terça-feira, 4 de agosto de 2015

Uma carta ao meu primo

Durante muitos anos, fui mantendo uma correspondência mais ou menos frequente com o meu primo António Novais Machado, que nos deixou o ano passado, tendo 96 anos.
Teria eu uns 15 anos quando lhe escrevi a primeira e recebi a sua resposta. Estarão em casa dos meus pais e um dia terei de procurá-las.
É curioso o que aprendemos de nós, das nossas dúvidas e da nossa evolução, quando lemos as cartas que escrevemos.
Hoje fazia uma pesquisa no meu computador e descobri esta. Trata-se da resposta a uma outra que ele me escrevera. É de 2008 e foi a última que lhe enviei, nos últimos anos a vista cansou-se-lhe e lia com muito esforço.
Retirei a introdução porque muito pessoal, e decidi reproduzi-la aqui. Ele era crente e sentia que teria uma vida além desta. Eu, que não creio, espero que a razão estivesse do seu lado e que, onde estiver, possa reler o que escrevemos e saber das saudades que tenho.
Uma nota, dizendo que a referência a "Amanhã o Futuro" é sobre um dos meus livros, que não publiquei e de que fiz apenas uma espécie de edição zero para entregar aos mais chegados. Não me pareceu que fosse obra com refinamento para lançar ao público, mas tem-me acompanhado desde 2006, com alterações e acrescentos periódicos... talvez um dia a publique, já com outro nome. Quando fiz a tal edição zero, estava longe de saber que a tipografia fazia depósito legal e, contra a minha vontade, encontra-se em algumas das bibliotecas públicas do país.

Agora, a carta.


Lisboa. 7 de Maio de 2008

Caro primo António:

(…)
Ora, tanto o lançamento da primeira edição como a preparação da segunda têm-me tomado bastante disponibilidade mental (não falo de tempo porque esse consigo gerir bem). E eu não conseguiria enviar uma carta a agradecer-lhe a sua sem ter uma efectiva disponibilidade mental.

Desde logo porque quis voltar a Nietzche. Nomeadamente aos apontamentos que tomei nas suas obras (não consigo ler sem deixar os livros todos marcados com notas e sublinhados).

Mormente havia uma nota que tinha tomado em “Assim Falava Zaratrusta” que queria encontrar e que aqui lhe reproduzo integralmente:

Uma questão: este é um livro que apela ao relativismo ou que o contraria?
Por um lado parece lançar um apelo ao relativismo: o indivíduo que renega os valores pré-estabelecidos e que procura valores dentro de si mesmo é o super-humano.
Vai no mesmo sentido o capítulo “Dos mil e um fins”, onde Nietzsche nota que cada povo tem o seu “Bem” e o seu “Mal” e que esta noção não é  absoluta e universal: tem, antes, funções de auto-preservação.
Também aqui estaremos aparentemente perante uma postura relativista. Mas não. Nietzsche contesta o valor absoluto dos actuais “Bem” e “Mal”, mas ao mesmo tempo advoga a descoberta dum fim universal para a humanidade: “Até ao momento tem havido mil fins diferentes, porque houve milhares de povos (…) O que falta é um fim único. A humanidade ainda não tem um fim.” E Nietzsche vai ainda mais longe: “Se a humanidade sofre por lhe faltar um fim, não será porque ainda não existe humanidade?”
Ou seja, Nietzsche conclui que os actuais conceitos de “Bem” e “Mal” são relativos. E são-no sobretudo porque advêm duma putativa revelação. Mas este relativismo é, para Nietzsche, uma fraqueza e não deve por isso ser um objectivo. O objectivo deve estar em ultrapassar tamanho relativismo, alcançando valores absolutos que substituam os actuais valores relativos.
Quem o conseguir fazer será, na opinião de Nietzsche, o super-humano. Não o super-humano enquanto um herói, mas o super-humano enquanto um “povo”.

Agora voltando a mim. Esta busca dum universal é algo que me preocupa. Eu não nego um Deus criador. Mas tenho dificuldade em aceitar um Deus revelado. Porque o Deus revelado é diferente do Deus que cria. O Deus que cria, cria. O Deus revelado transmite valores e transmite noções de “Bem” e de “Mal”.

Já fiz a minha introspecção e já concluí que talvez seja por razões bem freudianas. Mas não consigo aceitar que essas noções possam ser transmitidas pelo Criador. Para mim o Criador criou e pronto. O resto é connosco.

