlos já se atirou à água. “Já estão à volta de mim”, gritar a rir. E eu ganho coragem. Tiro a roupa. E já me atirei às águas do Amazonas. E já estou rodeado de inofensivas piranhas que com suavidade me vêm saudar. Entraria em pânico, claro: não fora Carlos ter-me avisado que não passariam daí. Ainda assim não tive a mesma confiança que Carlos tem: não saltei para o grande rio sem calções.

Estamos a regressar. Três golfinhos acompanham-nos algum tempo. Um é rosado e os outros dois são cinzentos. Carlos tira o remo da água e liga o motor. Ao som do motor sou conduzido para as aulas onde me fui fazendo eu. Do pensamento mitológico à racionalidade. Nós somos os da racionalidade. Penso nas piranhas, agora. Afinal tão inofensivas apesar de Hollywood. E penso no que irão dizer os meus amigos quando lhes disser que nadei entre piranhas. Que falsa é a ideia de que somos racionais e livres do mito. Também temos os nossos feiticeiros ou chamans ou balobeiros ou sacerdotes tribais; conforme lhes queiramos chamar: o cinema ou a literatura ou a imprensa. Tudo a criar-nos os mitos sem os quais nos recusamos afinal a viver.

Carlos voltou a parar o motor. Prosseguimos a remo. E vejo os golfinhos e nas margens mais um grupo de crianças indígenas que se atiram à água e oiço a piranhas que pescamos e que insistem em saltar contra a madeira do barco. As piranhas. As perigosas piranhas. E Carlos que “as piranhas são deliciosas.” E o mito. O mito da piranha devoradora de gente e que afinal é apenas uma deliciosa piranha para essa mesma gente.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Em Iquitos, entrando na Amazónia.

Sensação estranha: ver a mãe de água do mundo. Pai deverá ser. À floresta se une e fêmea é; esta. Amazonas.

Aeroporto. “Ali já é o Amazonas?”. “Não, aí é apenas um braço”, o taxista. Depois Carlos, o guia. Sangue índio nas veias: muito. Com ele entrarei na selva. Comeremos do que a selva nos der. Do que o rio nos deixar apanhar. “São deliciosas, as piranhas”; Carlos o guia.

Computador: não. Telefone: ainda menos; não há rede. Dormir será na selva. “Quando dormir não se encoste à rede mosquiteira que os morcegos aproveitam imediatamente e sugam-no”; Carlos o guia.

A mística: há uma mística nesta selva. Freudiana será: penetrar no que dificilmente é penetrável. Ou talvez um regresse uterino: a selva é mãe de vida.

Ainda Iquitos, contudo. De selva só amanhã. Plaza de Armas. “Amazon Café Restaurante”. Varanda com vista para a Praça. “Quero comida típica da selva”. “Lagarto Senhor? Crocodilo? Tartaruga?” Ainda não me sinto preparado. “Não, isso não”. Penso: “talvez quando regressar da selva”. Um peixe do rio.

Toda a casa do restaurante é em ferro. Oitocentista excentricidade. Alguém a trouxe parede-por-parede e parafuso-por-parafuso de França. Eiffel a concebeu. Lá em baixo tem uma placa a explicar o que estranhamente aqui faz esta casa de ferro de França trazida . Explica até como veio aqui parar. Tento lembrar-me. Não me lembro. Também não é importante: não estou a fazer um guia de Iquitos; um percurso. Só me interessa o meu guia mental; o percurso dos meus pensamentos. É para mim que escrevo, sempre.

Varanda do Amazónia Café. Ruído dos moto-taxis. Centenas deles. Não estivera com o Amazonas já ali e esta seria a maior excentricidade local. E vão eles. Metáfora de rio: Iquitos abaixo. E vão eles. Metáfora de gente: minúsculos mas irritantemente barulhentos. O rio não que esse é grande. E silencioso, até. Talvez porque grande. E assim fica a gente sem metáfora no rio e com metáfora nos táxis que são motas.

Da minha mesa olho pela varanda. A Plaza de Armas. A minha cabeça não que essa já está na selva. “Que ruídos serão os da selva quando o dia se põe e a noite se faz noite?” Amanhã já saberei. “Pássaros certamente”. Amanhã saberei. “O arrastar da anaconda. Será audível?” Amanhã saberei, talvez.

