sábado, 9 de abril de 2016

OS “MERCADOS”, ESSES TERRORISTAS



Use-se na guerra a este terrorismo de offshores e mercados, metade dos mecanismos que se usam na outra, e o Estado social deixará de estar em causa, e os planos ditos de ajustamento estarão desajustados, e deixarão de ser sempre os mesmos a pagar o mesmo.

Desemprego, ataque sem precedentes à principal conquista do Sec. XX que são os direitos sociais, castigo aos países que não se submetem, prémio aos governantes que aceitam a sujeição e se transformam em fantoches dessa entidade chamada “mercados”…

Chame-se al Qaeda, Daesche, fundamentalismo islâmico ou, na expressão do admirável George Bush, fascismo islâmico; nenhum grupo nos ameaçou e prejudicou tanto como os terroristas dos “mercados”. E não me refiro a Portugal, mas à cidadania de todo o mundo.

Hoje sentimo-nos ameaçados cada vez que usamos um Metro, um aeroporto, ou que vemos uma mala abandonada numa rua ou num centro comercial. Esquecemos que o maior dano que nos foi e é infligido não vem desses terroristas, mas dos outros. Esses que com um simples clique fazem valorizar ou desvalorizar moedas, que com esse clique cortam o acesso à saúde a milhões de seres humanos, obrigam os Estados a cortar reformas e salários, provocam suicídios, fome, desagregação social… Este clique é uma bomba muito mais mortal do que qualquer das que, tragicamente, rebentam nas nossas cidades, ou do que qualquer grupo de atiradores fanatizados que  entram a disparar ao deus Alá.

Depois do 11 de Setembro montaram-se esquemas apertadíssimos de controlo do financiamento das organizações terroristas. Seguiu-se-lhes o rastro do dinheiro, proibiu-se a circulação de moeda viva acima de determinados montantes, publicaram-se listas negras de seus financiadores. Ao mesmo tempo, os sistemas de espionagem apuraram-se até ao limite de porem em causa a nossa privacidade. A fuga de informação sobre os métodos da NSA deixou claro que, hoje, é impossível ocultar informação, que é impossível comunicar seja por que meio for, sem estar sujeito à monitorização de um qualquer espia. Tudo para combater essa grande ameaça: O terrorismo islâmico.

Quanto aos “mercados”, dizem-nos incontroláveis, livres, racionais. Hoje sabemos que funcionam com dinheiro de proveniências duvidosas, verbas imensas que circulam e se nobilitam nessas lavandarias que são as offshores. Levantou-se uma ponta do véu com os documentos filtrados à Mossack y Fonseca, um escritório panamiano que está longe de ser o único a dedicar-se a este trabalho e nem sequer será dos mais importantes. Se uma simples firma provocou tamanho abalo, imagine-se a dimensão real do problema.  

Não é possível acabar com isto? É, desde que se considere a fuga e o branqueamento de capitais a maior e a mais mortífera das ameaças terroristas, desde que se conclua que a segurança e a soberania nacionais estão muito mais ameaçadas por estes terroristas, do que pelos outros.

Use-se na guerra a este terrorismo de offshores e mercados, metade dos mecanismos que se usam na outra, e o Estado social deixará de estar em causa, e os planos ditos de ajustamento estarão desajustados, e deixarão de ser sempre os mesmos a pagar o mesmo.


Luís Novais

Foto: 95C

segunda-feira, 28 de março de 2016

CRIME EM ANGOLA, CUMPLICIDADE EM PORTUGAL




Desta vez não aceito o silêncio do Governo, do Presidente e da Assembleia do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num Presidente Pepsodente, todo sorrisos e afetos, estou à espera de ser surpreendido.

