domingo, 9 de agosto de 2009

Em cama tua.

EM CAMA TUA

Deitas-te. Deito-te.
Lentamente te deitas.
Lentamente te deito.
Lábios de mim, lábios de ti.
Pescoço teu, lábios meus.
Lábios de mim, lábios de ti.
Sensuais são: esses teus lábios meus.
Lábios de mim, lábios de ti.
Abandonas-te de ti: desse ti q’é teu.
Sinto-te! Co’as mãos te sinto,
nesse ti q’a mim se entrega.
Mãos: dedos de minhas mãos.
Dedos: pontas de meus dedos.
Navegadores navegantes navegando.
Por ti fêmea onde mais fêmea és.
Navegadores navegantes navegando.
Por ti em mar q’alevantando se vai.
Passagens, suaves passagens: leves.
De suaves que tocam sem tocar.
De leves que agitam sem agitar.
Lábios de mim, lábios de ti.
Vestes tuas, vestes minhas.
Fêmea és em flor de pele.
Pele tens em flor de fêmea: arrepiada
Mãos de mim em ti.
Intensidade projectada:
em mamas que tuas são,
que de tuas minhas se fazem.
Libertas-te. Envolves-te
Arfas. Desejas.
Beijos. Beijos que prosseguem,
q’em corrente seguem.
Corrente de rio que foz tem.
Deslumbro-me: vejo’sol,
esse teu tatuado sol.
Sol que é nascente.
Nascente de sol em foz de rio.
Principio de sol e fim de rio.
Nascente e foz em princípio de tudo;
em fusão de fim com princípio,
na púbis tua que tens lisa.
E intensa respiras.
Expiras corpo. Inspiras mente:
Corpo que se faz mente,
mente que se faz corpo.
Voz minha em língua tua:
“Open your eyes!”
Olhos meus em olhos teus
E eu estou em ti!
E tu estás em mim!

Amor de quem faz poesia.


AMOR DE QUEM FAZ POESIA.

Amor de quem faz poesia,
(Ah!) perene cousa é:
para não menos c’hua vida.

De voltas e revoltas é’vida,
sempre sabemos quantas houve.
Mas em sabendo dessas havidas:
nunca agouramos as que hão-de.

Amor de quem faz poesia,
(Ah!) sofrida cousa é:
dura quase meia vida.

Às voltas sabemos começo.
Jamais o seu finar prevemos.
Algua razão povo terá:
“Nem dous desta vida som dias”

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Mim e si

Mim e si

Olho pela janela e vejo-a.
Ver-me-á? Ver-se-á?
A ponte não é.

Olho pelo espelho e vejo-me.
Ver-me-ei? Serei?
Devolvam-me a ponte!
Liberte-se o mim de mim.

Atendem-me: a ponte é.
Inda não a cruzei.
Mim e si em cada lado.

Grito coragem: "À ponte!"
Atravesso-a e já não sou.
Nem mim nem si,
nem ponte nem chão.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Eu laico, me confesso

Eu laico, me confesso

O não outro do outro sou.
O não eu do eu o outro é.
deus que Deus seja mo tiraram.

Sendo o não outro do outro, sei:
o não eu do eu, como eu é.
Posso fiar-lhe o que de mim não fio?
Não posso, mas Outro é ninguém.

Vêem aquém do alcançável horizonte.
O eu pró outro e o outro pró eu.
Quanto haverá que se não alcança?

Mas se eu do outro me não fio.
Se eu do eu me não fio também.
Eu laico, me confesso:
falta-me O que mostra mais pr’além

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Olá.

Olá.
Essa palavra que me deste: distância terá?
Essa palavra que me deste: cerca estaria?
Distante seja ou cerca até, mas avessada.

Se cerca: é o q’ao longe vejo.
Se distante: é o q’ao perto tenho.
Ao perto é o ver do não ver: escuridão.
Ao longe é o mal ver do ver: janela.