Chega o peixe. Dentro folhas cozinhado. Mais tarde Carlos o guia explicar-me-á que não: não são folhas de bananeira. Puta de mania de tudo tentar adivinhar. Ensina-me Carlos: "É uma folha que acrescenta sabor ao sabor do peixe e sabor ao sabor da cebola e do tomate e do alho". Carlos diz-e o nome da folha Não me lembro. O peixe tem nome e a esse apontei-o: Fibaro. E não, isto que parece mesmo batatas fritas não é batata frita. Patacoles se chamam: com banana esmagada e frita se fazem. Misturam-lhe alho, claro. Os fios de palmito na salada… e como. Não sobra.

Vejo os rostos que passam na rua. Aqui são mais angulosos. Nos Andes arredondam-se. São belezas diferentes. Como se os ângulos da montanha tivessem de ser arredondadamente compensados pela gente. Como se em gente angulosa a planura da selva seu equilíbrio procurasse também. E assim o que a montanha dá o homem lhe devolve. E assim o que o Homem dá a selva lhe devolve. Equilíbrios que seriam eternos. Que talvez sejam. Afinal o futuro está ainda por escrever.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Atravessando busca tua entre terra e céu frente a mar.

Sobre terra
que pisas.
Sob nuvem
que tocas.
És céu.
És terra.
És tu.

Pés assentes:
caminhas.
Caravelas voadoras:
sonhas.
Andas dias,
sonhas noites.
Dia: terra
Noite: céu

Buscas dia
o que noite sonhas.
Sonhas noite
o que dia buscas.

E eu?

Entre voos voados
caminhos caminhados.

E eu?

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sublimado terror.

Humanos somos
Fortes por fora, às vezes.
Fracos por dentro, sempre.
Erros temores
que não mostramos.
Vergonhas que escondemos
que vergonhas não são
que vergonha de sermos que somos.
Que somos humanos.
Livres, dizem uns.
Conscientes, outros.
Mas humanos somos.
De misérias cheios.
Horrores, vazios.
Sempre e sempre a superar.
Inconfesso desespero,
em obra sublimado.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

The Seagull Princess


Once upon time there was a princess. She was beautiful with very blue sweet eyes and everybody in the kingdom would love her, wasn’t the fact that she had an abnormal pair of wings on her back and in that kingdom anyone had wings; at least until Seagull was born, because that was the name her parents gave to her. Seagull’s father and mother and brother loved her very much. But they understood that they could not keep the winged princess with them. After all, no one in the kingdom was ready to accept such a princess. That’s why one day they called her to the throne room and told her that, since she had wings, she should fly away.

And she flew. And flew. And flew.

In the beginning of her journey she was not really sad. It’s true that she loved father and mother and brother. Of course she did. But she had wings. And having wings she knew that one day she would have to fly. May be the wings on her back were only a metaphor of the wings in her head. And if that was so: maybe that’s the reason why she flew away with any sorrow in her heart; even considering her love for father and mother and brother. Or may be that the wings in her head where also just a metaphor: a metaphor of the wings in her heart. Who can possible know? After all, in the entire Story of that kingdom anyone had borne with wings.

And Seagull flew and flew and flew.

Still, even a seagull needs land to break flies. And Seagull couldn't find any land. She was flying for one hundred years when she thought that she couldn’t stand it anymore. And when she was almost abdicating: she found an island in the far horizon. And she was so tired. And the Island was so far. But she found strong enough in her wings or head or heart, and she flew to the island.

The island.

The island was very small. So small that she couldn’t open both wings without wet its extremities. But it had fresh water and some food. Not too many water neither too many food. But water and food enough for an one-hundred-years-flying-Seagull drink and eat.

In the island lived a big old prophet. No one could explain how could such a big man live in such a small island. That explanation was not written and that’s why we cannot know it. May be the big prophet was big only in his insid and the small island small only in its outside. Who knows?

The important is that he knew everything about the Seagull princess, what shouldn’t admire us since we know how big the prophet was.

Understanding how the prophet knew her, Seagull asked him if she could stay there, in the island and with him. And it was with a sorrow in his eyes that the prophet told her that that was not possible, since he was too old and he didn’t even knew if the island and himself existed (at least in that way we use to say to be the reality) or if they where only a dream in Seagull’s mind.