Aliás, sou imperialistamente não relativista. Há valores que para mim são absolutos e que têm de se universalizar. Estou consigo, indubitavelmente: são valores ocidentais de raiz cristã. O meu receio é tão só o de não saber se para isso a Europa e o ocidente terão de soçobrar. Soçobrar tal qual teve de soçobrar o império romano para que o humanismo cristão o pudesse afinal reformar, a ele (império romano) e à barbárie.

Já não é mau termos uma Declaração Universal dos Direitos do Homem. Uma declaração que é afinal uma afirmação não relativista e claramente de origem cristã. O “Amai-vos uns aos outros” foi uma frase revolucionária sem a qual não teria havido nem isto nem muito daquilo que de bom se tem alcançado.

Não tenho qualquer necessidade auto-flageladora tão em voga nos nossos dias pelo facto de ser ocidental.  Tão pouco renego a base cristã do meu pensamento e dos meus valores. Não há Ocidente sem cristianismo. Cada um poderá interpretar como queira a afirmação de Cristo de que é o filho de Deus  (porque afinal o que ele diz é que todos somos).

Dizia não me envergonhar de ser ocidental. Antes pelo contrário. Com os erros inerentes a qualquer sociedade de homens, elevou-se o mundo a alturas de desenvolvimento material e espiritual que jamais haviam sido alcançadas.

Hoje, avançava eu mais umas páginas da magnifica obra de Robert Musil,  “O Homem sem Qualidades”, quando subitamente sintetizei muito do que tenho vindo a pensar nos últimos tempos. Foi quando julguei ter percebido o sentido real daquela obra.

O que ali está patente é um conflito muito ocidental. O conflito entre ideal e acção. Entre espírito e matéria. Entre essência e existência. Tudo naquela obra monumental anda em torno deste conflito.

E dei comigo a pensar: a História do Ocidente é a História deste conflito! Um conflito que temos procurado resolver de diferentes formas.

Foi em torno deste conflito que andaram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Este é o conflito mal resolvido por Descartes entre res-cogita e res-extensa. É este conflito que Maquiavel procura resolver quando fala nos “fins” que justificam os “meios”. Este é o conflito entre Jesuítas e Janesistas. É para tentar resolver este conflito que Kant escreveu as duas críticas da razão, a pura e a prática. O debate entre a dialética idealista de Hegel e a materialista de Marx é sobre este tema. Todos os existencialistas, a começar em Kirkgard e Heideeger e a acabar em Sartre procuram também dar resposta a isso. Mesmo na psicologia: Freud procura encontrar causas materiais para o comportamento, causas que neguem a alma (e a sua preocupação em reduzir tudo a uma questão sexual mais não significa do que procurar uma glândula do comportamento: uma causa material que não espiritual), da mesma forma que, em sentido oposto, Jung procura encontrar um processo “científico” de comprovar a alma.

Mas no fundo, bem lá no fundo, a culpa será dos Gregos e de Platão com aquela história do mundo das ideias e do mundo das sombras. Lá dizia Nietzche que o cristianismo é a forma popular de platonismo.

E tudo porque há uma coisa que para nós ocidentais parece difícil de compreender (para mim é, infelizmente). É que o mundo é talvez simultaneamente indiviso e diviso. E talvez só o pensamento mitológico seja capaz de nos pôr em conformidade com tamanha divisão da indivisibilidade.

De Prometeu a “Adão e Eva” está sempre lá a questão: somos alma condenada à matéria devido a um qualquer pecado original. Mas no fim voltamos a ser aquilo que fomos: alma em estado puro, livre da matéria. E voilá: o mito deixa “limpos” os pratos que a razão não consegue deixar de sujar.

Com o renascimento começamos a centrar-nos nos sentidos. Com o século XVII na razão. Com o século XVIII e XIX matamos Deus em nome do deus homem.

Li recentemente uma edição de uma série de conferências que George Steiner deu nos anos setenta. O tema era “A Nostalgia do Absoluto”. Não que seja muito original: Jung disse praticamente o mesmo antes de Steiner (onde Steiner inova é na análise que faz da psicanálise de Freud, do marxismo e da sociologia de Levy Strauss como teologias substitutas). Mas estas conferências sintetizam tudo duma forma muito clara. Matamos Deus, porém a morte de Deus teve um impacto brutal porque passamos milhares de anos a acreditar Nele(s). E de repente sentimos um vazio que não é fácil de preencher.