E nessa janela já tamanha foi a luz.
Luz foi de te ver te sentir: te ter.
De me veres me sentires: me teres.

Foste tu sem ti.
Fui eu sem mim.
Fui mim em ti.
Foste ti em mim.

Neutra palavra que é tudo e é nada.
Que é e o contrário do que é.
Sim no não ou não no sim.

Olá!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

ATLÂNTIDA

E agastados com tamanha contradição entre tamanha pequenez e tamanha grandeza: agarramo-nos à fatalidade europeia. Estamos na Europa sem amarmos a Europa. Estamos na Europa por fatais razões quantitativas. E estamos na Europa sem que a Europa esteja em nós. Porque esta Europa foi criada para resolver problemas que nunca foram problemas nossos.


Dei comigo a reler “Os Lusíadas”. Há muitos anos que não os lia: desde que a escola me obrigou. Mas agora leio-os porque quero, porque os procurei. E espanto-me. O “eu canto o ilustre peito Lusitano” não me parece a exaltação dum nacionalismo bolorento.

Hoje tive mais um sintoma. Comprei a biografia de Nuno Alvares. E estou ansioso por acabar Camões. E por saber mais do Condestável. Talvez o fundador do Portugal moderno. E assim: talvez o fundador do mundo moderno.

Que quererá isto dizer? Poderei ser português e estar tão interessado em Portugal? Será compatível? Afinal os portugueses andam tão zangados com Portugal. Afinal os portugueses parecem tão incapazes de fazer as pazes com Portugal.

É verdade que Portugal se põe a jeito. Primeiro faz-nos sonhar com uma grandeza; a de ontem. Depois só nos oferece pequenez; a de hoje. E nós destilamos tudo: destilamos em remorsos e destilamos em cada português achar que é melhor do que Portugal.

E agastados com tamanha contradição entre tamanha pequenez e tamanha grandeza: agarramo-nos à fatalidade europeia. Estamos na Europa sem amarmos a Europa. Estamos na Europa por fatais razões quantitativas. E estamos na Europa sem que a Europa esteja em nós. Porque esta Europa foi criada para resolver problemas que nunca foram problemas nossos: problemas com raízes que são históricas e com raízes que são geográficas. Problemas que começam no século VI. Problemas que vão de Espanha à Hungria. Enfim: problemas dos europeus Impérios continentais. Problemas dessa mesma Europa que tão metaforizada está na opção napoleónica: vender a Louisiana para combater no continente… sem falar nos cento e cinquenta anos que se seguiram.

Foi para resolver esta Europa-continente que a Europa-União surgiu.

Mas este é um palco que nunca foi palco nosso. Momentos da História houve em que nos forçaram a ser actores dessa tragédia. E sempre que tal nos aconteceu: afundamo-nos em armadas que se diziam invencíveis.

A verdade é que se fôssemos continentais: nós já não seriamos nós. Se fossemos continentais: teríamos sido um desses extintos reinos ibéricos: reinos que hoje mais não são do que uma entre muitas marcas heráldicas no escudo dos Bourbon.

Talvez seja essa a razão do nosso desconforto. Estamos desconfortáveis porque intuímos esta desadequação. Para um lado: aquilo que sentimos que somos. Para o outro lado: aquilo para onde estamos obrigados a caminhar.

Esforçamo-nos para tentar vestir esta pele que nos espartilha. E assim espartilhados: ficamos entre a realisticamente impossível dimensão dum passado que foi nosso e a realidade duma Europa criada para resolver problemas de outro passado: dum passado que não é nosso. Enfim: uma Europa criada para unir o que não fomos nós a desunir.

E espartilhados que estamos: o discurso fica desolador. Perdemos toda a nossa energia a tentar dimensão épica no comezinho: mais um ponto ou menos um ponto num deficit e Aquiles matou Heitor. A localização dum aeroporto e Ulisses fugiu à terrível Calipso. Um computador dito nacional e o herói chegou a Ítaca. Uma linha de comboio… E enfim: quando ficamos com uma terrível sensação de vazio: temos o recorrente debate: tão estéril quanto serôdio: a bendita regionalização. Ou então valemo-nos de algumas manobras de diversão: legalizamos ou não legalizamos o aborto? Legalizamos ou não legalizamos as drogas leves? Legalizamos ou não legalizamos o casamento homossexual? E assim andamos.