Seagull insisted and told him how hard had been to fly for one hundred years and told him that a Seagull cannot fly if she has not her island; her piece of secure land. The prophet compassionated the princess and he told her that she couldn’t stay in the island, but he would give her a map and also told her that it was a magic map and that through the map she would find her island with a palace and a prince who would marry her.

Seagull asked the prophet how could she know if any island would be the right island and any prince would be the right prince. And the prophet told her just to fly and she would find a way to discover that. “The important is that you fly”, he told her. And she flew and she was happy because she knew that, at least, now she had a map which would bring her to her piece of land.

And it was following the map that she found her first island. And also her first prince who has become so in love for her, that he asked her to stay; what she did, thinking that that were the island and prince the old prophet had promised her. “At last I have my piece of firm land to land between my flies”, she thought.

It was to late when she understood that the soil in that island had a kind of power that made people be heavy and heavy and heavy. And because of that she couldn’t fly. She couldn’t understand how was that possible. After all, the Prophet had promised her an island and a prince and now that she had found both, she couldn’t fly.

One day she looked through the door of a forbidden room and she understood the why of that. The prince was jealous of her wings and in that room he had a gravity machine he used in order to make everything be so heavy that Seagull couldn’t ever fly. And after she understood that: she looked again to the map the prophet had offered her and she understood that she had been following it having the east to the west and the west to the east. And it was in that very moment that she decided to run away.

When the prince was sleeping she came in the forbidden room and destroyed the gravity machine and flew again with the map in her hands; this time with the west to the west.

When she arrived west, she become very confused because that was not just an island with just a prince, but a continent with several palaces and several princes. “How can I know what is the right palace and who is the right prince? The right piece of firm land?”, she thought. And that was when she remembered that the prophet had told her that she would find a way to discover that. And being absolutely sure of that, she decided to stop in all the palaces she would find until the one she would discover to be the right and with the right prince.

It was not difficult to find the first one, since the princes with their palaces where so many in there. Besides, there were not to many princesses in all that land and for that reason all the princes received Seagull as the princess she was and offered her their piece of land to live, as offered themselves to marry. And Seagull didn’t know how she could discover the way to find the right prince. But instinctively she found a way, may be by illumination of the prophet.

When the princes talked her about staying and marring and sharing the very same bed, she always told them that she had other prince and that she wouldn’t mind to have another, if he didn’t worry about sharing her with the other one. All the princes answered her that they wouldn’t mind. And Seagull understood that that was not her promiseds prince and land. And she told them that after the sun had gone down she would appear in their rooms to sleep with them. But in spite of that, she climbed to the roof of the palace and she flew away. In some way she understood that those princes would ever be her firm piece of land: the one where she could safely land between her flies.

And again and again and again: all the princes of that territory answered wrongly to the right question. And Seagull flew away and flew away and flew away. She was almost giving up. But she couldn’t forget the promise of the prophet. So, she didn’t stop her trip, her search.

And one day it happened. One prince at last answered her that he would can ever share her with any other prince, and that if that were to be the rolls, then he rather would lost her even loving her so much. In that very instant she become so happy that she couldn’t know how to manage the situation. And when the prince was turning back to go away convicted that he had lost her forever, she saw that also him: also him was winged. And she understood how right the old prophet was. And so she called the prince.

And it’s told that in that very night the prophet was dead. Dead with a smile on his face: knowing his prophecy was done.

Seagull and the prince started to live together in a house with big windows and doors and fresh air and pure water and a garden abundant with fruits and berries. And she could fly around from one room to another with enough space for her wings.

One day, at a dinner with the prince, she suddenly saw another woman sitting next to her. And the day after she saw the reflection of one other woman on the water of the pond. And from then on she met them every day and every night - at the table, in the mirror, even in their bed. They were all similar to her but she didn't knew them. And then she realized that the prince became so obsessed with his love to her that he created all these images and he talked to them and kissed them and touched them tenderly...

Seagull became terrified. She didn't have enough space for her wings anymore, she hurt them and couldn't fly. And she sat on a windowsill looking on a big cherry tree in the garden.

Seeing her, the prince was terrified because he felt he would lose her. But Seagull told him that if he loved her so much he should let her go and be free. And she would always came back to him, but now she was spending so much time in that house that she forgot how to be free, to be herself.