E agora digo eu. Bem pode Nietzche bradar pelo super-humano. O tal que conseguirá ir para além do bem e do mal de revelação divina. O tal que conseguiria fugir dessa revelação divina e criar-se a si mesmo. Bem pode Nietzche fazê-lo porque Nietzche sabia e dizia-o: a capacidade para auto-criação (no sentido figurado) não é para todos. É para a elite (pelo menos é esta interpretação que dou ao termo que ele usa: aristocracia). Mas nesta época de populismo e populistas já sabemos qual é o papel obscuro que está reservado às elites.

Bem pode pregar o único líder digno desse nome que o Ocidente ainda tem. Bem pode pregar porque prega no deserto por ser populistamente pouco atrativo quando comparado com o antecessor.

E por falar nele, o primo António tem aí a edição zero do meu livro “Amanhã o Futuro”. Tudo termina num sonho. Ao longo do livro o personagem principal foi testemunha dum Ocidente fraccionado e sob o signo do relativismo. E no fim ele tem um sonho. E nesse sonho ouve umas palavras distantes. Umas palavras em italiano com sotaque alemão: “Il relativismo, cioè lasciarsi portare qua e là da qualsiasi vento di dottrina, appare come l’único atteggiamento all’altezza dei tiempi odierni. Si va constituendo una dittadura del relativismo che non riconosce nulla come definitivo e che lascia come ultima misura soli il próprio e le sue voglie”. Este excerto é do derradeiro discurso do Cardeal Ratzzinger. No discurso seguinte já não havia cardeal Ratzzingar mas Papa Bento XVI.

No fundo a nossa força civilizacional esteve (e está?) assente na razão. E ao mesmo tempo é a razão que nos põe neste eterno conflito entre o mundo das ideias e o mundo dito das sombras.

Talvez tenha sido o oposto disto que está a atrair ao oriente alguns ocidentais que sentem a tal “Nostalgia do Absoluto” (alguns saberão o que estão a fazer, a maioria será por pobreza de espírito… com sorte talvez sejam eles a contagiar em vez de serem contagiados). É que as filosofias/religiões orientais não procuram resolver este binómio. E por uma razão muito simples: este é um conflito que para eles não existe. É-lhes tão incompreensível a existência deste conflito como para nós, ocidentais, é incompreensível a sua ausência.

Enfim, somos ocidentais. Ocidentais com o que tem de bom ser ocidental. E ocidentais com o tem de mal ser ocidental. E lá está: Zaratrusta conheceu o bem e o mal de muitos povos e percebeu que o que é bem para uns é mal para outros.

Um abraço amigo

Zé Luís

terça-feira, 14 de julho de 2015

NÃO VIEMOS AQUI PARA CANTAR...

Quem tem idade e memória lembra-se de sucessivas vitórias olímpicas obtidas pelas equipas femininas da ex-Alemanha de leste. Todas as atletas se caracterizavam por um porte físico imponente e, as poucas vezes que falavam, saia-lhes uma entoação denunciadora do cocktail hormonal com que se transformavam em máquinas de competir. Em boa verdade, eram quase homens a concorrer com mulheres. “Não viemos aqui para cantar”, terá respondido em Montreal uma treinadora, quando um jornalista mais atrevido lhe perguntou por que tinham a voz tão grossa.

Habituados que já estamos a viver com uma Alemanha unificada, esquecemo-nos que houve uma geração educada nesta metáfora: o sublime sacrifício individual, a suprema disciplina, a tenacidade de quem tem de alcançar uma meta custe o que custar.

Acresce que esses mesmos alemães não desenvolveram a tolerância e o respeito pelo outro que são exigidos pela convivência democrática. Simplesmente, não conheceram a Democracia.

Se a tudo isto juntarmos que não receberam do conquistador soviético a mesma complacência e flexibilidade que tiveram os de ocidente, temos o ingrediente que faltava para entendermos o que de outra forma seria difícil: a criação dum sentimento de ajuste de contas com a História. Alguns terão mesmo desenvolvido um novo síndrome de Versalhes.

É fruto da tenacidade com que os criaram, que alguns de entre eles estão a chegar democraticamente a um modelo de poder que não conseguem entender.

Disciplina, falta de formação democrática, supremo sacrifício, tenacidade e ajuste de contas. Talvez isto nos ajude a explicar o momento atual, transfigurado em Angela Merkel.


Nem tudo está perdido. Aparentemente, continua a ser o mesmo país que ofereceu à Europa e ao mundo a bonomia do saudoso Khol.

