domingo, 15 de abril de 2012

Assunção Cristas e os Leilões do nosso descontentamento

Embora estando no Peru, continuam a chegar-me ecos de Portugal. Maravilhas da tecnologia, que agora já não perguntamos ao vento que passa: ligamos o computador e esse não nos cala a desgraça.

Hoje li no “Público” digital que a Ministra da Agricultura vai leiloar os 600 hectares sobrantes da reforma agrária. Assunção Cristas diz coisas como: é “para que possam ser aproveitados por jovens agricultores” e “é um primeiro sinal do sentido que o Governo quer dar de que o Estado não quer açambarcar mais terras, quer é pôr no mercado terra que não esteja a ser eficazmente usada” (ver notícia)

Não sei se entendi bem: para que sejam aproveitadas por jovens agricultores, vai colocar a leilão? Achará a ministra que os jovens deste país estão assim tão capitalizados? Que os que têm pais ricos estarão interessados em trabalhar a terra?

Não creio que uma ministra se engane tão facilmente. Sou, portanto, levado a concluir que, na prática, os jovens serão testas de ferro da banca que, à força de juros, tarde ou cedo as açambarcará. Simples, não? O jovem endivida-se para comprar a terra, o Estado recebe o seu e o banco recebe os juros e, quando não, apropria-se da terra: ganha o Estado, ganha o banco, perde o sonho.

Portugal está cheio de terras incultas, ao mesmo tempo que tem níveis de desemprego elevadíssimos entre os jovens. Portugal tem um problema de macrocefalia de dois ou três centros urbanos que secaram o mundo rural, que lhe absorveram os seus líderes, que lhe roubaram a sua gente mais dinâmica, que lhe levaram os seus jovens.

Uma política da terra pode contribuir para resolver ambos os problemas: para inverter o ciclo migratório e para dar ocupação a parte da massa desempregada. Mas, para isso, é preciso que as políticas sirvam esse fim e não o contrário, que é o que se adivinha com este leilão.

Uma alternativa seria uma nova sesmaria, em que o Estado isentaria de impostos as terras que lhe fossem entregues por um prazo de 20 ou 30 anos e ainda pagaria uma renda não especulativa aos proprietários. Essas terras seriam entregues por contrato-programa a quem as quisesse trabalhar, havendo uma separação entre a posse da terra (que seguiria sendo dos seus proprietários), a intermediação (que seria do Estado e, em casos extremos, coerciva) e o usufruto, que seria de quem as trabalhasse.

Ao mesmo tempo, incentivar-se-ia a criação de bolsas locais de recursos (tratores, formação, apoio técnico) que, numa lógica mutualista, poderiam ser utilizados por todos.

Aí, sim, acredito que se estaria a fazer alguma coisa pelo progresso económico, social e territorial do país; que se estariam a dar passos rumo a um novo paradigma. Mas não é isso que se adivinha, o que se adivinha é mais do mesmo e o mesmo já se sabe até onde nos trouxe. …


Luís Novais

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