In a stare, the prince understood everything. He understood that if they were to share de same piece of land, they could not share the same flies, or they would became so heavy of love that neither he or she would fly again. Understanding that, the prince opened the window of the balcony and Seagull took all her power and all her will and flew to the cherry tree. And she from the tree and him from the balcony, flow in opposite directions, knowing that now they could share the same palace, the same piece of secure land. And in that very precise moment, they heard the voice of the prophet... or was it just the rustling of their wings?... The prophecy was at last realized.
 
 
Luís Novais
Morreu Saramago :-(

Criança ser.

Quem és?
Homem, mulher serás.

Mas.

Quem és?

Que vês?
Que sentes?
Que mund’é teu mundo?
Que vid’é tua vida?
Qu’ eu é teu eu?
Qu’ outro é teu outro?

Dramas, alegrias;
risos, choros;
quereres, paixões.

Quem és?

Ó vã pergunta: quem és?
De quem foi o qu’és.
Quem adulto se fazendo
Inseguro se houve:

Medo:

Indesvendáveis desvendar;
falsas certezas querer.
Bojadores, Tormentas passar.
Navegar navegar navegar.

E tu? rapaz, menina, criança:

Quem és?


(aos meus filhos. Os havidos e os a haver)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Condenação

Condenação teremos
à livre liberdade,
à vida viver.

Precessão ?

Pois s’a livre condenado,
a viver menos não sou.
Regras m’ avassalem,
grilhões me prendam;
liberdade roubem,
vida me mantenham.

Precessão?

Ó sublime ideia, essa.
Essa para mim quero.
S’a livre condenado estar,
a vida que precede a me limitar.

Precessão!

Condenado sim.
Livre e morto,
preso e vivo.
Choro e sorrio,
em paradoxo iludido.

terça-feira, 25 de maio de 2010

SORRISO DE R.

Há sorrisos vários,
tamanhos sorrisos.
Sorrisos, tantos sorrisos.
Sorrisos que me sorriram,
sorrisos que passaram.
Sorrisos que sorri,
sorrisos que esfumaram.

Mas sorridos com’o sorriso teu:
labirinto d’alma são.
Mostra o que não mostra
esconde o qu’oculta.
Não é palco, cena ou acto,
é pano caído
cena e acto tapando.

Drama, tragédia, o quê,
atrás do pano nesse palco teu?
Alegre pano qu’oculta
o sofrimento que tapa,
essa dor d’alma
qu’íntima se mantém
no esconder de tal pano.

E eu?
Eu que já pano não vejo,
eu que já o pano não quero.
Eu que a cena antevejo:
atrás do pano espreitando.

À boca de cena estou.
Quereria entrar.
‘boca de cena estou.
Quereria ver:
Que esconde afinal esse teu sorriso teu?

À boca de cena estou.
À boca de cena estou.
Quero também actuar,
até que sorrido seja
insorrido sorriso teu.

sábado, 8 de maio de 2010

Guiné

Quem és, mulher?
Mulher que passas,
um filho na mão,
outro às costas
ao pano amarrado.
Outro inda à frente
tuas peles entranhando.

Que pensas que buscas?
Que força é tua?
Tamanha à dessa terra,
terra vermelha
que c’os pés pisas.

Força tens com'a terra;
terra que pisamos;
terra que pisam,
inda que chão nos dê,
inda que vida nos brote.

És terra, tu.
Negra terra és
em vermelha uma.
És povo és país,
chão que pisam,
vida que dás,
inda que te pisem.

És mulher, és pátria
inda que te pisem.

És mulher, és tu
inda que te pisem
que te repisem,
que te pisem.
Tu és Guiné.


Bissau, Maio-9 2010
Quem és mulher?
Mulher que buscas
em deslumbrado olhar:
azuis que brilham
buscando sem parar.

Que força é tua
que tanta busca te dá?
Descalça sobre o chão,
a sentir, a sentir,
a caminhar, a caminhar.

És mundo e és vida
a horizonte alcançar,
olhos abertos,
procurar procurar:
horizonte alcançar,
horizonte alcançar.

E tu bem sabes mulher,
horizonte longe sempr’é.
E tu bem sabes mulher:
um dia d’olhos fechados,
teu horizonte s’abrirá.