Luís Novais

segunda-feira, 29 de junho de 2015

EUROPA, ENTRE WAGNERIANAS CAVALGADAS E HINOS À ALEGRIA

É bom que pensemos nisto. Compreendamos que debaixo das garras que hoje se afiam sobre a Grécia, há um espectro que se levanta. É bom que cada um de nós olhe para si, para dentro de si, e reveja esse mesmo espectro. Que lutemos para que ele se mantenha no buraco escuro em que por sessenta anos o mantivemos. Eles, os espectros, quando despertos, vêm sedentos e desvairados.


Tão Crítico desta Europa que se diz União, tudo me move a favor da Europa cultural. É verdade que deste passado saíram muitos crimes, o que não ofusca terem aqui nascido alguns dos modelos e conceitos que mais sentido positivo dão à caminhada da humanidade rumo à sua condição. O mundo de hoje, tão imperfeito que ele é, estaria pior se neste continente não tivesse florido o humanismo greco-cristão que, brotado em oriental praia mediterrânica, se disseminou por ação de Roma e se mundializou a partir de um outro areal, mais a ocidente.

Tudo alcançado à custa de muitos crimes? De muita desumanidade? Sim. No outro prato da balança, há um cintilante humanismo que iluminava e ilumina o caminho, por muito tortuoso que este tenha sido e seja. Estou certo de que sem a história europeia, não teríamos algumas das poucas bandeiras que ainda temos e pelas quais vale a pena lutar. Não teríamos Direitos Humanos, não teríamos respeito pelas minorias, não teríamos ideais de igualdade racial e de género. Somos humanistas e somos cristãos, alguns laicos, como eu.

E o resto? Como se explica?

É esquizofrénico, o nosso continente, e este é o seu problema. O drama filogenético resolvemo-lo com esse dualismo entre o espírito ideal e uma diabolizada matéria e esta foi a fonte duma dupla personalidade entre o sublime e o terreno, entre o ideal de Platão e o desejo de Epicuro. Ambas as forças se digladiam dentro de cada nação europeia e, por extensão, de cada nação ocidental; ambas as forças se digladiam dentro de cada europeu e, por extensão, de cada ocidental.

A loucura terrena de Wagner e a harmonia celestial de Mozart, lutam dentro de cada um de nós, por cada parcela da nossa ação. Confrontam-se, como sempre se confrontaram durante a história europeia. Entre nós, a carne, a matéria, é doce, mas canalha; o ideal, o metafísico, é sublime, mas acerbo. Connosco, até o crime precisa da ideia, do seu sublime. Foi por isso que aqui nasceram alguns do ideais mais macabros de que há memória, que outros conseguiram a tragédia sem deles precisarem. Ambicionamos ideia, mas não resistimos ao mel e como não resistimos ao mel, sacralizámo-lo antes de o comer.

Esta é a esquizofrenia que aclara muitas das nossas contradições e que o diga a Igreja católica, um dos bastiões do ocidentalismo. É também esta esquizofrenia que explica a dupla personalidade com que a Europa avançou entre uma e a outra metades do século XX. Só ela, a esquizofrenia, pode explicar a milagrosa rapidez com que passamos das wagnerianas cavalgadas, a cujo som fumegaram fornos crematórios, aos Hinos à Alegria, com que procuramos construir os anos seguintes.

É bom que pensemos nisto. Compreendamos que debaixo das garras que hoje se afiam sobre a Grécia, há um espectro que se levanta. É bom que cada um de nós olhe para si, para dentro de si, e reveja esse mesmo espectro. Que lutemos para que ele se mantenha no buraco escuro em que por sessenta anos o mantivemos. Eles, os espectros, quando despertos, vêm sedentos e desvairados.


Doí-me a situação grega, dói-me o sádico sofrimento com que pretendem infligi-lo. Mas o que mais me dói é este medo: que Atenas seja altar de novo holocausto. A besta aí está, só não a vê quem não queira. O mel tem apóstolos e já foi sacralizado!

Luís Novais


Foto: "Batalla en las Nubes", Dali.

terça-feira, 16 de junho de 2015

A PROPÓSITO DA TAP E DO CIRCO DO TIRA QUE PÕE

Gerir com olhos postos nos indicadores pode ser perigosa condução. Que o digam os portugueses: para contas públicas sem mácula de dívida, a política inventou esse casamento entre público e privado, que nem bom vento teve. Mas lá estava o abençoado indicador: não era dívida senhores, quase rosas, tudo afinal em pago da utilização, justa compensação pelo servicinho.

