Se concordamos que as afirmações de Gentil Martins ou André Ventura
são perigosas porque já vivemos intolerâncias e
holocaustos, não é menos certo que também o
comportamento de António
Costa, porque já vivemos
censura e fascismo.
Referindo-se a um grupo populacional, o candidato do PSD à câmara
de Loures fez um discurso xenófobo e populista. Não faltaram, e ainda bem, as reações de denúncia. Redes sociais e artigos de
opinião na imprensa, uniram-se no elenco das semelhanças
entre esta visão simplista e o
crescimento da extrema-direita, tanto da trumpista como da europeia. Não faltaram exemplos da História e lembranças de até onde já nos levou a estigmatização de grupos culturais.
O médico Gentil Martins deu uma infeliz entrevista na qual
revelou uma mistura de homofobia com falsidades clínicas. Referiu-se à homossexualidade como “uma anomalia”, como “um desvio de personalidade” semelhante ao sadomasoquismo ou à automutilação. Uma vez mais, entrou a História para nos mostrar que este tipo de posição é, sim, um desvio e que já nos levou a muito maus caminhos. Fernanda Câncio assinou um artigo onde lembrou as perseguições nazis e a quantidade de pessoas que Hitler assassinou
com base na orientação sexual.
A História como exemplo é
uma das mais valias que esta disciplina tem para nos dar, e sou grande adepto
de que seja usada também com esse fim. Apontar os
crimes do passado quando ouvimos os petardos de André Ventura ou as frases infelizes de Gentil Martins,
faz todo o sentido apesar de, no caso deste último,
me parecer que se foi longe de mais e, em alguns casos, se roçou menos humanidade que aquela que se lhe apontou,
quando não a mais vulgar das boçalidades.
Surpreende-me, sim, que muitos dos que participaram e participam ativamente
nestas ondas de denúncia, criem uma carapaça protetora em torno de um outro escândalo que também
nos traz reminiscências dum passado a que não queremos regressar. Refiro-me aos malabarismos
de António Costa com a questão de Pedrogão Grande, nomeadamente à forma
como está a lidar com a questão
do número de vítimas.
Há uns anos li um artigo de Pacheco Pereira, onde contava
a forma como as trágicas consequências das cheias de 1967 foram ocultadas pelo governo da ditadura. Citando de memória,
dizia-nos que tanto ele como muitos da sua geração
trabalharam voluntariamente no apoio às vítimas, e contava-nos a consciência
política que se lhes despertou quando testemunharam a
extrema pobreza na que viviam as populações ribeirinhas, bem como a revolta sentida quando
confrontaram a real dimensão da tragédia testemunhada com a ocultação
da verdade que a censura impunha.
Voltando a Pedrogão Grande, a atitude de António Costa não tem qualquer justificação, menos ainda o refugio num alegado segredo de
justiça que não tem sentido aplicar à identificação das vitimas. Trocar a censura
de antigamente por um injustificado argumento como este, não é essencialmente diferente.
Curioso, é o refugio de alguns, que preferem comentar o infeliz estilo do líder parlamentar do PSD, do que a forma como o
governo está a procurar ocultar a verdade. A História serve para isso e, se concordamos que as
afirmações de Gentil Martins ou André Ventura são perigosas porque já vivemos intolerâncias
e holocaustos, não é
menos certo que também o comportamento de António Costa, porque já
vivemos censura e fascismo.
Luís Novais
Foto, retirada do Blog Ié Ié
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