E quando se abram verás:
ao perto longe alcançaste,
tão perto que poderás
teu eu correr a largar,
prenhe de vontades mil:
prenhe de entrega plena.

E o que viste e vês
sem o dizeres.
E o que vi e vejo
sem o dizer:
pronto o dirás,
pronto o direi.
Me dirás?
Te direi.
Dito está.


Bissau, Maio-9 2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

FADO DUM ATLÂNTIDO











Terra que m’oprime,
mar que me liberta.
Ocidental mar,
oriental terra.
Dêem-me mar,
desse que salguei.
Desenterrem-me
d'onde me salgam.
Eu sou da terra total.
Sou verso sem rima:
sem nada que me oprima.
Sou poema sem métrica:
sem nada que me prenda.
Sou mundo,
não m’amarrem,
qu’amarrado me morro.
Dêem-me telas, muitas.
Mas telas sem molduras,
dessas que são velas
qu’ao mundo me levam.
Não m’imponham regras
os homens do norte,
que criar é meu destino,
desregrar é meu saber.
Dêem-me lugares distantes,
p’ra onde eu navegue.
Da cercania serei,
em inverso caminho
do redondo que piso.
Sou mais preto que branco.
Sou mais branco que preto.
A um mundo mundo levo,
a outro mundo mundo trago.
Sou árabe e sou judeu,
ameríndio e chinês,
sou até europeu.
Eu sou português.
Sou português. Sou português.


Luís Novais




domingo, 7 de fevereiro de 2010

CONHECI-TE

Sem saber: conheci-te.
Sem o querer: conheci-te.
Uma noite: conheci-te.
E agora que conhecida m’és?
A mim que vento sou,
mim que livre me quero,
mim de meu arbítrio,
mim qu’eu ser eu é.
E foi sem querer: conheci-te.
Eu que sou para todos,
porque todos é ninguém
e ninguém é eu.
E agora que não?
Que sem saber: conheci-te.
Sem querer.
Sem procurar.
E conheci-te.
Poderei a mim voltar?
Viver como não sabendo
este segredo que sei?
E afinal eu é querer:
querer enfim talvez ser,
em quem sem querer conheci.
Ó, não sei se te perdoe,
se me perdoe até.
Mas conheci-te.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ver

Poderá silêncio ser
pensament’escondido,
dor que s’imagina
em sorriso que fala?

Não verá lágrima,
vento que corre,
vento qu’a envolve?

Sentirá lágrima
em vento que vê
lábios qu’a sorvam?

Se não vê
é não sentir.
Se não sente
é não ver.

Não ver
e não sentir
o sentido ao que vê,
a visão do que sente.

Sentir

Às vezes decido
em fruto pensado.
Pensamento maduro
de razão atestado.

À vezes decido;
fruto imediato.
Pensment’imaturo;
intuir absoluto.

Sempre m’arrependo
desse tempo gasto:
pensamento maturar.

Pouco m’arrependo,
dessa força viva:
agir sem pensar.

Silêncio

O Ser é.
Não ser não é.
Ideia formal
e sem questão.

Poderá Ser não ser,
sem deixar de ser
o ser que é?

Não ser será,
sem assim passar
a ser que não é?

Oiço teu silêncio.
Ouvindo-o penso:
Poderá tudo dizer?
Falar silêncio ser?

sábado, 30 de janeiro de 2010

Gaivota em Brisa.

Desse Colibri asas
às asas qu'a elevam.
Se Vento desse brisa,
à sôfrega de tudo ver.
Colibri gaivota seria,
a seu rochedo largar,
planando a descobrir:
mundo não é vontade (querer).
Deslumbramento mund’é (crer).

Deslumbrada gaivota, tu.
Deslumbrad'essa brisa, eu.
esteira o mar a ser,
lençol de céu a cobrir:
gaivota e a brisa,
deslumbramentos plenos.

Colibri Gaivota será.
Brisa o vento também.
Gaivota qu’é tem de ser.
Morr'o vento: viv'a brisa.

Tudo acontecerá,
tendo não acontecido.
já escrito estava,
o q'aqui escrito está (destino)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Amanhã dou uma "Oficina" (destesto dizer workshop!) sobre escrita criativa na Universidade Lusíada.