terça-feira, 21 de agosto de 2012

A PROPÓSITO DE “AMOR E LIBERDADE DE GERMANA PATA ROXO” DE FERNANDO ÉVORA


Acabo de ler “Amor e Liberdade de Germana Pata Roxo”, de Fernando Évora.

Sete histórias aparentemente desconexas, aparentemente dispersas, mas com grande unidade na mensagem e nas preocupações que relevam. Nem de propósito, interrompi a leitura das memórias de Raul Brandão para iniciar este livro. Em cada conto, vinham-me à memória as suas palavras: “A necessidade de transigir, o preceito, a lei, fizeram de mim este ser inútil, que não sabe viver”. Esse mesmo, parece ser o drama das personagens que Évora nos apresenta: ou transigem na fatalidade do destino, ou pagam o preço de contrariar preceitos e lei.

Trata-se duma obra sobre a saudade, não do que as coisas foram, mas do que poderiam ter sido. Todas as personagens vagueiam entre acasos e opções que lhes vão criando destino. São acasos e opções que os levam por caminhos sem retorno, que os conduzem a vidas, umas vezes muito diferentes, outras vezes sempre iguais. Évora narrador vê-se a si mesmo neste turbilhão de possibilidades que o andar dos tempos tornou impossibilidades e, mais de uma vez, interroga-se como seria se outro tivesse sido o caminho.

Percebe-se neste “Amor e Liberdade” uma força contida, uma energia que Georges Bataille diria impossível de guardar, mas que se acumula. E essa energia, porque impossível de guardar, vai carcomendo personagens e narrador em revoltas internas e sonhos por cumprir.

Lemos e ressoa-nos a incomodidade do conformismo. Quem, como eu, tem o privilégio de conhecer o escritor além da escrita, perceberá que esse sentir transcende a obra. Não será por acaso que, muitas vezes e indelevelmente, nos confundimos e quase temos a satisfação secreta dos voyeurs.

Mas a obra é, neste caso, muito mais do que o seu autor. Nesta série de contos desfila-nos o drama que hoje enfrentamos, não só em Portugal, mas no Ocidente. A questão literária deste livro é igual à questão histórica que se nos coloca: o que fazer com a energia que ainda temos? Aprisionarmo-nos na raiva contida, ou insubmetermo-nos em amor e liberdade?

Não sei e Fernando Évora parece não dar resposta. Mas sabemos que toda a mudança exige um acumular de forças, uma contenção. Até que um dia os diques deixam de suster. É nesses momentos que tanto podem acontecer coisas inesperadamente bonitas, como inesperadamente feias. Que sejam bonitas, pois “Amor e Liberdade de Germana Pata Roxo” também é um livro de esperança.

Uma nota final: pensando em "Gente Singular" de Teixeira Gomes, pergunto-me que raio terão os algarves para que os algarvios sejam assim, exímios na arte do conto.

Ligação à obra, clicar aqui

Etiquetas: Fernando Évora, literatura portuguesa.



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