A política atual é feita de casos, ora exacerbados e manipulados pela direita, ora pela esquerda. Enquanto a direita faz todos os esforços para criar uma cortina de fumo em torno da Caixa Geral de Depósitos, evitando que uma comissão de inquérito cumpra com o seu real objetivo, foi agora a vez do governo aproveitar uma notícia do Público, sobre a não publicação de estatísticas das transferências para off shores, levando-a ao parlamento pela mão do próprio primeiro-ministro, que sabe bem não haver qualquer relação entre a verdade e aquilo que insinuou.
A "Civilização do Espetáculo" ocupa a parte sombria da caverna platónica e tem pouca paciência para olhar a luz. Ainda assim, vale a pena fazer o esforço desmistificador.
E para desmistificar, primeiro há que averiguar se estes movimentos são ou não
anormais. As estatísticas são conhecidas desde 2010. Nesse ano
transferiram-se 2.2 mil milhões de euros, número que subiu a 4.6 em 2011, 4.3 em
2012, 4.2 em 2013, 3.8 em 2014 e é em 2015 que se atinge um pico de 8.9.
Primeiro devemos perceber o que aconteceu em 2011 para que as
transferências tenham quase duplicado, mantendo mais ou menos os mesmos valores
até 2014, mas com uma tendência de descida justificada pela progressiva acalmia
económica.
Parece claro que existe aqui uma relação direta entre a entrada da
Troika, o receio de bancarrota e as desconfianças relativamente à solidez da
banca nacional e à sua capacidade para cobrir os depósitos. São receios que,
infelizmente, a realidade confirmou e é natural que, na passagem de 2010 para
2011, quem tivesse dinheiro em Portugal o retirasse.
Podemos tecer uma série de
considerações, inclusive de falta de patriotismos e de solidariedade, mas não
de ilegalidade. Que cada um avalie o que faria em 2012 se, por exemplo, ouvisse
as notícias sobre o possível colapso dos bancos nacionais e tivesse 400.000
euros resultantes das poupanças duma vida de emigração, ou da venda duma
empresa, duma herança ou do que seja… Um grande e anormal fluxo acontece,
porem, em 2015, não sei em que mês, mas no seu blog Helena Garrido diz que terá
sido depois das eleições de Outubro. Uma vez mais, isto confirmaria a tese comummente
aceite de que os mercados não gostam da incerteza e sabemos a incerteza que
reinou depois das eleições, não sendo difícil adivinhar que investidores e
aforradores tivessem receio dum governo do PS
apoiado pelos partidos à sua esquerda. Receios que, diga-se de passagem, o futuro demonstraria serem infundados.
Note-se que todo este dinheiro foi transferido de bancos
para bancos, não andou a circular nos fundos falsos de malas. Se alguém crê que
aquilo que tem no banco é ignoto ao fisco, desengane-se, hoje todos os
movimentos estão registados e são controlados. Não temos por isso nenhuma razão
para crer que tudo não tivesse sido já tributado como rendimento.
Acresce que todas estas transferências são legais. Há uma
lista de países onde não seriam, mas parece-me desnecessário enumera-los.
Posto isto, a análise destes números tem interesse para quem
queira estudar a psicologia dos mercados, mas nada leva a supor que possa ter
relevo na análise da fuga ao fisco.
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