Há muitos mais modelos políticos,
económicos e sociais do que aqueles que consegue imaginar o nosso pensamento
ideológico.
Platão, sempre ele, resolveu-nos o problema ontogénico da dicotomia do eu e
do outro, criando a ideia de ideia. A imperfeição deste mundo e dos que o
pisamos conscientemente, justifica-se porque a matéria seria metonímia de
imperfeição. Salvar-nos-ia a transcendência, esse além sublime e lugar onde
tudo o que é, É. A integração do ser estaria nesse Ser distante.
A História do ocidente resume-se talvez nesta busca, mudando apenas os métodos com
que procuramos. Se os áticos acreditaram na filosofia, outros partiriam rumo à revelação, seja na vertente judaica, na cristã, ou na muçulmana, porque sim, por muito
que isso possa custar a Samuel Huntigton, os árabes, e
até os persas, são ocidentais.
O imperialismo ocidental radica na Ideia. Se a Ideia é perfeita, não admite
o contrário, torna-se fundamentalista. Buscamos algo a que chamamos "verdade" e
acreditamos que ela existe. Esta solução para a angústia é o átomo que explica
a História ocidental.
Nas minhas deambulações pelo mundo tenho encontrado outros modelos
culturais que não vivem esta opressão. Não têm a noção de transcendência, o
espírito e a matéria não são entidades à parte, não são diferentes mundos. Para
um balobeiro (sacerdote tradicional) da etnia papel da Guiné, os espíritos vivem no mesmo tabuleiro em
que jogamos aqueles que estamos materialmente vivos. Para um andino que fale quéchua,
não há uma separação entre divino e humano, tudo se une na mesma natureza; a
montanha, a terra ou a água que adora, não são ídolos, são parte dum todo onde
ele mesmos se insere.
Já vivi um tempo de muitas certezas, de muita crença na precedência da
ideia sobre a ação. Felizmente temos Camões: “Nem me falta na vida muito estudo,
com experiência misturado”. É talvez isso que falta aos que primam pela ideia,
e que pela ideia acreditam chegar ao sublime. O drama é que, numa frase
muitas vezes ouvida ao meu saudoso amigo Artur Castro Neves, “o sublime leva ao
crime”. Não é preciso concretizar exemplos da História que atestam, a ferro e
sangue, esta realidade, assim sejam genocídios, escravaturas, ou mães de todas
as batalhas.
Sem perder a Razão, e eu estou entre aqueles que querem morrer racionalistas,
temos de a usar para criticá-la a si mesma. Os existencialistas, com Sartre à
cabeça, fizeram-no na perspetiva psicológica: “A existência precede a essência”.
Será talvez o momento de trazer o conceito para a política e concluir que a
Antropologia precede a ideologia.
“Há mais no céu e na terra do que sonha a tua vã filosofia, Homero”, desabafou
Otelo. E há muitos mais modelos políticos, económicos e sociais do que aqueles
que consegue imaginar o nosso pensamento ideológico. São modelos que se
desenvolveram naturalmente, sem que ninguém os teorizasse, sem que alguém os
tivesse imposto, sem que nenhum pensador deles se tivesse assenhoreado, porque basicamente
é isso que fazemos quando queremos ser filósofos: Possuir a ideia à que
chegamos. E, se a ideia é ideia, então tem tudo para ser totalitária porque, lá
está, é do outro mundo, ergo, tem de
ser perfeita.
Em alternativa, basta estar atento. A realidade aí está!... e tenho-a visto, no céu e na terra.
Luís Novais
Nota: A foto é minha. trata-se duma criança da etnia Yagua numa comunidade nativa onde passei uns dias, na fronteira entre as Amazónias peruana, brasileira e colombiana.
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