Acrescente-se uma mão cheia de estrangeirados de pendor anglo-saxónico. São estrangeirados como convém aos estrangeirados : uma minoria: uma elite que adora a sua pequena expressão quantitativa compensada por uma desproporcionada vénia institucional. Estes são os que gostam do exemplo irlandês. Os que acham que devíamos ter a Irlanda por modelo. Dizem benchmark em vez de exemplo e goals em vez de objectivos.

Eu tenho uma razão para não me apegar a estrangeirados. Num país em crise é muito fácil sair e depois chegar e depois debitar receitas. Claro que o problema é sempre o mesmo: as receitas dum doente aplicadas a outro: não funcionam. O pombalismo terminou na viradeira e a viradeira terminou em guerra civil. E depois da guerra civil tivemos o Portugal que já sabemos que temos. Devíamos aprender alguma coisa com o exemplo do nosso passado. Pelo menos mais do que com o celebrado modelo irlandês, ou benchmark.

Será que funciona começar hoje o que os outros fizeram ontem? Ou será que nos devemos desviar do caminho que outros já percorreram e lançarmo-nos à criação da nossa própria criatura?

Que criatura será essa?

Lanço um desafio: desafio o maior adepto desse Frankenstein chamado União a fazer duas viagens.

A primeira dessas viagens pode começar em Madrid e acabar na mais recôndita vila do Curdistão turco. E se digo o Curdistão turco é porque temos de ser realistas quanto ao que inevitavelmente irá acontecer na Europa-União. Claro que bastaria ficar pela Polónia, Hungria ou Roménia. Mas indo às ultimas consequências: vá-se até esse lugarejo do Curdistão turco.

E depois faça-se outra viagem. Comece-se em Cabo Verde e depois passe-se por Luanda e termine-se no mais recôndito lugarejo da Rondónia ou de Mato Grosso. Enfim: conheça-se a Atlântida. E eu chamo-lhe assim tão só para fazer uma distinção entre este Atlântico de língua portuguesa e o Atlântico ele mesmo.

E depois regresse-se. E esqueça-se os fantasmas do passado porque os fantasmas do passado deixam de ser fantasmas em democracia. E agora sim. Agora que já se regressou das duas viagens e agora que os fantasmas do passado são tão só do passado: reflicta-se.

Onde devíamos querer estar? Qual é a União por que devíamos estar trabalhar? O que é que faz mais sentido? E o que faz sentido em Lisboa não fará também sentido em Luanda e em Brasília?
E não é uma questão de não gostar dos outros: os europeus. Claro que gosto. No que me toca sou fascinado pela diferença. Mas só está preparado para admirar a diferença quem sabe quem é. E portanto é uma questão de sabermos quem somos. E sabendo quem somos: sabermos com quem somos aquilo que somos. E sabendo com quem somos aquilo que somos: de nos cumprirmos.

E eu confesso que há outra razão por que gosto de chamar Atlântida a este espaço. É porque talvez a Atlântida mais não tenha sido do que um sonho. E a mim agrada-me: dar o nome dum sonho a um sonho. Mas isto sou eu que sou diletante. Que não consigo viver sem a minha utopia.


Luís Novais

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mais um caso. Desta vez na Bélgica.

Quando os pais e as mães se esquecem dos filhos nas traseiras dos automóveis. Quando os filhos ficam nesses automóveis até morrerem de desidratação. Quando isso acontece ao mesmo tempo que esses pais e essas mães estão a trabalhar. Quando isso acontece: não será altura de pararmos e de repensarmos a pressão a que estão a ser sujeitos os pais e as mães, nós?