O resultado é melhor nem relembrar, que ainda esta gente anda em pagamento de prestações nada suaves. E é que, contas feitas, já nem para divórcio de tamanho matrimonstro lhes sobra tostão.

É o Estado, senhores. O que fazer? Esta coisa de pôr humana gente a gerir públicos dinheiros, nasce torto, nunca de endireita. “Ninguém respeita o que não seu”: axioma que de tão bem trovato, já nem se discute se é vero.

Anuncia-se o circo
Vai daqui que a arte de bem cavalgar qualquer crise foi de segredo único: entregar e em força. “Até damos. Entrem senhoras e senhores, meninos e meninas. Até damos. É entrar, é entrar”. E abriu o circo original: o palhaço era plateia.

Primeiro número: “O fantástico investidor”
Esses sim, que são grandes a gerir. “Ó menino, umas cabeças, um talento que só visto”. E um qualquer tio de tanta barbela quanta manha, urubu mais velho do que novo, acenando que sim, enquanto no bolso vão tilintantes as chaves do escritório de advogados, que esse também é privado e há que viver, há que viver: “Isto do Estado é só sonhos e ilusões, não resta dúvida”, e para mais conversa não lhe sobra verbo que o peso vem de outras manhas e ainda há muita sinecura em distribuição. Falem outros e ponham-se na fila.

Contas certas, pois claro. “Estes senhores até já prometeram que enfiavam uns valentes milhões pela goela da empresa quase falida”. O coro número um: “Não nos resta outra, não nos resta outra”. O coro número dois: “Graças a Deus, graças a Deus”. Um pastor fora do coro: “Aleluia, aleluia!”

Segundo número: “A raposa ilusionista”
Alto e para o baile, que estes são mais zorras que os anteriores (zorra: espécie também conhecida por pilha galinhas). Pois não é que o milhão que entra  d'uma mão sai pela outra? Vender para depois alugar… não era essa a tal manha desorçamentadora de que nos queríamos livrar? Afinal compram o galinheiro em mágica ilusão: tirando e pondo as mesmas galinhas... menos uma ou duas na reposição que o mago também tem família, pois então. “Bravo, bravo. Raposa mais que Hodini!”



“Tirar e pôr o que tira. Génios da gestão!” (na plateia um palhaço não identificado)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

FUI















Já fui.
Rio em montanha,
sonhando maresia.
Bola de fogo,
em obscuro firmamento.
Fui força e fraqueza,
caminhando sem parar.
Busca sem encontro,
paradoxo absurdo.
De nada,
fui tudo.

 Fiz quanto desejei.

Quando me diziam,
então não.

Calavam-se,
e então sim.

Houve tudo o que haver havia.
Nada perdi.
Fui, já fui.
Intensamente.
E agora?
Olho momentos,
esses que foram,
por onde quedando passei.

Tive-me intenso.
Tanto, tanto!

Tanto, tanto
que talvez já me não hei.

domingo, 31 de maio de 2015

NADABSOLUTO














Nada a descobrir:
de mundo nada,
d’universo nem mapa,
o corpo sabido, todo.
Nada!
Nada tido nad’achado.
Ser imenso.

“Come do fruto que te faz saber”,
a sereia cantante.

“Anuncio-te”,
o arcanjo flamante.

Parto que parte.

Tu és tu,
passaste-me.
Eu, eu.
Já não eu-tu,
sequer tu-eu, nós.
Perdidos em mar d’eus:
Somos, já o sabemos.

Mundo Desencanto,
letras sem palavra.
Desconecto!
Corpo sem matéria:
Eu.
Bojadores, tormentas
sentidas, não vistas.
Lançados a mar nada.

Não cremos ideia, não.

Queremos eu,
sem que sejamos.
Somos “eu”,
sem que queiramos.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

ser sem Ser



























Vi-te:
Sorridente disseste:
Sou tu, que escreves.
Pó voltarei:
quando não escrevas.
Outro:
Mim escreverá.
Pó, eterno pó serei.
Nada tu,
eterno Mim.
Nada ele
quando m’escreva.
Todos eu.
Vazios vos dou,
ser? Sou Ser
Vós? ser sois
Tu?
nada.
Sou Aquele que É,
sendo nada, pó.
És o que não é,
sendo tudo, gente.
E ele também.:
quando M'escreva
e tu já não;