Sou daqueles que consideram dever evitar-se a todo custo qualquer ingerência num sistema que, apesar de ter defeitos, funcione. Ainda recentemente tivemos o resultado da adesão dos governantes europeus à tempestade Árabe, tão apressadamente apelidada de “Primavera”. No caso da Líbia, a loucura atingiu limites dignos de hospício, com a agravante de que os loucos tinham capacidade para bombardear e destruíram uma administração cheia de defeitos, sim, mas criando em troca uma ausência de regime que abriu caminho a um Daesh que agora nos rebenta, se não nas mãos, nos aeroportos e nos metropolitanos.

O nosso modelo de democracia dita representativa é suficientemente defeituoso para que não dedique o meu tempo a criticar os outros e, além do mais, desculpem o egocentrismo, mas é o meu e é onde vivo.

Se não tenho a soberba universalista, tampouco sou relativista. Nisto, como em muitas outras coisas, julgo que a resposta está nas antípodas de qualquer solução radical ou, se quiserem, fundamentalista. Acompanho Bimal Matilal (1935-1991) quando procurava uma resposta intermédia entre os dois extremos, distinguindo um padrão moral mínimo, universal, e um código ético, ambiental.

Se este é o eixo que conduz a minha visão de relações inter-culturais, tenho outra guia que é aceitar que Roma e Pavia não se fizeram num dia e há processos que são muito complexos; uma constatação que deve levar à aceitação intelectual de certas idiossincrasias, desde que a direção geral da caminhada vá no bom sentido. 

Era nesta perspetiva que, para mim, Angola estava no bom caminho. O sistema era cleptocrático, mas, lá está, se quero dedicar-me a esse tema não me falta matéria no meu próprio país, continente e hemisfério. Havia corrupção, mas continuo a considerar que o país mais corrupto do mundo é aquele onde as campanhas eleitorais são mais dispendiosas, convicção que está relacionada com o mesmo desgosto que tive quando soube que afinal não era o menino Jesus quem, benemerente, punha as prendas no sapatinho, que lá em casa éramos tradicionalistas e o velhote gordo e barbudo foi personagem que nunca entrou no nosso imaginário. Por último, Angola é um país rico onde a população não tem acesso a cuidados básicos, mas então que dizer da assistência médica em algumas das nações deste hemisfério norte em que nascemos?

Duma guerra civil, este país avançou para a paz; duma ditadura, para uma democracia ainda que imperfeita (como todas); duma economia de guerra para uma economia de circulação. Eram passos positivos, era uma caminhada na direção certa, e isso fazia-me compreender a precaução dos governos portugueses quando o tema era Angola. Além de que havia interesses nacionais que, bem vistas as duas faces da moeda, justificavam vista grossa sem que o pecado fosse grande, até porque telhados de vidro também não nos faltam.

Nesta caminhada que era positiva, acabamos de assistir a um grande recuo: O regime (não nos enganemos, não foi a Justiça) condenou hoje 17 jovens que, nas palavras de Pedro santos Guerreiro no Expresso Diário, “não mataram nem matariam, não eram terroristas nem bombistas nem letais anarquistas nem raptores nem corruptores nem violadores. Eram ativistas. Eram idealistas.” Um deles, Luaty Beirão, é também português e levou uma pena superior a 5 anos.

Desta vez não aceito o silêncio do Governo, do Presidente e da Assembleia do meu país. As posições difíceis são as que separam estadistas de oportunistas e eu, que nunca acreditei muito num Presidente Pepsodente, todo sorrisos e afetos, estou genuinamente à espera de ser surpreendido.



Luís Novais


Foto: É tão ilustrativa que não resisti à tentação de roubar esta gravura do Expresso Diário. Espero que me perdoe o seu autor, Mário Henriques

terça-feira, 22 de março de 2016

E DEPOIS DE BRUXELAS?




Desde 2001 que estamos a combater o terrorismo, baseados na doutrina de Bush: identificar o "inimigo" (por vezes imaginariamente) e atacá-lo. Com 15 anos de aprendizagem, não seria o momento de percebermos que a estratégia não funcionou? Não seria o momento de nos centrarmos em identificar e apoiar o aliado?

