quarta-feira, 20 de março de 2013

Tudo em Pratos Limpos


Deixem-me colocar as coisas em pratos limpos: quem me lê, ouve, ou está minimamente atento ao que vou pondo nas redes ditas sociais, sabe que sou adepto de que Portugal deveria abandonar o euro e a União Europeia e fazer um trabalho de equipa, no sentido da criação duma comunidade atlântica de língua portuguesa, à qual gosto de chamar Atlântida.

O futuro da economia mundial passa muito pela ligação entre Índico, Atlântico e Pacífico, o que assegura ao mar que nos banha a manutenção duma posição charneira na ordem planetária que se adivinha.

Neste panorama, não é preciso fazer muitos cálculos para perceber o que representam as águas territoriais conjuntas de Portugal (não esquecer as ilhas), Cabo Verde, Guiné-bissau, São Tomé e Príncipe Angola e Brasil. Quem quiser que olhe para o mapa; as conclusões resultam óbvias.

Acresce que estes países somam um total de 230 milhões de cidadãos, que falam a mesma língua e que todos (uns mais que outros) têm Democracias consolidadas e na generalidade com rotação partidária. A única exceção é a Guiné-Bissau, que poderia até encontrar nesta comunidade uma fórmula para o reencontro entre os seus cidadãos e a política.

Além das águas territoriais, este Atlântico soma um território de 10 milhões de Km2 e um PIB de 2.613.000 milhares de milhões de dólares. Numa segunda fase (ou já na primeira), poderiam juntar-se-lhe Moçambique e Timor, o que elevaria a população a cerca de 250 milhões e a área a 10,8 milhões de Km2, descontando as águas territoriais, que seriam talvez a componente mais importante deste espaço cultural, económico e político. Ou seja, mais do que o dobro da União Europeia e praticamente o mesmo que os Estados Unidos.

Os que discordam de mim, costumam contrapor dois argumentos. Primeiro, dizem, a debilidade económica deste espaço tira-lhe o interesse. Segundo, o facto de ser um conjunto de países onde abunda a corrupção, por suposta comparação a outros do hemisfério Norte, nomeadamente da Europa.

O primeiro argumento parte dum pressuposto real, para uma conclusão em meu entender falsa.

É certo que o PIB per capita desta Atlântida é baixo, quando comparado com os da União Europeia ou dos Estados Unidos. Cientes disso, não nos devemos esquecer que o espaço europeu e americano estão em óbvio declínio económico, ao mesmo tempo que os países do sul estão em franca expansão.

O último Relatório Sobre Desenvolvimento Humano das Nações Unidas deixa bem claro que a dinâmica económica mundial se está a deslocar do norte para o sul. Para citar apenas um indicador, no período entre 1980 e 2011, as trocas comerciais entre países enquadrados no conceito de sul, cresceram de 8% para 27%, ao mesmo tempo que esse valor para os do norte, passava e 46% para 27%. A óbvia conclusão é que o norte está dependente do sul para crescer, enquanto o sul está cada vez mais dependente de si mesmo.

Os números da economia, também não deixam margens para dúvidas. Enquanto as economias europeias se debatem com excesso de dívida e com uma profunda crise que está a provocar um dominó recessivo, o Brasil cresce cerca de 5% e Angola 7%. É verdade que uma parte substancial deste crescimento se deve à extração de recursos naturais. So what? Não é melhor financiar o desenvolvimento com isso do que com endividamento?

Acrescente-se que o Brasil tem hoje uma dívida externa inferior às suas reservas e que em 2011 não ultrapassava 13% do PIB (97% no caso dos Estados Unidos). O mesmo para Angola, cuja dívida é superada pelas reservas cambiais e não ultrapassa 20% do PIB (120% em Portugal) . Olhando também para o Índico, Moçambique cresce a uma média de 7,6% e o endividamento não chega a 13% .

Neste panorama, o patinho feio é mesmo Portugal, onde a cegueira europeísta nos conduziu a uma dívida equivalente a 120% e a uma recessão que já vai quase nos 4 pontos.

A conclusão a tirar é óbvia. Além da posição geoestratégica de primeira importância, além da dimensão populacional e territorial, além de partilhar o mesmo idioma, o Atlântico de língua portuguesa (ou, numa perspetiva mais alargada, o espaço de língua portuguesa), é um todo em crescimento económico e com finanças mais do que desanuviadas. É claramente uma área de crescimento económico e social, onde muito está por fazer e que dispõe de condições materiais para fazê-lo. Se hoje, aquilo que estes países têm para dar a Portugal parece óbvio, o que Portugal tem para lhes dar é a sua ligação ao hemisfério Norte, é uma soberania marítima de grande dimensão que complementa a dos países equatoriais, são recursos humanos qualificados e é uma visão internacionalista que talvez ainda falte aos demais, historicamente mais voltados para a colonização interna.

Vamos agora ao segundo argumento daqueles que não concordam com esta via: trata-se-ia dum conjunto de países onde abunda a corrupção, por putativa comparação a outros do hemisfério Norte, nomeadamente da Europa.

Sem negar a corrupção que por aí há, revolta-me essa ideia feita de que no norte é tudo gente honesta e incorruptível, enquanto no sul são um bando de malfeitores corruptos. Todos conhecemos os escândalos que grassam por essa Europa. Os alemães têm vários casos de corrupção átiva e passiva de que o episódio dos submarinos é uma ponta do iceberg. Nos Estados Unidos, basta estar atento ao custo duma campanha eleitoral para somar dois mais dois… ou então acreditar-se no pai natal. E para dar apenas mais um exemplo, o último, quando eu já estava farto de ouvir que em Angola e Brasil é só corrupção. Quando eu chamava a atenção para a condenação por corrupção do ex-presidente Jacques Chirac. Quando eu, enfim, estava rouco de contra-argumentar com os maus exemplos do norte dito desenvolvido e impoluto…  ficamos hoje sabedores de que a polícia acaba de entrar pela casa de Christine Lagarde,a presidente do FMI, por suspeitas de envolvimento num escândalo relacionado com favorecimentos a Bernarde Tapie.

Decididamente, tirem-me deste filme, quero outro barco.


Luís Novais

PS: a foto, tirei-a nesse paraíso atlântico chamado Ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau

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