Os terríveis atentados de Bruxelas seguem-se a uma série de outros em território europeu que fustigaram sobretudo a França. A reação a esta ameaça está a gerar uma onde de apelos à guerra e ao extermínio dos radicais muçulmanos, “sejam ou não sejam europeus”, como li num dos muitos posts que têm circulado nas redes sociais.

É certo que os criminosos têm de ser perseguidos e sentenciados. Mas, será que a estratégia mais eficaz é essa obsessão no ataque ao inimigo?

Esse foi o modelo de Gorge Bush que, depois dos ataques de 11 de Setembro, iniciou um discurso de características radicalmente bélicas. Usou expressões como “Cruzada contra o terror”, “Acabou o tempo da compaixão” (ONU, Nov. 2001), “Temos de levar a batalha até ao inimigo” (West point , Junho 2002). 

Assente na ideia de que existiria um “eixo do mal”, esta base escatológica do discurso é totalmente marcial: o mal é o mal e com este absoluto é impossível definir qualquer via reconciliadora. 

Conhecemos os resultados desta política. Primeiro no Afeganistão (reconheça-se que neste caso em legitima defesa) e depois no Iraque, espécie de pecado original de tudo aquilo por que estamos a passar neste momento, incluindo os recentes ataques de Bruxelas e a onda de refugiados. 

Esta é uma espiral em que a Europa não está isenta de culpas: O apoio irrefletido e apressado à chamada “Primavera Árabe”, transformou a África mediterrânica num caldo de instabilidade e num berço fácil para a expansão de todo o tipo de radicalismos. A embriaguez atingiu o zénite com as loucuras líbias do Sr. Zarkozy, amplamente respaldadas por outros líderes europeus.  

Em 2011 tive oportunidade de viajar pelo próximo oriente e de passar vários dias em zonas que estão agora dominadas pelo denominado Estado Islâmico. Percebi que na maioria são populações de pequenos comerciantes integradas na ordem mundial, mas extremamente frágeis ante qualquer ataque ou pressão violentista. Outros são presa fácil da mensagem do terror: unem a religiosidade a uma grande ignorância e têm uma condição social assente no exercício de atividades económicas instáveis. Um beduíno que fazia as vezes de cozinheiro numa caravana com a qual andei pelo Sinai, dizia-se defensor do nazismo e perguntou-me se Portugal era o país de Hitler... Às objeções que lhe colocava, respondia sempre com a mesma frase lapidar: “The war is necessary”.

Desde 2001 que estamos a atacar o terrorismo, baseados na doutrina de Bush: identificar o "inimigo" (por vezes imaginariamente) e atacá-lo. Com 15 anos de aprendizagem, não seria o momento de percebermos que a estratégia não funciona? Não seria o momento de nos centrarmos em identificar e apoiar o aliado?

Por muito que a situação europeia seja aterrorizante, as principais vítimas desses mesmos movimentos não estão na Europa. O Daesh nasceu e cresceu dizimando populações nesses territórios maioritariamente muçulmanos que a nossa imperícia transformou em terras de ninguém, abrindo-lhes um caminho que rapidamente aproveitaram.

Uma estratégia baseada na identificação do aliado local e não do inimigo, implica apoiar as instituições a repor o Estado onde ele desapareceu, significa incentivar organismos locais que possam montar teias de solidariedade e passa por apoiar com recursos e conhecimento movimentos sociais e até religiosos que contribuam para reconstruir aquilo que ajudamos a destruir. 

Se dum lado as populações veem o vazio e do outro o Daesh, não lhes resta alternativa. Cumpre-nos focar a nossa atenção em dar-lhes essa alternativa, em vez de usarmos mais e mais dessa  receita militarista que tanto tem falhado. 

É que, de outra forma, a ameaça que nos toca à porta é dupla. Como bem notou Georgio Agamben, comentando Foucoult: “Um Estado que tem a segurança como única função e fonte de legitimação, é um organismo frágil; pode acabar por ser tentado pelo terrorismo a tornar-se ele mesmo num terrorista”. Essa sim, é a grande ameaça!



Luis Novais